Meio Político

A resiliência do sistema

Maria Hermínia Tavares de Almeida acredita no sistema. Na sua capacidade de resistir a extremos, de se reacomodar. Se nosso Congresso não é um ideal nórdico de parcimônia e espírito público, bem, é o que temos e o que foi eleito democraticamente. Não há de se ficar imaginando um outro arranjo que não o da negociação política com ele. A cientista política, professora aposentada da Universidade de São Paulo (USP) e pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, o Cebrap, é pragmática ao analisar o Centrão e seus principais atores: não vê em Arthur Lira, presidente da Câmara e líder do segmento, nada de mais ideológico do que nos que o antecederam.

Dança das cadeiras

O Brasil se interiorizou nos últimos 12 anos. De acordo com os primeiros resultados do Censo 2022, divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o crescimento da população brasileira, abaixo do previsto, foi maior no interior do que nas capitais: mais de 66% dos novos habitantes estão fora dos grandes centros urbanos. E, entre as regiões, a que teve maior aumento populacional foi o Centro-Oeste, que cresceu a 1,23% ao ano, mais do que o dobro da taxa média do país, de 0,52%. Em seguida, vieram Norte e Sul. Tudo isso pode, num primeiro momento, parecer uma numeralha sem efeitos políticos. Mas, além de guiar o que há de mais elementar na formulação de políticas públicas, o Censo apresenta um retrato demográfico do Brasil e coloca em questão a própria representatividade do povo brasileiro. Se o Centro-Oeste tem mais gente hoje, deveria ter também mais deputados na Câmara?

Economia, a bola da vez

A inflação caiu. A reforma tributária passou na Câmara. A população começou a sentir melhora na condição de vida e avaliar positivamente a condução do governo Lula no campo econômico. Até o mercado financeiro, fielmente avesso a governos à esquerda, já está mais aberto: a avaliação de que a política econômica está na direção certa subiu de 10% para 47% dos operadores. Para uma gestão que veio de uma vitória apertada, em boa parte porque o concorrente se inflou artificialmente justamente com medidas econômicas, e precisava de resultados rápidos, os primeiros seis meses de governo Lula podem ser considerados de grande sucesso. E o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, deve herdar esse espólio, especialmente no que diz respeito à reforma tributária. “Mesmo para quem tem afinidade com Paulo Guedes, o governo Bolsonaro era um governo sem agenda, ou com uma agenda de desmantelamento institucional e de proteção dele e de sua família. Isso faz muita diferença”, diz Daniela Campello, professora de ciência política e relações internacionais da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getulio Vargas (FGV Ebape).

Bolsonaro inelegível: as direitas se reposicionam

A política vive essencialmente da expectativa de poder. No Estado moderno, esse recurso está identificado com a ocupação de cargos disponíveis em sua estrutura. Nas democracias, sua ocupação depende do êxito dos postulantes em competições periódicas, nas quais disputam a preferência do eleitorado. Para ter êxito, os candidatos precisam de partido, de um arco de alianças e de financiamento. Precisam também estabelecer sua condição de oposicionistas ou situacionistas, a fim de ocupar um lugar definido no espectro ideológico.

O censo de um país deprimido e dividido

No fim de dezembro do ano passado, Jair Bolsonaro ainda presidente, o IBGE publicou números prévios do censo demográfico. Os técnicos calculavam que o Brasil teria algo próximo de 208 milhões de habitantes. Apenas um ano antes, sem quaisquer pistas do que o censo diria, o instituto projetava mais de 213 milhões. Há pouco, quando os números do censo foram enfim tornados públicos, a primeira revelação diz muito sobre os últimos dez anos do Brasil. Somos 203.062.512 brasileiros em princípios de 2023, quase dez milhões menos do que apontava o ritmo de crescimento projetado.

