Trump, tarifas, chantagem e a erosão da democracia

Poucos episódios recentes ilustram tão claramente a transformação de um país democrático em um laboratório de práticas autocráticas quanto a nova tarifa de 50% que Donald Trump promete impor ao Brasil. Mais do que uma medida de política comercial, trata-se de um ato que reúne todos os elementos característicos de uma postura de governo autoritária: arbitrariedade, personalismo extremo, ausência de qualquer supervisão legislativa, inexistência de justificativa econômica consistente e um tom imperial que exclui protocolos mínimos de respeito entre Estados soberanos.
A má compreensão do retrocesso democrático

Os casos de retrocesso democrático têm se multiplicado em todo o mundo nos últimos anos, provocando uma busca incansável por explicações. Uma das ideias mais comuns é a de que a culpa é das democracias que não cumprem suas obrigações: quando não proporcionam aos seus cidadãos benefícios socioeconômicos, muitos desses cidadãos abraçam figuras antidemocráticas que, uma vez eleitas, minarão as normas e instituições democráticas. Dessa ideia decorre a conclusão política de que, para impedir o retrocesso democrático, os formuladores de políticas e os provedores de ajuda internacional devem ajudar as democracias novas ou em dificuldades a melhorar a oferta de bens públicos aos seus cidadãos, como empregos, salários mais altos, segurança alimentar ou acesso à educação.
A esquerda, a direita e o futuro do Brasil

Este é um país dividido. Longe de ser uma reflexão suficientemente esclarecedora da realidade que nos cerca, tal assertiva se apresenta muito mais como um mantra que, repetido exaustivamente, tenta dar conta dos dilemas e mazelas que caracterizam esta era de incertezas. Todavia, no esforço de destrinchar a afirmativa inicial e contribuir para o debate público e o esclarecimento do leitor, me permito construir algumas ilações que possibilitam avançar nesta compreensão.
Populismo reacionário em 3D

O populismo autoritário de direita, que atravessa as democracias ocidentais desde a última década, permanece como a principal reação política às disfunções e assimetrias produzidas pela globalização. Embora apresente traços comuns em diferentes contextos, está longe de ser um fenômeno homogêneo. Para compreender sua lógica e suas dinâmicas, é necessário observá-lo em três dimensões simultâneas: a clivagem centro-periferia, a diferença estrutural entre Velho e Novo Mundo e as condições políticas e institucionais específicas de cada país.
O paradoxo dos democratas intolerantes

Caro leitor, sugiro que você faça um experimento social de natureza política. É simples, e o resultado será muito educativo. Se o seu interlocutor for conservador, diga que você não acha que deva ser banido aquele vídeo do Porta dos Fundos em que Jesus é retratado como um homem gay, nem que Porchat e Duvivier devam ir para a cadeia por vilipêndio religioso, embora compreenda que muitos cristãos tenham se sentido ofendidos por essa caracterização de Cristo. Em nome da liberdade artística, alguns sapos precisam ser engolidos. Se o interlocutor for progressista, manifeste seu dissenso com a condenação de Leo Lins por contar piadas debochando de minorias e grupos vulneráveis, embora considere razoável esperar que muita gente pense que o comediante ofende minorias, ajuda a perpetuar preconceitos e até cometa crime de racismo – ainda mais do tipo “recreativo”. Mais um sapo que o pluralismo nos ensina a engolir.
Desempenho democrático importa

Nas duas últimas décadas, uma onda de retrocesso democrático atingiu todos os cantos do planeta, colocando em questão a ascensão da democracia. Entre os casos mais conhecidos atualmente estão a Hungria de Viktor Orban, a Turquia de Recep Tayyip Erdogan e El Salvador sob Nayib Bukele, além do Brasil e das Filipinas durante as presidências de Jair Bolsonaro e Rodrigo Duterte, respectivamente. Acadêmicos e formuladores de políticas têm buscado compreender as causas desse fenômeno e como defender a democracia contra ele.
Marina Silva não está sozinha

Marina Silva está sozinha. Desde a violenta e constrangedora sessão da Comissão de Infraestrutura do Senado, há uma semana, essa é uma tese repetida com incômoda frequência: jogada aos leões da misoginia explícita, a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima não teria recebido o devido apoio da bancada governista na Casa, ausente ou inerte diante da artilharia pesada que ela enfrentou, especialmente dos senadores Plínio Valério (PSDB-AM), Omar Aziz (PSD-AM) e Marcos Rogério (PL-RO). Marina também não teria contado com o apoio dos articuladores políticos do governo, abrigados na Casa Civil e na Secretaria de Relações Institucionais, que dias antes haviam liberado os partidos da base de sustentação para votar como bem entendessem o projeto de lei que desmonta todo o arcabouço de licenciamento ambiental do Brasil – oficialmente o PT defendeu a rejeição ao chamado PL do Licenciamento, mas a ministra ficou falando sozinha contra o projeto, definido por ela como a “boiada das boiadas” ao passar por cima de mais de 30 anos de legislação ambiental brasileira.
A democracia paralítica

A democracia liberal, tal como concebida no século 20, atravessa uma fase avançada de obsolescência. Em praticamente todas as democracias do mundo, sua paralisia não decorre de um golpe explícito, mas de um esvaziamento progressivo de sua capacidade de agir. A engrenagem institucional, outrora celebrada por sua prudência e respeito aos freios e contrapesos, hoje se revela disfuncional diante de um tempo acelerado. O mundo digital exige decisões rápidas, fluxos contínuos de informação e adaptação permanente. A democracia, contudo, permanece ancorada em rotinas deliberativas lentas, herdadas da era analógica e da burocracia de papel. Sua crise é, antes de tudo, uma crise de temporalidade.
Recua, fascista, recua! A universidade e a intolerância com virtude

O paradoxo antipoperiano da tolerância universitária é que supostamente em nome da democracia, muitos estão dispostos a suspender os princípios democráticos... dos outros.
O crime organizado e a Amazônia

Tudo parece ter começado com uma ideia equivocada, “Integrar para não Entregar”. Na lógica da ditadura que a promovia, nada estava lá. Além do inimigo imaginário – o que iria tomar nossas riquezas –, havia apenas um vazio de gente e um excesso de florestas e rios. Ocupar a região Amazônica era uma prioridade geopolítica para o regime. A solução viria na forma de construção de rodovias, empreendimentos agropecuários, benefícios fiscais, mineração e grandes barragens.