Com pequenas derrotas e algumas vitórias, Brasil da início à COP 30
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As furadeiras e as serras tico-tico ainda podiam ser ouvidas quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez seu discurso de abertura na Cúpula de Líderes de governo e Estado que vieram ao Brasil participar da COP30. Pelos corredores dos pavilhões por onde circulavam jornalistas, diplomatas e, volta e meia, algum ministro, operários tentavam, em vão, terminar o serviço para um evento programado há mais de um ano. Na véspera da abertura, na quarta-feira, uma típica chuva tropical caiu sobre Belém, fazendo brotar goteiras em várias partes dos pavilhões onde os líderes mundiais passaram os dois dias seguintes discutindo alternativas para salvar o planeta de uma catástrofe ambiental. Parecia a confirmação dos temores de que a COP30 em Belém seria um fracasso.
Não se pode afirmar isso, claro. Mas nesses dois primeiros dias de trabalho que antecederam a abertura oficial da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, marcada para segunda-feira, muitos dos desafios previstos nos últimos meses mostraram não ser apenas fruto do mau humor de pessimistas. As obras inacabadas pela cidade, os pavilhões ainda recheados de operários e a falta de água nos banheiros acabaram se transformando na imagem de uma cúpula esvaziada, com poucas lideranças e escasso comprometimento efetivo das nações ricas no combate à crise climática, apesar das muitas promessas de que todos estão profundamente empenhados em combater as causas do aquecimento do planeta. São pequenos detalhes que ilustram um momento do mundo em que a ideia de encontrar soluções para os problemas globais por meio de órgãos multilaterais parece mais enfraquecida do que nunca. Os desafios geopolíticos de um planeta cada vez mais polarizado também estão aqui.
Lula abriu seu discurso lembrando a Rio 92. Mas aqui em Belém, mais de 30 anos depois, pouca coisa faz lembrar daquele evento que prometia encontrar uma solução para o aquecimento global em ascensão. O Rio, de certa forma, inaugurou as discussões multilaterais sobre a crise climática em um momento que muitos diplomatas chamam de época de ouro do multilateralismo. Mais de 100 chefes de Estado foram à conferência de 1992, incluindo líderes de visões absolutamente díspares, como George Bush, presidente americano na época, e Fidel Castro, de Cuba.
Superpotências ausentes
Desta vez, a COP no Brasil não conseguiu trazer nem quatro dezenas de chefes de governo ou Estado. Pior, não vieram os presidentes das maiores potências mundiais em armas e poluição: Estados Unidos, China e Rússia. E Belém, Lula ou o Brasil não têm muito a ver com isso. Depois de três décadas de promessas, discussões, acordos e comprometimentos, pouca coisa foi feita efetivamente para reduzir as emissões de gás carbônico a partir da queima de combustíveis fósseis. O negacionismo climático passou a render votos tanto em grandes potências com tradição democrática quanto em países periféricos de tradições autoritárias. Enquanto isso, a exploração de petróleo segue em alta mundo afora, com a abertura de novos poços mesmo nos países que prometem liderar a luta contra o aquecimento global.
Um bom exemplo são Brasil e Noruega, os dois países mais empenhados em colocar de pé o que se espera ser o maior legado desta COP, o Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF, na sigla em inglês). O Brasil prometeu aportar US$ 1 bilhão para iniciar o fundo, e a Noruega outros US$ 3 bilhões. Mas, ao mesmo tempo, os dois países, que estão entre os maiores produtores de petróleo do mundo — Brasil em 6º e Noruega em 11º —, preveem investimentos muito mais vultosos na prospecção e exploração de combustíveis fósseis nos próximos anos. O Brasil vai colocar só nas pesquisas na Margem Equatorial US$ 3 bilhões até 2029, e a Noruega prevê investir em sua indústria petrolífera outros US$ 23 bilhões apenas no ano que vem. Apesar do discurso de que é preciso tempo para realizar uma transição energética que elimine os combustíveis fósseis, a contradição é bastante evidente.
Muito apoio, pouco dinheiro
Talvez por isso o Brasil encerra a Cúpula dos Líderes com muito menos países comprometidos em participar do fundo do que esperava. Apesar de mais de 50 nações terem endossado o plano e feito elogios rasgados à iniciativa brasileira, apenas quatro países, de fato, prometeram aportar recursos: Brasil, Indonésia, Noruega e França. Juntos, eles colocaram — com algumas condicionantes — um total de US$ 5,5 bilhões. Holanda e Portugal prometeram doar quantias mínimas para manutenção do fundo. Mas o Brasil esperava mais e ficou frustrado pelo fato de Reino Unidos — que descartou fazer qualquer aporte —, China, Japão e União Europeia não terem feito nenhum anúncio, ainda que futuro, de aportes. A Alemanha até ensaiou, mas na última hora afirmou que faria uma contribuição expressiva, sem citar valores. O Brasil esperava anunciar que a meta de arrecadar US$ 25 bilhões até a COP do ano que vem seria alcançada, mas preferiu reduzir as expectativas para US$ 10 bilhões.
Na entrevista coletiva que anunciou a criação do fundo, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, disseram estar muito felizes com o resultado, apesar de a expressão dos dois não demonstrar a empolgação que diziam sentir naquele momento. Responderam a duas perguntas dos jornalistas e saíram afirmando que tinham reuniões agendadas. Haddad disse que os resultados anunciados superavam todas as expectativas iniciais, mas concordou que, ao final, o processo de convencimento dos outros países é lento. “É um processo complexo, muitos países estão tomando conhecimento agora, é normal que haja um tempo de maturação”, disse ele.
