Meio Político

A Constituição e os ressentimentos dos Poderes

Nesta quinta-feira, a Constituição de 1988 urdida por Ulysses Guimarães soprará 35 velinhas. Trata-se de um feito, já que apenas duas constituições na história brasileira foram mais longevas: a do Império, que durou 65 anos; e a da Primeira República, que resistiu a 39. Todas as outras duraram menos: a de 1934, 3 anos; e a de 1946, 21 (as constituições autoritárias de 1937 e 1967 não contam). Tudo pesado, creio não ser excesso declarar que a Constituição de 1988 seja a definitiva do Brasil. Definitiva à maneira do verso de Vinicius: enquanto a democracia durar...

A reacomodação dos partidos

Eles estão lá na rabeira quando se mede a confiança da população nas instituições. Os partidos políticos aparecem até depois do Congresso, onde sua atuação se manifesta mais concretamente. A cada nova crise, as legendas se mobilizam para aprovar uma “minirreforma”, que possa diminuir essa insatisfação do eleitorado. Mas os partidos estão longe de ser as organizações que a sociedade idealiza. Ao não conseguir cumprir o que eles próprios determinaram, buscam um auto-perdão. Esse é o ciclo refletido na PEC da Anistia, que une todo o espectro político na proposta de se perdoarem multas por não cumprimento de cotas para mulheres e negros nas candidaturas de 2022. Fernando Guarnieri, professor de Ciência Política do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP) da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), descreve essa dinâmica e como ela aumenta a tensão entre os partidos e a Justiça Eleitoral, que também tem uma visão idealizada do que os partidos deveriam ser. “O imperativo mais pragmático dos partidos acaba entrando em atrito com a concepção de partido ideal que a Justiça Eleitoral tem”, explica.

Desejo de reparação

O Supremo Tribunal Federal (STF) retoma hoje o julgamento do marco temporal da demarcação das terras indígenas. O placar está 4 a 2 contra a tese jurídica do marco temporal. Num breve e simplificado resumo, no julgamento de 2009 sobre a demarcação da reserva Raposa Serra do Sol, em Roraima, assentou-se no Supremo que um dos critérios para definir se determinado território deve ser devolvido a um povo indígena era se esse povo ocupava tal território ou o disputava na data da promulgação da Constituição, dia 5 de outubro de 1988.

Entre Deus e as urnas

Quando começava o segundo semestre, em 2021, o ministro Luís Roberto Barroso recebeu em seu gabinete o embaixador de Taiwan no Brasil, Tsung-che Chang. Barroso estava ansioso e o embaixador não faria muito para tranquiliza-lo. “Para minha surpresa”, ele lembra, “era um diplomata mórmon que a cada frase repetia ‘Deus há de prover’.” Quanto mais o ministro explicava a situação, por mais que entrasse em detalhes, que descrevesse o problema, a resposta era a mesma. “Deus há de prover.” Ao se despedir, Barroso arriscou. “Mas, além de Deus, alguém mais pode ajudar?”

Lula III, um governo de ‘restauração’

Foi em 2017 que publiquei um artigo na revista Insight Inteligência, comparando pela primeira vez a instabilidade política desencadeada pelas jornadas de 2013 e, depois, pela Lava Jato, a uma espécie de revolução branca, que denominei então “judiciarista”. O artigo acusava a existência na origem de uma crise de legitimidade do poder, decorrente do desgaste do modelo de governabilidade vigente, no qual o presidencialismo de coalizão autorizava a comprar maiorias congressuais independentemente da ideologia. O artigo também fazia paralelos com a revolução francesa: depois do início confuso das jornadas de 2013, viera uma fase radical ou jacobina, com a deposição do governante símbolo do “Antigo Regime” — o impeachment de Dilma fazendo as vezes da execução de Luís XVI na guilhotina. Eu fazia uma comparação do governo Temer ao período do Diretório ou do Termidor: época em que uma oligarquia moderada e corrupta tentara infrutiferamente “esfriar” a revolução, sendo atacada pelos radicais jacobinos e pelos reacionários saudosos do Antigo Regime. Um ano antes da eleição de Bolsonaro, o artigo terminava com uma advertência: a exasperação e o cansaço da população levaria a um desejo geral de encerrar a revolução e restabelecer a ordem pelo recurso à ditadura de autocrata carismático. Um Bonaparte. Depois, publiquei outro artigo, em que fazia uma sátira de Bolsonaro como “o falso Bonaparte”. Hoje, gostaria de retomar as analogias com a revolução francesa para pensar o momento em que vivemos.

