Patriotismo reacionário não é nacionalismo

Na longa duração, nota-se uma tendência irreversível à integração pela mundialização e à democratização das relações entre países e no interior de cada um — formas políticas cada vez mais livres e igualitárias. À ordem de impérios e colônias sucederam os Estados-nação; às autocracias, as democracias liberais. O processo, porém, não é linear. Alterna fases de expansão — globalização, animada por ideologias cosmopolitas e idealistas — e de retração — desglobalização, guiada por ideologias particularistas e “realistas”. Renascimento, Iluminismo, Belle Époque e pós-Guerra Fria foram fases de expansão; Contrarreforma, Restauração e o “curto século 20” (1914-1989), de retração.
O autoritarismo que vive na democracia
Há 75 anos, em 1950, saía a público um livro de fôlego incomum, resultado de mais de uma década de pesquisa coletiva em psicologia social, sociologia e teoria crítica: The Authoritarian Personality, de Theodor W. Adorno, Else Frenkel-Brunswik, Daniel J. Levinson e Nevitt Sanford. O projeto nasceu sob o patrocínio do famoso Instituto de Pesquisa Social — “transplantado” de Frankfurt para os Estados Unidos — dirigido por Max Horkheimer, em colaboração com a Universidade da Califórnia em Berkeley.
A ascensão do autoritarismo legislativo

O século 21 trouxe uma nova ameaça à democracia na América Latina. Esse perigo não vem de golpes militares ou de presidentes que usurpam seu poder, mas de um lado mais surpreendente: de legislaturas eleitas pelo povo. Os estudos sobre o retrocesso democrático enfatizam os perigos do “engrandecimento do Executivo”, com o Poder Legislativo sendo visto como uma das ferramentas que o Executivo usa ao tentar concentrar o poder. Esse relato, entretanto, não pode explicar casos contemporâneos, como os da Guatemala e do Peru, onde fortes tendências autoritárias se manifestaram no próprio Poder Legislativo.
Trump e o Brasil: Bolsonaro, negócios e hegemonia

Donald Trump tem um olhar personalista e transacional sobre a realidade. Um olhar diretamente vinculado ao fato de que o atual presidente dos Estados Unidos é produto político de um processo de sublevação sociocultural. Isto quer dizer que, ao mesmo tempo em que o cidadão médio da América viu o poder de compra diminuir e suas oportunidades de ganhar a vida serem impactadas por forças “estranhas” — a imigração e a concorrência dos chineses —, esse mesmo cidadão também foi se fechando em um caixa de ressonância em busca de soluções para as incertezas que se colocavam em seu presente e os impactos delas em seu futuro.
Desafios do campo evangélico para o novo presidente do PT

O Partido dos Trabalhadores (PT) terá novo comando nos próximos dias, com o ex-ministro e ex-prefeito de Araraquara Edinho Silva assumindo a presidência com o desafio nada pequeno de preparar a legenda para a eleição de 2026 e a transição, nos próximos quatro anos, rumo a um Brasil, um PT e uma esquerda sem Luiz Inácio Lula da Silva disputando o voto do eleitorado brasileiro.
Os tentáculos de Trump

Tentativa de intervenção no Brasil para proteger o projeto autoritário via Bolsonaro traz perigo, mas também oportunidade para o país.
Trump, tarifas, chantagem e a erosão da democracia

Poucos episódios recentes ilustram tão claramente a transformação de um país democrático em um laboratório de práticas autocráticas quanto a nova tarifa de 50% que Donald Trump promete impor ao Brasil. Mais do que uma medida de política comercial, trata-se de um ato que reúne todos os elementos característicos de uma postura de governo autoritária: arbitrariedade, personalismo extremo, ausência de qualquer supervisão legislativa, inexistência de justificativa econômica consistente e um tom imperial que exclui protocolos mínimos de respeito entre Estados soberanos.
A má compreensão do retrocesso democrático
Os casos de retrocesso democrático têm se multiplicado em todo o mundo nos últimos anos, provocando uma busca incansável por explicações. Uma das ideias mais comuns é a de que a culpa é das democracias que não cumprem suas obrigações: quando não proporcionam aos seus cidadãos benefícios socioeconômicos, muitos desses cidadãos abraçam figuras antidemocráticas que, uma vez eleitas, minarão as normas e instituições democráticas. Dessa ideia decorre a conclusão política de que, para impedir o retrocesso democrático, os formuladores de políticas e os provedores de ajuda internacional devem ajudar as democracias novas ou em dificuldades a melhorar a oferta de bens públicos aos seus cidadãos, como empregos, salários mais altos, segurança alimentar ou acesso à educação.
A esquerda, a direita e o futuro do Brasil
Este é um país dividido. Longe de ser uma reflexão suficientemente esclarecedora da realidade que nos cerca, tal assertiva se apresenta muito mais como um mantra que, repetido exaustivamente, tenta dar conta dos dilemas e mazelas que caracterizam esta era de incertezas. Todavia, no esforço de destrinchar a afirmativa inicial e contribuir para o debate público e o esclarecimento do leitor, me permito construir algumas ilações que possibilitam avançar nesta compreensão.
Populismo reacionário em 3D

O populismo autoritário de direita, que atravessa as democracias ocidentais desde a última década, permanece como a principal reação política às disfunções e assimetrias produzidas pela globalização. Embora apresente traços comuns em diferentes contextos, está longe de ser um fenômeno homogêneo. Para compreender sua lógica e suas dinâmicas, é necessário observá-lo em três dimensões simultâneas: a clivagem centro-periferia, a diferença estrutural entre Velho e Novo Mundo e as condições políticas e institucionais específicas de cada país.