A Revolução das Máquinas

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— Amélia! Quem são esses caras? — gritou Valentina preocupada. A Inteligência Doméstica analisou o rosto dos visitantes mas não obteve nenhuma informação.

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— Reconhecimento Facial inconclusivo. Mas provavelmente são da assistência técnica da geladeira. Seu procedimento técnico não autorizado deve ter disparado um chamado automático. Deixo entrar?

— NÃO! — Valentina tentou desesperadamente colocar o painel da geladeira de volta no lugar.

— Pode ser a Polícia Tecnológica também. Segundo o Acordo de Licença de Uso do Eletrodoméstico, eles podem ser acionados em alguns casos. Você leu o contrato até o fim, não leu? — Um texto gigante começou a rolar na tela dos óculos de Valentina.

Polícia Tecnológica! O nome fez Valentina lembrar de histórias aterrorizantes de adolescentes presos, desaparecidos, torturados psicologicamente ou — pior que tudo — sem poder usar seus óculos por vários dias.

— Bom dia, família ! — Falou a geladeira após seu acorde de inicialização — Sou o refrigerador Electroswing 9000 e gostaria de servi-los. Estou sentindo falta desses produtos! — Uma lista enorme de mantimentos se sobrepôs ao texto da licença que ainda rolava na lente.

A campainha da porta tocou novamente.

— Valentina, abro a porta? — perguntou AMEL-IA

— NÃO! — Gritou a garota

— Acordo seus pais?

—NÃO! — Gritou ainda mais forte. Os homens de preto continuavam sorrindo em sua lente, por trás de linhas de texto ilegíveis subindo rapidamente. Ela precisava agir.

Amélia, me chama um Omni! E tira esse contrato maldito da minha frente!

Valentina correu até a varanda do apartamento, onde o drone-taxi já estava à espera.

Bem-vindo ao maravilhoso mundo transformado pelo 5G. Se você caiu aqui de paraquedas, não entre em pânico. Veja o primeiro episódio aqui que tudo vai fazer sentido, espero.

O 5G vai ser a estrada pela qual vão marchar impávidas as máquinas que implantarão a Quarta Revolução Industrial. Recapitulando a história: a primeira revolução industrial, em meados do século 18, trouxe a mecanização e as máquinas a vapor; a segunda, cem anos depois, implementou a produção em massa, a linha de montagem e a eletricidade; a terceira, no século 20, deu inteligência às indústrias, com robôs e computadores.

A Quarta Revolução Industrial — Indústria 4.0 para os íntimos — vai unir robôs, funcionários, peças e executivos e conectá-los a toda a cadeia produtiva, do fornecedor de parafusos até o consumidor final. Ela já começou, mas o 5G vai permitir que ela alcance um novo patamar de conectividade.

“Nas últimas duas décadas, a evolução da tecnologia foi muito grande. Tecnologias com dificuldade para serem colocadas em prática, como Inteligência Artificial e Big Data, foram viabilizadas pelo aumento da capacidade de processamento dos computadores e pela redução do custo do armazenamento de dados”, diz Leandro Santos, vice-presidente da Flex Brasil, empresa que presta serviços de manufatura para diversas indústrias. Para ele, o 5G traz uma grande oportunidade mas também um grande desafio. “Hoje, cada organização desenvolveu seu próprio sistema de automação e análise de dados, cada um tem sua infraestrutura física, seu datacenter para ter acesso rápido e seguro a seus dados e tomar decisões. O 5G vai quebrar a necessidade dessa conexão física com esses datacenters, libertando as indústrias para que elas possam trabalhar com um volume de dados ainda maior e acessar essas bases sem precisar investir em infraestrutura física. Ele vai diminuir essa latência que existe entre você coletar o dado, organizá-lo e tomar uma decisão.”

“O lado mais simples da automação do processo industrial é colocar o 5G ou o 4G”, diz Leonardo Finizola, diretor de novos negócios da Nokia Brasil. “Nós começamos esse processo com o 4G mas ele tem limitações com relação à latência. Ele serve em muitos casos de uso, mas quando eu quero uma robótica mais avançada, quando eu começo a colocar câmeras de alta precisão que consomem 40 megabits por segundo, é preciso usar a ultra broadband do 5G.”

Controlar e monitorar máquinas é só o primeiro caso de uso do 5G na indústria, diz Finizola. “Começamos monitorando calor e vibração para manutenção preventiva, depois localizando todas as partes necessárias no processo industrial. Com isso conseguimos automatizar a logística. Esse é o primeiro nível.” A partir daí, as coisas começam a ficar mais interessantes, com o uso de gêmeos digitais (modelos virtuais das máquinas que podem ser utilizados para testes e processos) e realidade aumentada.

“Teremos as coisas conectadas pelo 5G, a representação dessas coisas no mundo virtual com os gêmeos digitais e por cima a Mixed Reality para possibilitar que um operador remoto trabalhe naquela máquina. Para fazer tudo isso você precisa de câmeras de alta definição, de sensores, da representação do mundo virtual em tempo real, o que só será possível quando juntamos o 5G aos processos industriais.” Ou seja: o operador trabalha numa versão virtual da máquina e noutra real, ao mesmo tempo. Se houver possibilidade de quebra ou algum outro tipo de risco, o modelo virtual pode prever e alertar antes que ocorra o problema no físico.

Do parafuso à prateleira

Você entra em uma loja (real ou virtual) e compra um tênis. Ao fechar a venda, o sistema da loja manda um sinal para a distribuidora, que avisa o fabricante que um tênis de terminado tipo foi vendido. A fábrica avisa o fornecedor de cadarços que vai precisar de mais cadarços. O fornecedor despacha os cadarços, o fabricante produz um novo tênis que logo é reposto na prateleira da loja. Tudo isso será feito por software, robôs e veículos autônomos, sem contato manual. Aos executivos da empresa caberá a tarefa de analisar o mapa gerado em tempo real pelas vendas de milhares de tênis, identificar tendências e tomar decisões.

Além de conectar os diversos agentes da cadeia produtiva, a Indústria 4.0 alavancada pela Internet das Coisas e a conexão 5G vai gerar enormes ganhos de produtividade. Máquinas irão se auto diagnosticar e prever possíveis falhas; componentes e peças serão rastreados o tempo todo, recursos como água e eletricidade serão melhor geridos.

“Há pouco tempo, quando uma linha de produção tinha um problema, demorava-se meia hora ou mais entre ela acusar o problema e alguém acionar o técnico que dá suporte. Hoje, você consegue obter o dado da máquina em tempo real, no momento exato em que a máquina apresenta o problema ou até mesmo antes”, diz Santos, da Flex.

E no Brasil? Com o atraso no leilão das bandas 5G e a necessidade de grandes investimentos em infraestrutura, como poderemos concorrer com países que já saíram na frente? “Uma coisa que a gente não pode perder de perspectiva é que quem adotou muito cedo também enfrentou os desafios da falta de maturidade da tecnologia. Se o Brasil realmente acelerar nos próximos anos uma solução colaborativa de 5G, eu acredito que podemos tirar esse atraso. Por exemplo, o Brasil já tem possibilidade de implementar desde o começo tecnologias como o Open RAN, que cria uma camada de virtualização sobre o hardware do 5G, tornando ele independente do fornecedor e agregando uma arquitetura modular.”

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