O Meio utiliza cookies e outras tecnologias semelhantes para melhorar sua experiência. Ao navegar você concorda com tais termos. Saiba mais.
Assine para ter acesso básico ao site e receber a News do Meio.

Bancada Cristã, a base de fiéis e a pauta climática

Receba as notícias mais importantes no seu e-mail

Assine agora. É grátis.

Falar de meio ambiente no Brasil é, cada vez mais, falar também de religião. O debate sobre as mudanças climáticas, frequentemente enquadrado como um tema técnico ou científico, tem encontrado ressonância — e, em muitos casos, novas formas de engajamento — entre fiéis de diferentes crenças e espiritualidades. Mas, como a religião vem sendo utilizada e mobilizada também para a radicalização política, é especialmente entre católicos e evangélicos que se tenta polarizar uma pauta ainda não polarizada na base de fiéis. Como mostram os dados.

Uma pesquisa intitulada Cristianismos e Narrativas Climáticas, realizada pelo Instituto de Estudos da Religião (ISER) e publicada no ano passado, mostra que a fé e as práticas religiosas são dimensões centrais para compreender como a população brasileira elabora sentidos sobre natureza, criação e responsabilidade ambiental e que, diferentemente do que muitas lideranças religiosas na política tentam demonstrar o contrário, as percepções sobre essas questões nas pessoas não adere a leituras fatalistas religiosas e acompanham as leituras da população em geral.

Os resultados ajudam a desconstruir estereótipos persistentes, especialmente sobre o público evangélico. Entre os participantes da pesquisa na Marcha para Jesus, evento de maior visibilidade entre evangélicos no país, a maioria reconhece que as mudanças climáticas são resultado da ação humana — e acredita que suas igrejas devem abordar o tema. Em um contexto em que o discurso religioso é frequentemente retratado como alheio ou até contrário à agenda ambiental, esses dados revelam nuances importantes: há, dentro das igrejas, debates e sensibilidades em transformação.

Essa investigação foi coordenada por Jacqueline Moraes Teixeira, Lorena Mochel e Eduardo Santos e combinou diferentes métodos de análise: de um lado, questionários estruturados aplicados em campo nas Marcha para Jesus em três capitais: São Paulo, Rio de Janeiro e Recife; de outro, o acompanhamento das narrativas sobre religião e meio ambiente nas redes sociais — Instagram, Facebook, TikTok, YouTube e X (antigo Twitter). As entrevistas foram realizadas, até o momento, apenas com o público evangélico. A pesquisa ouviu 673 participantes, com maioria feminina (61%) e negra (62%), dos quais 91% se declararam evangélicos. Está em campo, até o final deste ano, uma etapa de entrevistas com o segmento católico, em seus eventos mais emblemáticos de rua como o Cirio de Nazaré, em Belém (PA), e procissões durante a Semana Santa em algumas capitais selecionadas.

Ao cruzar esses universos — o das ruas e o das redes —, o estudo revela como repertórios religiosos circulam, ganham novas interpretações e, muitas vezes, disputam o sentido mesmo do que significa “cuidar da criação”. Mais do que medir opiniões, trata-se de compreender o papel das igrejas e de seus fiéis na construção simbólica e política das narrativas sobre o clima no Brasil.

Muitos atribuem a crise ambiental ao mau uso do livre-arbítrio, concedido por Deus à humanidade

As mudanças climáticas são uma realidade incontestável — e, para boa parte dos evangélicos ouvidos, não cabe atribuí-las a Deus, mas à ação humana. Esse é um dos achados mais expressivos da pesquisa. As posições negacionistas sobre o aquecimento global não prosperam entre os fiéis. Pelo contrário, muitos atribuem a crise ambiental ao mau uso do livre-arbítrio, concedido por Deus à humanidade — um modo de expressar, em linguagem teológica, a noção de responsabilidade coletiva pelos danos causados ao planeta.

Ainda que o reconhecimento da gravidade do problema seja quase consensual, seis em cada dez afirmam que suas igrejas não possuem ações específicas voltadas à questão ambiental — o que também sugere uma distância entre convicção pessoal e prática institucional.

Mesmo assim, o interesse pelo tema é evidente: a ampla maioria considera importante que as igrejas abordem o cuidado com o meio ambiente, com índices altíssimos de concordância entre as mulheres (98%) e os homens (93%) entrevistados. Segundo o estudo, há, contudo, “um certo desconhecimento relacionado às categorias ‘clima’ ou ‘questões climáticas’”, o que indica que o vocabulário mais técnico da agenda ambiental nem sempre ressoa entre fiéis, enquanto expressões como “meio ambiente” ou “cuidado com a criação” encontram maior adesão simbólica e afetiva.

