Edição de Sábado

Edição de Sábado: Cinco dias na Ucrânia

Artem foi o único a brindar com um copo de água. O vinho branco, nacional e fresco, foi a escolha dos demais na noite quente de 26 de agosto. A Ucrânia havia passado, naquela manhã, pelo maior ataque aéreo da Rússia desde 24 de fevereiro de 2022. Mais de 200 mísseis e drones atingiram Kiev, Kharkiv e ao menos outras 13 regiões do país. Boa parte da capital ficou no escuro — mas os geradores davam conta de iluminar um restaurante aqui, um bar acolá. Naquela mesa onde Artem se mantinha abstêmio, a luz amarelada emprestava um ar boêmio e refinado ao salão, repleto de gente elegante e aparentemente leve. No cardápio, uma fartura digna da rica terra negra cobiçada por toda a Europa, do país que é comumente chamado de “celeiro” do continente. Kiev é uma cidade cosmopolita. Lindíssima. Verde, no verão. Por vários minutos, quase é possível esquecer que a Ucrânia está invadida pela Rússia. Até que o celular de alguém denuncia o alerta permanente, com o som de uma sirene que avisa que a província está sob ataque. Os moradores, em seu 914º dia de guerra, ignoram os alarmes: aprenderam a discernir o perigo real para decidir quando, de fato, abrigar-se em um bunker. Artem hesita, mas admite: “Eu não estou bebendo. Por causa da depressão”.

Edição de Sábado: Com quem Pablo fala?

Há um novo brasileiro na rua. Se antes a salvação católica servia de consolo para a dureza da vida, isto mudou. No mundo da Teologia da Prosperidade, ascensão social é mostra de bênção divina. Quem não a conquista é porque não foi abençoado. Quem não a conquista tem raiva. No mundo das redes, nos celulares, a propaganda é constante. E não é como aquela propaganda antiga, distante, das TVs e do rádio. É uma propaganda que se impõe, precisamente individualizada, que atiça aquilo que cada um deseja mais avidamente. Esse novo brasileiro quer prosperar com todas suas forças. Quase sempre, não consegue. E se ressente. É com ele que fala Pablo Marçal. É ele que a esquerda tradicional não consegue mais atingir.

Pablo Marçal é picareta?

Edição de Sábado: O caminho de Kamala

Kamala Harris for the people”. Pelo povo. Foi resgatando o slogan de sua frustrada campanha presidencial de 2020 — e a frase que usava para se apresentar como procuradora de Justiça — que a vice-presidente aceitou a indicação para ser, agora sim, a candidata democrata à Presidência dos Estados Unidos. O que pode parecer uma apresentação requentada de Kamala é, na verdade, uma contraposição certeira à imagem de seu adversário, o republicano Donald J. Trump. Os democratas buscaram, ao longo da Convenção Nacional do Partido Democrata (DNC, na sigla em inglês) nesta semana, em Chicago, frisar o quanto Trump serve somente a si mesmo, age apenas em prol de seus próprios interesses e de seus amigos bilionários e está pronto a sacrificar o povo americano para lucrar e se safar. É uma mensagem bastante desconfortável, especialmente quando comparada à trajetória de uma mulher negra, descendente de imigrantes, nascida na classe média baixa, que emergiu para construir uma carreira, para dizer o mínimo, digna de nota. Sem contar que lembra ao eleitorado que essa disputa é entre uma procuradora versus um criminoso.

Edição de Sábado: ‘Democracia na Venezuela depende de Lula’

Um regime “muito desagradável”. Foi assim que o presidente Lula escolheu definir o que acontece hoje na Venezuela, em vez de usar o termo “ditadura”. “Não acho que seja uma ditadura. É um governo autoritário, mas é diferente de uma ditadura como as que a gente conhece.” Pressionado desde 28 de julho sobre como lidar com a eleição presidencial e o fato de que Nicolás Maduro foi proclamado vencedor sem apresentar as atas das urnas, e mesmo com as abundantes provas da oposição de que ele perdeu, o governo brasileiro vem agindo diplomaticamente antes de decretar apoio a algum dos lados. Enquanto exige de Maduro as tais atas, coisa que o próprio Lula voltou a fazer, busca respaldo de outros países para uma saída menos traumática diante da resistência do venezuelano de deixar o poder. Contava com México e Colômbia na empreitada, mas a nova presidente mexicana já sinalizou um recuo. A nova proposta brasileira é a de que a Venezuela realize novas eleições — o que Maduro refutou prontamente.

