Meio Político

Deltan, a nova vítima da Lava Jato

Toda análise a quente é imprecisa. Não tem jeito. Os acontecimentos ainda estão em curso, não estão claros todos os impactos. Mas a natureza jornalística exige que a gente procure significado no que acaba de acontecer. O artigo desta quarta para o Meio Político era para tratar doutro assunto. Só que foi cassado o mandato de Deltan Dallagnol e assim tem início a já esperada ofensiva do Tribunal Superior Eleitoral contra o bolsonarismo. E não é só. Ao cassar Deltan, o TSE apresentou também uma interpretação rara da Lei da Ficha Limpa. Os juízes podem fazer isso, mas não há como fugir de um fato: parece que se escolheu uma leitura muito pouco usual especificamente para tirar o mandato de um deputado particular.

E precisamos todos rejuvenescer

Pairava um cheiro gaúcho de churrasco no ar, e não à toa. Estávamos no El Quincho de Varela, restaurante de Sergio Varela, amigo e vizinho de José Pepe Mujica no bairro rural de Rincón del Cerro, a cerca de 20 quilômetros do centro de Montevidéu. Garfos e facas já se cruzavam sobre pratos usados, uma pet de Coca tombava vazia sobre a mesa e uma salada de tomates parecia intocada. Mujica estava sentado de costas para a porta. Viam-se seus calcanhares nas indefectíveis botinas de couro empoeiradas de terra. Lucía Topolansky, a esposa, ocupava a cabeceira e entrelaçava as mãos nos bolsos de um discreto moletom cinza.

A Constituição e as redes sociais

O Brasil é uma democracia liberal.

A era da antiverdade

Pouco mais de dois anos atrás, no dia 13 de abril de 2021, o presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), lia o requerimento de criação da CPMI da Pandemia. Fazia três meses que o Brasil começara a vacinar sua população, apesar dos esforços contrários do governo de Jair Bolsonaro. Ainda com alto grau de isolamento social e de estupefação pelo negacionismo científico da extrema direita, os brasileiros se acomodaram diante de suas múltiplas telas para assistir, atônitos, à brutal exposição do quanto o bolsonarismo estava disposto a mentir e distorcer dados concretos e estudos acadêmicos para justificar sua incompetência e má-fé. As redes sociais eram as câmaras de ressonância. Da evocação da ex-atriz pornô pesquisadora de cloroquina (meme que virou notícia falsa que virou piada global) aos depoimentos devastadores de pessoas que perderam familiares para o vírus, passando pela prisão de quem mentia flagrantemente, a CPI da Covid, nome que pegou na imprensa e nas redes, produziu muito barulho e, até aqui, poucos resultados práticos. Mas ofereceu conhecimento empírico, em tempo real, da pós-verdade enquanto estratégia política.

Nos EUA ou aqui, o golpismo não pode ser tolerado

No dia em que o Supremo Tribunal Federal começou a julgar se tornará réus cem acusados pelo ataque aos Três Poderes em 8 de janeiro, nos EUA a Fox News levou uma surra noutra corte. Dois anos separam as duas invasões. A de 6 de janeiro, em 2021 ao Capitólio americano, a do dia 8 em 2023, cá no Brasil. Apesar do aparente incômodo que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem demonstrado a respeito dos EUA, os dois países vivem crises incrivelmente similares. Observar o que acontece lá, analisar, é fundamental para compreender os caminhos por seguir aqui.

Um governo de mão dupla

O professor e pesquisador Fernando Abrucio dedica-se a estudar e ensinar políticas públicas, federalismo e reformas educacionais. Três eixos fundamentais do processo de reconstrução por que passa o Brasil. Por isso, instado a avaliar os primeiros 100 dias do novo governo de Luiz Inácio Lula da Silva, Abrucio opta por, inicialmente, desenhar o cenário de devastação encontrado por Lula. Coordenador do Centro de Estudos de Administração Pública e Governo da Fundação Getulio Vargas (FGVceapg), o professor pontua que a gestão se ocupou, logo de saída, em se recuperar da tentativa de um golpe de Estado, fase ainda não concluída. E que a mudança mais evidente até aqui foi a das agendas — principalmente, as sociais, como a da educação, mas também a econômica, focada agora no médio e longo prazos.

O ‘incondicionalismo’ como método de escolha

O direito de nomear magistrados é uma prerrogativa tradicional dos reis, mesmo constitucionais. Na Constituição do Império (1824), cabia ao imperador nomear magistrados. A composição do Supremo Tribunal se fazia pelos desembargadores mais antigos dos Tribunais de Justiça (art. 163). Na República, quando o Supremo adquiriu a condição de guardião da Constituição, adotou-se na Constituição de 1891 um critério político. O presidente indicaria o nome, devendo o Senado verificar se o candidato dispunha de notório saber jurídico e reputação ilibada (art. 48 XII e 56). A fórmula, quase sem alteração, foi consagrada na Constituição de 1988 (84 XIV e 101).

O Brasil refém de Arthur Lira

O maior imbróglio em Brasília nestas semanas não está na pauta de costumes. Ou de economia. Sequer nas recorrentes denúncias de corrupção. Claro, tudo isso está lá, salpicando o noticiário ou mexendo com o mercado. Mas o impasse que pode parar a República desta vez é, essencialmente, político. É nas relações entre as casas legislativas e os poderes, principalmente entre o Executivo e o Legislativo.

Lula não tem dinheiro para ser Lula

O Planalto tem um problema: a conta não fecha. Todas as crises grandes e pequenas até aqui, todos os debates, atritos, tudo circula em torno deste mesmo ponto. Nas primeiras duas vezes em que Lula foi presidente, a conta fechava. Agora, não. “O PT tem um jeito próprio de governar”, me explicou esta semana alguém com os ouvidos sempre atentos e acesso diário a algumas das principais salas do palácio. “O PT governa fazendo obras e programas sociais.” Tanto no embate com o presidente da Câmara, Arthur Lira, quanto no conflito em torno do novo arcabouço fiscal, o problema é o mesmo. A conta dá pouco espaço para Lula ser Lula.

O lulismo na era da polarização

Faz bem menos de cem dias que o Brasil se livrou do pesadelo do controle bolsonarista sobre o aparato estatal. O complemento nominal é importante, porque não se pode dizer que o Brasil esteja livre do pesadelo bolsonarista enquanto tal — apenas nos livramos do cenário distópico em que ele controlava o aparato de Estado. Como se viu em Brasília em 8 de janeiro, o bolsonarismo continua capaz de causar considerável dano à pólis.