O que Lula quer de Boulos?
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A nomeação de Guilherme Boulos, deputado federal pelo PSOL de São Paulo, para o ministério da Secretaria-Geral da Presidência foi celebrada por parte da esquerda como um gesto político e simbólico. Por outra parte, gerou espanto. Por que Lula está abrindo mão de um tremendo puxador de votos pra Câmara dos Deputados em 2026?
Ao que parece, para o governo Lula, Boulos não é apenas uma voz popular da esquerda em redes sociais — é alguém com poder real de transbordar essa influência pra vida real e pra muito além dos votos pra deputado.
Em entrevista ao Jornal da CBN, Boulos explicou o motivo da sua escolha para esse ministério: foi chamado para mobilizar as ruas e pressionar o Congresso a aprovar pautas populares do governo, como o fim da escala 6×1. Mas também pra articular com um público até aqui refratário ao governo. Boulos vai se empenhar na regulamentação dos trabalhadores de aplicativos — essa categoria de trabalhadores que o Partido dos Trabalhadores, até hoje, não conseguiu conquistar.
Esse desafio de conectar o governo com o novo trabalhador brasileiro, aquele que não tem patrão, mas também não tem direitos, não é banal. Trata-se do motoboy, do entregador, do motorista de aplicativo, do microempreendedor individual. Dessa massa que, nas últimas décadas, substituiu o operariado do chão de fábrica como espinha dorsal da economia urbana e como público da esquerda clássica.
Lula se derrama em elogios a Boulos não é de hoje. Inclusive, impôs ao PT uma situação sem precedentes ao fazer o partido abrir mão de ter um candidato a prefeito em São Paulo, em 2024, e apoiar Boulos.
Embora a derrota para Ricardo Nunes tenha tido um gosto amargo porque Boulos bateu num teto de votos igual ao de 2020, ainda assim o pupilo de Lula conseguiu ir ao segundo turno, superando Pablo Marçal, e conquistando mais de 2 milhões e 300 mil votos na capital.
Pra tanto, Boulos botou camisa social, aceitou Marta Suplicy de vice e suavizou o discurso, tudo pra ser mais palatável. Topou até um debate com o próprio Marçal, que havia jogado super baixo contra ele.
Não foi suficiente. Boulos perdeu de Nunes até em bairros de periferia em que o PT tradicionalmente ganhava, e ficou claro que o discurso da esquerda, fosse o radical fosse o suavizado, estava desatualizado.
Ao trazer Boulos pra dentro do Planalto, pra perto de si e pra protagonista no ano eleitoral na articulação com movimentos sociais e com trabalhadores avessos ao petismo, Lula parece estar confirmando a unção de Boulos como seu sucessor à esquerda.
Como o responsável por reinventar a plataforma genuinamente de esquerda de seu governo atual e de seu potencial novo mandato.
Cá entre nós, me parece mesmo um movimento necessário. Mas, ao mesmo tempo, é bastante arriscado, principalmente quando se leva em conta o tanto que Lula e todo o campo progressista, a começar da centro-esquerda, precisam fazer parlamentares no ano que vem.
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Em 2022, Boulos foi o segundo deputado federal mais votado do país, com pouco mais de 1 milhão de votos em São Paulo. Perdeu só pro Nikolas Ferreira, do PL de Minas Gerais.
Apesar das limitações, Boulos é hoje um dos poucos nomes da esquerda-raiz capazes de angariar esse tipo de votação. O PSOL tem uma esperança de que, em São Paulo, Erika Hilton seja a herdeira desse capital eleitoral. Luiza Erundina e Ivan Valente não sabem se vão concorrer em 2026. Eduardo Suplicy, do PT, grande puxador de votos, também deve ficar de fora.
Na entrevista pra CBN, Boulos diz que não é certo que ele não vá concorrer a deputado, que vai depender do que Lula pedir. Mas, pra concorrer, ele teria de deixar o ministério até abril. E, ele mesmo diz, com pesar, até lá não terá dado de fazer um trabalho com começo, meio e fim na pasta.
Fato é que, segundo reportagem da Folha de São Paulo, Boulos está frustrado com a Câmara dos Deputados, com o clima no Congresso. E sua atuação por ali realmente não teve nenhum brilho particular.
Sua carreira não tem foco no Legislativo. De militante do MTST, Boulos já se lançou numa candidatura à presidência em 2018, que amargou um décimo lugar. Foi sugestão do próprio Lula que ele concorresse naquele ano, pra ganhar experiência.
