Lula está preso

O ex-presidente Lula passou a noite preso, na sede da Polícia Federal de Curitiba. Chegou lá às 22h28, vindo de helicóptero do aeroporto. Já havia feito o exame de corpo de delito, algumas horas antes, em São Paulo. O início de sua pena se passa numa sala com cama, mesa e banheiro pessoal, 15 m2. Era o fim de um dia exaustivo que produziu para a esquerda uma manhã catártica, uma tarde confusa e que por muito pouco não complicou a situação de Lula perante a Justiça. No fim da tarde, quando tentou deixar o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC que transformara em bunker, não conseguiu. Exaltados, militantes não permitiram que seu carro saísse do prédio. A Polícia Federal, que estava desde cedo no interior do edifício, sugeriu que a confusão fazia parte de um plano. Deixou-se no ar a ameaça de que a ordem de prisão poderia se transformar numa preventiva, o que lhe faria perder o direito a Habeas Corpus. Líderes do PT então voltaram ao carro de som instalado fora para convencer a multidão. “A PF deu meia hora para nós resolvermos”, falou ao microfone a presidente do partido, Gleisi Hoffmann. “Ou Lula será responsabilizado.” Aproveitando-se do fato de que o grosso estava distraído, o ex-presidente deixou então a pé o sindicato, rumando para um terreno vizinho onde estavam carros da Polícia Federal. O primeiro presidente condenado por crime comum estava enfim preso, após um ato de resistência que durou quase 50 horas.

“É preciso esticar a corda”, desenhou horas antes um velho advogado petista, em reunião com outros líderes. “Mas é preciso saber a hora de soltar. Até quando vamos conseguir manter esse pessoal lá fora? E até quando vamos segurar esse povo calmo?”

A missa ecumênica transformada em comício devia ter começado até 9h30, mas disparou mesmo só após às 11h. Aguardado desde a véspera, Lula enfim fez seu discurso. Tinha o tempo todo um cinegrafista ao seu lado e drones, de cima, filmavam a multidão. O líder petista falou por 55 minutos. Abriu registrando com maior ou menor ênfase a presença de quem estava a seu lado. Principalmente Guilherme Boulos, líder do MTST, e Manuela D’Ávila, do PCdoB gaúcho — ambos candidatos à presidência. “Acho uma perspectiva de esperança ter gente nova se dispondo a enfrentar a negação da política”, gritou rouco, como se nomeasse herdeiros. Seguiu para uma narrativa histórica, reafirmando sua origem. “Aqui foi minha escola”, contou perante o sindicato, “aqui aprendi sociologia, aprendi economia.” E daí partiu para ilustrar quem são os inimigos. “Deram a primazia dos bandidos fazerem um Pixuleco pelo Brasil inteiro. Deram a primazia dos bandidos chamarem a gente de Petralha”, seguiu. “Não posso admitir é um procurador que fez um PowerPoint e foi para a televisão dizer que o PT é uma organização criminosa.” Não poupou a imprensa. “Tenho mais de 70 horas do Jornal Nacional me triturando, mais a Record, mais a Bandeirantes.” Tendo desenhado o que considera ser o cenário, comunicou que iria se entregar. “Vou atender o mandado deles”, disse. “Porque eles vão dizer a partir de amanhã que o Lula está foragido, que o Lula está escondido. Vou lá, na barba deles, para eles saberem que não tenho medo, para eles saberem que vou provar minha inocência.”

Leia: o discurso de Lula. (Folha)

Assista: O evento, carregado de músicas, foi apelidado de Lulapalooza.

Checagem: Agência Lupa e Aos Fatos foram ver o que é factual, e o que não é, no discurso.

Insuflados do palanque, os militantes agrediram pelo menos sete jornalistas. Uma repórter chegou a levar um tapa no rosto desferido por um homem.

Pelo menos uma das imagens capturadas no esforço de criar ícones já foi posta pelo PT nas redes. É de Francisco Proner Ramos, enteado de Chico Buarque. (Globo)

E... A foto virou piada pop.