Coube ao ministro do Clima e Meio Ambiente da Noruega, Andreas Bjelland Eriksen, a missão de enfrentar os jornalistas enquanto saía da sala de entrevistas, o famoso quebra-queixo no jargão da imprensa.
Ao Meio, Eriksen disse não ver contradição pelo fato de Brasil e Noruega estarem investindo pesado em petróleo ao mesmo tempo que lideram um fundo para salvar as florestas tropicais. “Não posso falar pelo Brasil, mas nós, na Noruega, temos um plano claro de zerar nossas emissões de carbono em um prazo determinado”, disse ele. Na Noruega, a indústria de petróleo e gás responde por 22% do PIB e quase 50% das exportações. O ministro acrescentou que os US$ 3 bilhões só serão liberados em um prazo de 10 anos se o fundo, de fato, conseguir o aporte de US$ 10 bilhões até o fim de 2026. Ou seja, não há nada 100% garantido.
Mas pouca gente duvida que esse valor será alcançado, especialmente após a Alemanha, a maior economia da Zona do Euro, garantir que fará uma contribuição expressiva. “E quando falamos em expressiva, significa que será expressiva”, disse aos jornalistas o chanceler alemão, Friedrich Merz. Com as contribuições da França, da Noruega, as promessas alemãs e o endosso de mais de 50 países, a criação do fundo foi uma vitória brasileira, mas não uma vitória expressiva como Lula e Haddad esperavam.
Fundo exige metas
O TFFF é um mecanismo complexo que foi pensado, estruturado e agora implementado sob a liderança do Brasil, com apoio direto do Banco Mundial. Ele prevê que os países invistam os recursos em um fundo que será remunerado com base nos títulos do Tesouro americano. A ideia é que, após remunerar os investidores, os recursos sejam distribuídos a 73 países em desenvolvimento que abrigam cerca de 1 bilhão de hectares de florestas tropicais e subtropicais úmidas. Os recursos só seriam liberados aos países que cumprissem as metas, que seriam checadas em tempo real por dados de satélite. Na previsão do Banco Mundial, para cada dólar investido por governos, seria possível arrecadar outros US$ 4 com o setor privado. Apesar da boa recepção entre os ambientalistas, houve críticas ao fato de que as florestas, como quase tudo no mundo, irão se transformar em um ativo financeiro.
Apesar das frustrações, ainda que negadas pelo governo, a implementação do fundo, de fato, será um avanço importante mesmo que ele esteja ocorrendo fora da conferência oficial. Será um marco de uma COP que comemora os dez anos do Acordo de Paris, quando também houve a promessa de que uma solução efetiva para a crise climática havia sido encontrada. É mais ou menos como está a estrutura para a COP aqui em Belém: há frustração velada, comemorações públicas e a promessa de que tudo estará pronto para a próxima semana. Muita esperança, nenhuma garantia.
Desorganização geral
Para alguns, no entanto, as esperanças se foram. Jornalistas internacionais que vieram cobrir a Cúpula de Líderes em Belém se dizem impressionados com a desorganização dos primeiros dias. Mesmo no Centro de Mídia, o local onde se concentram aqueles que dirão coisas boas ou ruins sobre o evento, a situação por muitas vezes parecia caótica. Ao fim do primeiro dia, foi-se a água dos banheiros sem dar sinais de retorno até o fim da cúpula na noite de sexta-feira. Não demorou muito para os vasos sanitários entrarem em colapso. Sem o ar-condicionado potente que faz qualquer um esquecer que está na Amazônia, logo um cheiro nauseante tomou conta dos banheiros. Lenços umedecidos se tornaram itens disputados não só entre jornalistas, mas entre delegados, organizadores e participantes desses dois dias de cúpula. Pequenos potes de álcool em gel passaram a ser colocados na porta dos sanitários como alternativa à água tão abundante na Amazônia, mas tão rara nos pavilhões.
É bem verdade que a ONU ainda não assumiu o controle da organização, o que só acontecerá na segunda-feira, quando o número de participantes pulará de algumas centenas de pessoas para dezenas de milhares. Quem já cobriu muitas conferências do clima diz que Belém, por enquanto, ainda não se provou a mais desorganizada, mas, mesmo que tudo mude, vai ficar bastante da impressão inicial. Até agora, a cidade suportou bem os desafios mais preocupantes. O trânsito não foi o caos que se esperava e, até aqui, pelo menos, não há relatos de participantes sem um quarto para dormir. Mas, segundo a própria organização da COP na sexta-feira, 27 delegações entre os cerca de 190 países que participarão do evento ainda não tinham suas acomodações confirmadas.
Os preços abusivos, outra preocupação, não eram fáceis de serem notados na cidade, que segue com o esgoto correndo nas sarjetas de ruas a poucos quilômetros de onde ocorrerá a COP. Alimentação, transporte e lazer, dizem os belenenses, não mudaram muito na cidade. Os abusos nos preços, ao que parece, estão concentrados exatamente dentro dos pavilhões que receberão a conferência e onde ocorreu a cúpula. Aqui, um salgadinho simples, como uma coxinha, não sai por menos de R$ 30, enquanto uma lata de refrigerante custa R$ 25. A organização tem distribuído água, mas em temperatura ambiente, o que em Belém significa quente, basicamente. Para se refrescar com água gelada, os participantes do evento precisam desembolsar outros R$ 20 por uma latinha de 300 ml.
A Cúpula dos Líderes terminou com o presidente Lula fazendo quase um mea-culpa ao anunciar que o Brasil vai criar um fundo com recursos da exploração do petróleo para financiar a transição energética no país. O anúncio foi feito em um discurso para representantes de mais de 100 países. Sempre ao som das furadeiras e serras tico-tico.

