Edição de Sábado: Ciência psicodélica

“Entre 2012 e 2022, interrompi por conta própria minha medicação controlada em três ocasiões. Foram as vezes que tive crises muito profundas. Tentei de fato me matar*. Até que a psiquiatra sugeriu a terapia com cetamina”, lembra João Victor Romariz. Convivendo com a depressão desde 2012, o jovem encontrou na substância psicodélica a “virada de chave”. Velha conhecida da medicina, sua primeira molécula foi sintetizada em meados de 1960 pelo professor Calvin Lee Stevens, que ministrava química orgânica na Wayne State University, em Michigan, nos Estados Unidos. Em consultoria para os laboratórios Parke & Davis, recebeu a missão de trabalhar com a fenciclidina, um anestésico fortíssimo de alto risco ao sistema respiratório. Era único o objetivo: criar outro inibidor tão potente quanto, mas mais seguro. Ao isolar o composto CI-581, Stevens chegou à partícula promissora.

Edição de Sábado: Democracia à moda petista

Foi a nota “possível” e foi até “blasé”, na avaliação reservada de um petista que integra a Comissão Executiva do partido. Ele se referia à posição a respeito das eleições na Venezuela, externada na noite da última segunda-feira pelo PT, um dia após Nicolás Maduro se proclamar reeleito, com 80% dos votos apurados.

Edição de Sábado: O regime apodrece

Após 25 anos no poder, o chavismo enfrenta amanhã a eleição mais importante da história recente da Venezuela. O atual líder, Nicolás Maduro, está desgastado, e aparece em um distante segundo lugar na maioria das pesquisas feitas nas últimas semanas. O ditador, no poder desde 2013, após a morte do líder do movimento, Hugo Chávez (1999-2013), está a pelo menos 20 pontos percentuais atrás do primeiro lugar nas intenções de voto, Edmundo González Urrutia.

Edição de Sábado: Diversidade em jogo

A partir do próximo dia 26, o mundo se volta para Paris. Os Jogos Olímpicos de Verão vão reunir cerca de 10.500 atletas de 206 países. Pela primeira vez, o total de competidores terá 50% de homens e 50% de mulheres. E entre os 277 membros do Time Brasil, também de forma inédita, o total de mulheres supera o de homens: 153. Mas em um mundo onde a questão do gênero vai além da definição do momento do nascimento, a representatividade no olimpismo de atletas transgêneros, o que inclui pessoas não binárias, é bem pequena. De fato, há poucos transgêneros dedicados ao esporte de alto rendimento. Por trás disso, há uma complexa discussão, especialmente na categoria feminina. A questão central é o quão justa é a competição entre mulheres trans que tenham passado pela puberdade masculina e atletas que não foram expostas a testosterona nos mesmos níveis durante a adolescência.

Edição de Sábado: ‘O identitarismo promove uma sociedade conflituosa e hostil’

Aos 42 anos, Yascha Benjamin Mounk tornou-se um dos mais influentes cientistas políticos do mundo. No arco dos últimos seis anos, escreveu três livros que se tornaram guias de compreensão da crise nas democracias. No primeiro, O Povo Contra a Democracia, ele argumenta que há um desequilíbrio entre o lado técnico e o lado eleito dos governos. Em meio às transformações do mundo, corpos técnicos como o Judiciário e os bancos centrais vêm se tornando alvos fáceis de populistas que propõem uma leitura autoritária de governança, na qual os líderes eleitos podem atropelar o que definem os técnicos.