Como explica a antropóloga Jacqueline Moraes Teixeira, trata-se de um público que frequenta a igreja ao menos duas vezes por semana e demonstra altíssimo engajamento comunitário. É nesse ambiente — mais relacional e cotidiano do que ideológico — que podem emergir novas formas de engajamento com o tema ambiental, fundadas não apenas na ciência, mas também na fé e no senso de responsabilidade ética diante da criação.

Quando perguntados sobre ações ambientais em suas igrejas, muitos entrevistados mencionaram iniciativas como a distribuição de sopa para pessoas em situação de rua — práticas que, embora não estejam diretamente ligadas ao campo ambiental, revelam como a ideia de “cuidado com o meio ambiente” pode ganhar significados próprios dentro das comunidades de fé. Como observam as pesquisadoras, isso sugere que, para grande parte dos fiéis, o cuidado com a criação se expressa em gestos concretos de solidariedade e acolhimento, mesmo quando não correspondem ao que especialistas em meio ambiente esperariam encontrar.

Entre aqueles que identificam ações ambientais específicas em suas igrejas, aparecem com frequência referências à reciclagem, coleta de lixo e hortas comunitárias. A preocupação, portanto, não se concentra apenas em temas distantes, como a Amazônia ou o desmatamento, mas se manifesta em práticas cotidianas e locais — iniciativas que aproximam o discurso ambiental da realidade concreta das comunidades.

Os dados também revelam como a teologia contribui para moldar percepções sobre a crise climática. Quase metade dos entrevistados (43%) concorda totalmente — e outros 19% parcialmente — com a afirmação de que “as mudanças climáticas são reflexo do pecado do homem na Terra”. Essa formulação traduz, em linguagem religiosa, a ideia de culpa e responsabilidade moral da humanidade pelos desequilíbrios ambientais.

Mas o olhar teológico também introduz ambivalências. Quando questionados se desastres como secas e enchentes estariam relacionados à volta de Jesus, 54% concordaram total ou parcialmente. Essa sobreposição entre crença escatológica e leitura ambiental sugere que, entre parte dos fiéis, a crise climática é compreendida tanto como consequência do pecado humano quanto como sinal dos tempos — um alerta espiritual mais do que uma questão política ou científica.

Em suma, o estudo mostra que as noções de fé e meio ambiente se entrelaçam de maneiras complexas. O engajamento religioso com o tema não se dá apenas por adesão à agenda climática global, mas por uma gramática moral própria, que traduz o cuidado com a Terra em termos de pecado, redenção e solidariedade. É justamente nessa intersecção — entre ética, espiritualidade e prática comunitária — que emergem as possibilidades mais ricas de diálogo entre religião e clima no Brasil.

Mas e a bancada evangélica e as grandes lideranças desse segmento? Estariam alinhadas a essa preocupação ambiental vista na base?

Essa nunca foi uma pauta defendida ou barrada prioritariamente pela bancada evangélica. Mas hoje é uma bancada, em sua maioria, bolsonarista e de oposição ao Executivo. Nesse sentido, alia-se aos interesses da bancada do agronegócio no que diz respeito a pautas de flexibilização da legislação ambiental, anistia a desmatadores, redução da demarcação de terras indígenas e etc. Assim como também tem se aliado à bancada da segurança pública em pautas mais armamentistas e punitivistas. São as bases de uma bancada de oposição, por vezes definida como extrema-direita ou nova direita no Congresso hoje: forças da segurança pública, agronegócio e lideranças religiosas conservadoras.

As lideranças da Bancada Cristã — aqui somando evangélicos e católicos — publicamente, não têm no centro de seus posicionamentos falas negacionistas climáticas, mas tampouco prioritárias na defesa ambiental e no reconhecimento da ação humana nas mudanças climáticas. A não ser em posicionamentos, e ações concretas por meio das Igrejas, em solidariedade e pela mobilização social em casos de tragédias ambientais e climáticas, por exemplo. É a forma de se manterem conectados com suas bases eleitorais, e a vida concreta de seus fiéis, apesar de estarem apoiando flexibilizações de proteção ambiental por meio de seus mandatos legislativos.

A posição das lideranças religiosas sobre meio ambiente não é de rejeição explícita, e sim de omissão estratégica

Embora as bases evangélicas demonstrem receptividade à pauta ambiental, as grandes lideranças religiosas nacionais ainda não assumem o tema como prioridade. Como observa o sociólogo Renan William dos Santos, autor de uma tese de doutorado na USP sobre orientações cristãs para a conduta ecológica, em entrevista para a jornalista da Folha de SP Anna Virginia Balloussier: “elas se alinham com a base no sentido de que raramente você vai encontrá-las se opondo abertamente ao cuidado do meio ambiente”.