Dois anos depois, Boulos tentou a prefeitura e se saiu melhor do que o esperado, indo pro segundo turno com Bruno Covas. Ficou ali na casa dos 40%, mesmo resultado de 2024 — o que pode representar um teto intransponível para ele. Ou um número a ser desafiado.
Agora, Boulos pareceu entusiasmado com a chance de fazer um trabalho como ministro, como espécie de embaixador de Lula com sua base de esquerda, se cacifando como o dono dessa bola, e, ao mesmo tempo, como ponte com uma nova classe trabalhadora que o PT nunca conseguiu representar.
Só que a esquerda e a centro-esquerda precisam de deputado. Precisam de senador. Precisam de mais força no Congresso. Qualquer que seja o cenário. Se Lula se reeleger, precisam ajudar a dar alguma governabilidade a ele. Se Lula perder, precisam ser uma oposição que não vá ser tratorada pelo Centrão e pela direita.
A aposta é que, mesmo fora da urna, Boulos possa funcionar como uma espécie de articulador político paralelo: o homem do governo no asfalto, capaz de transformar demandas sociais em pressão parlamentar — e, quiçá, em votos para deputados.
Hoje, na Câmara, o bloco formado por PL, União, PP, Republicanos, PSD, MDB, Podemos e PSDB-Cidadania soma 363 cadeiras. Do outro lado, o campo progressista — unindo PT, PCdoB, PV, PSOL, Rede, PSB e PDT — tem menos de 130 deputados. É uma minoria muito distante. No Senado, a relação é ainda mais desfavorável: o PT tem 9 senadores, o PSB 4 e o PDT 3. O resultado é um governo que precisa negociar cada vírgula, cada cargo, cada centavo de emenda.
Não dá pra se iludir, achar que é possível uma virada no parlamento. É possível apenas diminuir a distância. O Brasil nunca teve uma maioria de esquerda. Essa não é a ideologia da maior parte dos brasileiros. Então, o Congresso não vai ser de esquerda.
Mas, além disso, os partidos do centrão e da direita se especializaram em fazer parlamentares. Eles têm imensa capilaridade. E isso tem a ver com o ciclo que a esquerda precisa romper.
O centrão e a direita têm prefeitos, vereadores, igrejas, rádios, associações, máquinas regionais. São esses tentáculos que transformam discurso em voto. E, enquanto a esquerda tenta recuperar a conexão com as ruas, esses partidos já estão consolidados nos municípios, dominando a política local. Graças à aplicação das emendas parlamentares.
Sim, porque desde que o Congresso assumiu o controle do orçamento, o equilíbrio de forças mudou de forma estrutural. As emendas impositivas e o orçamento secreto deram ao Legislativo um poder inédito. Deputados e senadores irrigam suas bases com recursos que antes eram do Executivo e faturam eleitoralmente com isso.
O presidente, que sempre teve a caneta sobre os gastos públicos, virou refém de parlamentares que controlam bilhões.
Bolsonaro, aliás, já disse isso com todas as letras. Em junho de 2025, num ato na Avenida Paulista, ele declarou: “Se vocês me derem 50% da Câmara e 50% do Senado, eu mudo o destino do Brasil. Nem preciso ser presidente; o Valdemar me mantendo presidente de honra do PL, nós faremos isso por vocês. Quem assumir a liderança vai mandar mais que o presidente da República.”
A frase revela o mapa do poder: controlar o Congresso vale mais do que levar o Planalto. É por isso que a esquerda e a centro-esquerda precisam disputar cada cadeira — não para fazer maioria, mas para impedir que essa maioria automática da direita se transforme em hegemonia política.
Lula, em outro registro, tem dito o mesmo. Em 2022, ainda candidato, afirmou: “Não adianta votar em presidente sem uma bancada forte no Congresso.” E, já no governo, em 2024, cobrou dos aliados: “A bancada precisa aprender a defender mais a gente das porradas que a gente toma.”
Os dois sabem que o poder real está hoje no Parlamento — e que sem uma base legislativa capaz de mostrar o mínimo de força o Executivo é apenas uma sombra.
Por isso, o desafio de Lula é duplo: fazer bancada no Congresso e refazer base social. A esquerda precisa de mais cadeiras, mas também de mais gente acreditando na política. Precisa falar com o motoboy e com o microempreendedor, com o professor e com a enfermeira, com quem votou em Lula, mas também com quem apenas quer viver melhor. Se conseguir ligar esses dois fios — o da representação e o da mobilização —, pode redesenhar o mapa político brasileiro.