A política e a máquina

A real politik parece ter atropelado, sem qualquer constrição, a noção de política pública. Discute-se, já há algum tempo, troca em ministérios e distribuição de cargos com pouca ou nenhuma consideração pelos feitos de determinado ministro ou currículo do contemplado com a direção de um órgão. E, por mais que tenha se naturalizado que a partilha de poder é parte do funcionamento de um governo de coalizão, o incômodo é inevitável. Porque mais frequentemente do que o desejável ela se sobrepõe a qualquer outra discussão — passando pela gestão da máquina e pela estratégia nas decisões.

Berlusconi e a calibragem do combate à corrupção

Em maio de 2001, a coalizão Casa delle Libertà recebeu pouco mais de 45% dos votos italianos. Seu líder, o já primeiro-ministro Silvio Berlusconi, foi realçado à Câmara dos Deputados por mais de metade dos eleitores do distrito de Milão. Era uma vitória formidável para o premiê. Os dois partidos que haviam dominado a política do pós-guerra estavam dilacerados em definitivo. A Democrazia Cristiana de Aldo Moro mudara de nome em 1994 para tentar sobreviver, depois se separou em siglas distintas, e aparecia lá diluída e já sem personalidade no grupo de apoio do novo premiê. Seu principal rival em quase toda a segunda metade do século 20, o Partido Comunista fundado por Antonio Gramsci, que havia se tornado Partido Democratico della Sinistra após a queda do Muro de Berlim, terminara igualmente diluído no grupo de oposição, espalhado também por muitas siglas sem personalidade definida. Mas não foi Berlusconi quem espatifou por completo o sistema partidário italiano. Foi a Operação Mãos Limpas, contra uma corrupção endêmica, extensa e entranhada na política do país.

O sentido e os resíduos de 2013

Regimes se baseiam em instituições políticas, cujo desenho básico se acha normativamente descrito em leis e Constituições. Tais instituições são ocupadas por agentes políticos, encarregados de modificá-las, interpretá-las e reinterpretá-las conforme as tradições, mas também as circunstâncias. A capacidade de sobrevivência de um regime depende de sua legitimidade. A legitimidade de um regime democrático, por sua vez, depende de sua capacidade de transmitir ao povo soberano a sensação de exercer o poder por seus representantes. Na prática, a famosa “vontade geral” se divide conforme as ideologias presentes na sociedade, elas mesmas sujeitas a maior ou menor expansão, conforme as configurações de cada época. A sobrevivência de um regime, por fim, reside na capacidade que têm os agentes políticos de adaptar o jogo das instituições à natureza movediça dessa sociedade, de modo que o povo não perca a sensação de estar representado.

O STF e a chance de um salto civilizatório

A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Rosa Weber, pautou para amanhã, 1º de junho, a retomada do julgamento que pode descriminalizar o porte de drogas no Brasil. Essencialmente, o que está em jogo no julgamento é o artigo 28 da Lei de Drogas, dispositivo que criminaliza o usuário de drogas — ou seja, a pessoa que compra, guarda, mantém em depósito ou porta drogas para consumo próprio. Quem defende a descriminalização do porte de drogas afirma que o artigo 28 contraria a Constituição Federal por criminalizar atitudes que dizem respeito à vida privada. E mais: tende a punir em excesso um tipo específico de cidadão.

Lula e o lugar do Brasil no mundo

Reconstruir a reputação do Brasil na política externa depois de um governo que deliberadamente tornou o país um pária internacional é um dos propósitos de Luiz Inácio Lula da Silva em seu terceiro mandato. Ele nunca escondeu isso. E, num cenário de oposição histriônica e enormes dificuldades na política interna, é no campo das relações internacionais que Lula pode ousar, exercitar alguma liberdade de ação. O cientista político Guilherme Casarões, professor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV-EAESP), avalia que, nesses primeiros cinco meses de governo, o presidente tem mais acertado do que errado. Feitos alguns ajustes de por quais lentes enxergar a nova correlação de forças entre as potências China e Estados Unidos, e levando-se em conta que Lula é um homem da velha esquerda latino-americana, o Brasil tem retomado suas posições clássicas na diplomacia e reconquistado relevância no debate.