A questão, porém, não é de rejeição explícita, e sim de omissão estratégica. Santos provoca: “Afinal, se a noção de cuidar do meio ambiente é vista positivamente tanto pela massa de fiéis regulares quanto pela maioria dos pastores, por que o tema ainda é tão marginal entre os evangélicos?”.

A resposta, segundo o pesquisador, está nas alianças políticas e econômicas que estruturam o campo religioso contemporâneo no Brasil. Ele explica que “dadas as articulações que existem entre o campo religioso e o campo político no contexto brasileiro — leia-se, o estreitamento da aliança com o setor do agronegócio e outras frentes de desregulamentação governamental —, direcionar recursos institucionais necessários para alavancar a pauta nos espaços religiosos não é interessante para essas lideranças”.

Em outras palavras, o cálculo político fala mais alto. Como resume Santos, “se por um lado haveria um custo alto em contrariar a massa de fiéis com a adoção de posturas críticas à agenda ambiental, por outro, haveria um custo tão grande quanto em contrariar o interesse de aliados políticos e econômicos ao se alavancar institucionalmente iniciativas eco religiosas coletivas”.

O resultado é um equilíbrio instável: lideranças que reconhecem o valor simbólico do “cuidado com a criação”, mas que evitam transformar esse discurso em ação concreta, optando por um silêncio que preserva relações políticas e evita disputas internas.

Encontrou algum problema no site? Entre em contato.

Esta é uma matéria para assinantes premium.
Já é assinante premium? Clique aqui.

Meio Premium: conteúdo pensado para leitores influentes

Quem toma decisões – seja na vida corporativa, profissional ou pessoal – precisa estar bem informado. Assinantes do Meio Premium recebem reportagens, análises e entrevistas que esclarecem os temas mais complexos da atualidade. Os últimos avanços tecnológicos, a geopolítica mundial, a crise climática – não há assunto difícil para o Meio.

Edição de 01/11/2025
EDIÇÃO DE SÁBADO

Uma newsletter elaborada com cuidado durante a semana, sempre com temas importantes e um olhar inovador e aprofundado sobre eles. Política, comportamento, cultura, vida digital apresentados em textos agradáveis e leves para você ler com calma no fim de semana.

Edição de 29/10/2025
MEIO POLÍTICO

Às quartas, tentamos explicar o inexplicável: o xadrez político em Brasília, as grandes questões ideológicas da atualidade, as ameaças à democracia no Brasil e no mundo. Para isso, escalamos especialistas que escrevem com base em pesquisas e fatos.

assine

Já é assinante? Clique aqui.

Nossos planos

Acesso a todo o conteúdo do Meio Premium com 7 dias de garantia e cancelamento a qualquer momento.

Premium

  • News do Meio mais cedo
  • Meio Político
  • Edição de Sábado
  • Descontos nos Cursos do Meio
  • 3 dispositivos
  • Acesso ao acervo de Cursos do Meio*

Assine por R$ 15/mês

ou

De R$ 180 por R$ 150 no Plano Anual, equivalente a R$ 12,50 por mês.

Premium + Cursos

  • News do Meio mais cedo
  • Meio Político
  • Edição de Sábado
  • Descontos nos Cursos do Meio
  • 5 dispositivos
  • Acesso ao acervo de Cursos do Meio

Assine por R$ 70/mês

ou

De R$ 840 por R$ 700 no Plano Anual, equivalente a R$ 58,34 por mês.

Premium + Cursos

Para aqueles que querem aprimorar seu conhecimento, assine agora o plano Meio Premium + Cursos. Assista os cursos do acervo dos Cursos do Meio na sua TV, celular ou computador. Política, história, inteligência artificial, aprimoramento profissional. Temas importantes explicados por especialistas no assunto.

Capa do curso do Meio: IA modo de usar

Capa do curso do Meio - Ideologias brasileiras

Capa do curso do Meio: Israel e Palestina

Capa do curso do Meio: O fim da nova república?

Capa do curso do Meio: Você pode ser um liberal e não sabe

Capa do curso do Meio: Você na mídia

assine

Já é assinante? Clique aqui.

O que é o Meio

O Meio é uma plataforma de jornalismo pensada para o século 21. Acreditamos que informação de qualidade fortalece a democracia, por isso entregamos notícias e análises que ajudam você a entender o agora e decidir melhor. Seja por e-mail, vídeo ou podcast, chegamos até você da forma que mais combina com a sua rotina.

Christian Lynch

Cora Rónai

Creomar de Souza

Deborah Bizarria

Flávia Tavares

Márvio dos Anjos

Mariliz Pereira Jorge

Pedro Doria

Wilson Gomes