Porém... Não conseguiu dominar toda a narrativa. A foto que desejava evitar, de um líder cabisbaixo e preso, acompanhado de policiais, também foi registrada.

Em Curitiba, a Polícia Militar conteve com tiros de borracha e bombas de efeito moral os manifestantes pró-Lula, perante a sede da Polícia Federal.

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Fernando Rodrigues lê as intenções por trás do gesto de Lula: “Do ponto de vista estritamente político, Lula foi bem-sucedido neste momento. Conseguiu uma cobertura maciça de mídia para o seu caso. Semeou na mídia internacional uma dúvida sobre a lisura institucional do processo que o condenou. Gravou cenas cinematográficas sobre sua ‘resistência democrática’. As imagens serão usadas ‘con gusto’ durante a campanha eleitoral. Colou em parte do seus seguidores a sua interpretação dos fatos. O fato é que, como indicam todos os sinais recentes do Judiciário, Lula passará alguns anos na prisão. Em regime fechado. Cálculos realistas, que já consideram eventuais benefícios para redução de pena, indicam que dificilmente deixará de passar de 4 a 6 anos em regime de prisão fechada. Se isso se confirmar, Lula e seus aliados sabem que seria necessário preparar o terreno para atravessar o deserto sem o principal líder do PT em liberdade.”

Merval Pereira interpreta as consequências do gesto: “Lula quebrou todos os acordos feitos com a Polícia Federal desde as 17h de sexta para se entregar, e montou uma encenação que só piorou sua situação, política e jurídica. Ele exortou seus seguidores contra a Justiça, os promotores, contra a imprensa, chancelando uma posição radicalizada que só poderia resultar nos tumultos. O risco de haver um conflito que provocasse mortos e feridos foi o que mais pesou na decisão de ser condescendente com o ex-presidente. Por volta das 12h, quando Lula anunciou aos militantes de cima do carro de som que se entregaria, houve alívio entre as autoridades que negociavam com os advogados. O certo é que sua situação jurídica se complicou muito, e se não for punido agora mesmo, é quase certo que nas próximas condenações, se acontecerem, sua prisão preventiva pode ser decretada devido à resistência. Isso na hipótese de que esteja solto, por obra de um novo habeas corpus, ou em prisão domiciliar, ou em conseqüência de eventual mudança da jurisprudência sobre a prisão em segunda instância. Mas vai ser proibido de fazer campanha. Depois de preso, acabou, define uma autoridade envolvida na operação de prisão do ex-presidente.” (Globo)

Ricardo Miranda observa os sucessores apontados: “Se está óbvio que Ciro Gomes foi expelido da frente de esquerda que Lula começa a montar, também foi percebido o aceno para três possíveis candidatos presidenciais – Boulos, Manuela D’Ávila e Fernando Haddad. Teve uma atenção flutuante em relação a Haddad. Deixou-o no jogo, mas ao mesmo tempo tirou-o. Manuela, cuja beleza elogiou, é uma paixão política platônica. A identificação de Lula é com Boulos. ‘Você tem futuro, meu irmão. É só não desistir nunca, avisou Lula, com um forte abraço. Seria uma opção ousada. Apoiar um candidato do PSOL, escoadouro dos petistas descontentes. Por outro lado, teria o sentido de um reencontro, como foi o comício de Lula na porta de seu velho sindicato.”

José Roberto de Toledo percebe as ausências: “Dos petistas cotados para disputarem a presidência, um não estava lá, outro ficou no fundo da cena, e o terceiro tem barba e cabelo brancos. A troca de bastão não se completou no partido. Preferido pela máquina do PT, Jaques Wagner não apareceu na cena de despedida de Lula. Mãos cruzadas à frente do corpo, Fernando Haddad parecia tão encabulado no palanque quanto em sua derrotada campanha à reeleição como prefeito. Celso Amorim é diplomata.”

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