O poder do Supremo

Eles podem fazer isso?”, “Quem são essas pessoas?”, “Por que tanta exposição?”. Essas perguntas intitulam alguns dos capítulos de O Supremo Entre o Direito e a Política, de Diego Werneck Arguelhes. Professor de Direito Constitucional do Insper, Arguelhes responde essas e outras questões sobre a atuação da Corte e de seus ministros.

É hora de os civis terem coragem

“A República deve ser agraciada com silêncio dos militares.” Essa é a conclusão de alguém que, por ofício, ouve o que os militares dizem e pensam. Francisco Carlos Teixeira da Silva é historiador. Por mais de 15 anos, tentou ensinar a novatos e veteranos a verdadeira história do Brasil. Encontrou a resistência de uma corporação que tem sua própria versão da história, que lhes atribui a missão de fundar a nação e protegê-la de inimigos, inclusive imaginários, internos. Tudo pelo filtro de uma elite conservadora, agrária e patrimonialista. Chico, como pede para ser chamado, foi assessor do Ministério da Defesa no segundo governo Dilma. Chegou a fazer uma proposta de reforma do ensino militar, discutida, em partes, com Darcy Ribeiro, com quem trabalhou. No currículo, haveria leitura obrigatória de 10 livros da literatura sobre a realidade brasileira, de Érico Veríssimo a José Lins do Rego, passando por Machado de Assis e Graciliano Ramos. “Não dá para formar oficiais que sejam bons funcionários públicos e guerreiros só com matemática binária”, ele acredita. Mas Chico encontrou uma oposição arrasadora — dentro da estrutura militar, mas também entre civis.

O Níger, a Rússia, a Argentina, o Brasil

Enquanto ainda circulavam pelas redes sociais piadas com a ideia de que Yevgeny Prigozhin surgiria morto num suicídio forjado, o líder do grupo mercenário Wagner reapareceu nas mesmas redes. Não estava no exílio anunciado de Belarus, tampouco havia fugido para algum canto obscuro do mundo. Pelo contrário. Vestindo jeans, camisa polo branca enfiada na calça e cinto de couro preto, Prigozhin apareceu sorridente num hotel cinco estrelas de São Petersburgo, a segunda capital da Rússia, cumprimentando um diplomata africano. Prigozhin estava lá, com toda saúde, numa foto publicada por seu lugar-tenente para os negócios subsaarianos, Dmitri Sytyi, em sua conta pessoal do Facebook. Como se fosse um instantâneo de família, um flagrante entre amigos. Horas depois, apareceu mais uma vez, conversando com um jornalista. Também africano. No mesmo hotel. Desta vez, foi no canal de Telegram do Grupo Wagner. Vladimir Putin, o presidente russo, se reunia com outros diplomatas a poucos quilômetros dali — São Petersburgo estava recebendo chefes de Estado e agentes de governo africanos para uma reunião de cúpula. E Prigozhin, exato um mês depois de ter liderado um motim que levou tanques de guerra a poucos quilômetros de Moscou, circulava candidamente pela mesma cidade. Intocado. Fazendo política.

O ‘sudestinismo’ de Romeu Zema

A entrevista concedida pelo governador de Minas Gerais, Romeu Zema, ao jornal O Estado de S. Paulo causou polêmica ao questionar as políticas federais de redistribuição de renda por região. Chegara a hora de cessar o protagonismo político do Nordeste, que lhe garantiria aqueles privilégios. Esta seria uma das missões do Consórcio Sul-Sudeste, cujos governadores estariam inconformados com o percentual baixíssimo de retorno dos impostos pagos por seus estados ao governo federal. “Se não você vai cair naquela história, do produtor rural que começa só a dar um tratamento bom para as vaquinhas que produzem pouco e deixa de lado as que estão produzindo muito. Daqui a pouco as que produzem muito vão começar a reclamar o mesmo tratamento. É preciso tratar a todos da mesma forma”, disse Zema.

Pochmann e o futuro de Simone

Na semana passada, o governo anunciou que Marcio Pochmann será o novo presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A notícia caiu como uma bomba. O economista é altamente controverso; a decisão foi tomada à revelia da ministra do Planejamento, Simone Tebet, à qual o IBGE se subordina; o instituto é órgão chave para o governo e para o Brasil em geral; a escolha é uma sinalização de para onde vai o governo.