Meio Político

Palavras importam

É possível que a palavra ideologia nunca tenha sido tão usada no Brasil quanto nos últimos dez anos. Mas você conhece sua origem, evolução, ou mesmo sua definição mais básica? Ou acha que um jovem do Ensino Médio seria capaz de explicá-la?

Lula e o judiciarismo de coalizão

A cada vez que se indica ou se pretende indicar um ministro do Supremo Tribunal Federal, repete-se o monótono ritual da opinião pública de avaliar se os eventuais candidatos preenchem o critério de notório saber estabelecido desde a Constituição de 1891. Sim, embora as duas constituições tenham quase um século de distância, o requisito foi repetido sempre nos mesmos termos. Há um século era mais fácil verificar sua presença ou ausência. O Brasil tinha 14 milhões de habitantes. Os bacharéis em direito saíam de apenas duas faculdades, a de São Paulo e do Recife. Todo mundo se conhecia. O positivismo jurídico da época supunha uma distinção mais clara entre direito e política como exercício de atividades diferentes, aquele vinculado à lei, este discricionário. Mas eram as mesmas pessoas que exerciam o direito e o poder. Quase todos os políticos eram bacharéis.

A salvação da democracia

Uma boa parte do mundo ocidental assistia com assombro. A democracia sólida, rica e da trinca das mais antigas do planeta estava escolhendo eleger um candidato que não se constrangia em ameaçar vilipendiá-la. A campanha já havia sido um espetáculo grotesco de ataques retóricos às bases democráticas dos Estados Unidos. Empossado, Donald J. Trump iniciou um processo bem mais tangível de erosão das instituições — e da crença nelas. O que pareciam métodos próprios de países com pilares democráticos mais instáveis estava sendo empreendido na nação que se gabava de espalhar democracia pela metade menos civilizada do globo. E tudo televisionado ao vivo, em cores e com uma torcida fiel. Em 2018, dois anos depois da eleição de Trump, os cientistas políticos Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, professores de Harvard, codificaram esses métodos. Publicaram o já clássico Como as Democracias Morrem — e decretaram que não só elas perecem como são vítimas de autocratas que se utilizam da própria democracia como arma. Essa boa parte do mundo ocidental seguiu estarrecida, mas compreendeu que frear essa epidemia letal envolvia, entre outras coisas, impedir, pelo voto, um segundo mandato dos autocratas potenciais.

A nada discreta ‘magistocracia’ brasileira

Há mais de uma década, Conrado Hübner Mendes, professor de direito constitucional da USP e doutor em direito e ciência política, examina, em crônicas e artigos, o sistema de Justiça brasileiro. Conforme esquadrinhava o comportamento dos protagonistas dessa área, fossem juízes ou promotores, foi detectando alguns padrões que, embora semelhantes aos de outras elites profissionais, tinham mecanismos e interesses próprios. Era necessária uma nova palavra que os descrevesse. Hábil com os vocábulos, criou um novo: magistocracia.

O TikTok é uma máquina de propaganda chinesa?

O TikTok é usado pelo governo chinês como arma de propaganda? Como a afirmação frequentemente vem da direita radical do Ocidente, de cara parece paranoia. Pura busca de conspiração. Mas rechaçar de cara a hipótese pode ser um erro. Na virada para o tempo digital, países como China e Rússia tomaram a decisão estratégica de se engajar fortemente em propaganda ideológica voltada para fora. Há orçamentos oficiais, produtos conhecidos — mas também ações escamoteadas. Ao mesmo tempo, enquanto vivem suas crises, democracias escolheram não se defender. Estão fora de qualquer iniciativa de conquistar ouvidos atentos para as bases de seu regime.

‘O debate plural morreu’

A máxima de que guerras matam a verdade é incontestável e gasta ao ponto de se tornar um daqueles clichês inescapáveis sempre que se conflagra um novo conflito. Mas há uma outra vítima imaterial na trágica guerra entre Israel e Hamas e que já vinha moribunda há pelo menos uma década: a pluralidade. A adesão automática a um dos lados do confronto é o esperado de cada um. Se você é da esquerda, é pró-Palestina — e qualquer questionamento ao terrorismo do Hamas pode lhe custar popularidade e aceitação pelos pares ideológicos. Na direita, o apoio a Israel também é exigido incondicionalmente. E a lógica do engajamento, um tanto narcísica e ampliada pelos mecanismos das redes sociais, leva o sujeito a se entregar a essa visão de verdade única e impermeável.

Uma necessária dose de ousadia

Há cerca de oito semanas, chamei aqui a atenção para o fato de que Lula III se apresenta como um governo de “restauração”. Claro que, por essa expressão, deve se entender a restauração de um governo normal, democrático, comprometido com a observância dos princípios da Constituição e seus objetivos: construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

‘Não vale a pena pagar para ver’, diz Levitsky sobre Milei

Steven Levitsky é um cientista político com duas especialidades: a de autopsiar democracias e a de dissecar as instituições políticas da América Latina. Imagine, então, a acuidade do microscópio com que o coautor de Como as Democracias Morrem acompanhou as eleições do último domingo na Argentina, um dos países sobre o qual se especializou, em que o radical Javier Milei despontava como favorito. Seu oponente peronista, Sergio Massa, acabou levando a disputa para o segundo turno. Mas, para Levitsky, Milei segue sendo uma enorme ameaça. Mais que isso. Ele enxerga na sua candidata a vice, Victoria Villarroel, uma negacionista das atrocidades da ditadura, um perigo ainda maior. “Ela é capaz de romper algo que a Argentina conquistou e que é o que mais me emociona neste país, a ideia do ‘Nunca Más’”, diz Levitsky ao Meio.

O teatro político das CPIs

Os efeitos que uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) no Congresso Nacional pode ter dependem, fundamentalmente, da disposição dos parlamentares em levar a cabo o que ali se apurou e de algum consenso em torno de seu produto. E, numa comissão como a do 8 de Janeiro, que nasce mais do desejo de se engajar em redes sociais do que de analisar fatos, esse resultado ainda está para ser testado. É o que analisa o cientista político Creomar de Souza, fundador da Dharma Political Risk and Strategy. “Mas o simples fato de se conseguir apresentar um relatório é um marcador de que há uma correlação de forças pendente mais a favor dos interesses do governo do que da oposição.” Não foi o caso da CPI do MST, por exemplo, que acabou sem um texto final.

O Pogrom do Hamas

No sábado aconteceu o maior atentado à vida de judeus indefesos desde a Segunda Guerra Mundial.

Sem assimilarmos esta frase, esta informação, a percepção do tamanho do que houve, não é possível sequer começar a compreender o impacto do que foi o 7 de outubro de 2023 em Israel. Porque há, simultaneamente, duas dimensões no ataque do Hamas.

Uma é de um ataque político com o objetivo de impedir a solução de paz pelo caminho da formação de dois países, um Israel, outro a Palestina. Esta negociação, no momento, sequer está na mesa. Mas retornar às conversas de 2000 em Camp David, quando Bill Clinton, Ehud Barak e Yasser Arafat se sentaram juntos e saíram sem acordo ajuda muito a compreender por que o Hamas escolheu agir neste momento. Pelo lado político.