Café com rave, por favor
Você chega na cafeteria e pede um cappuccino, enquanto ouve um house dançante tocado diretamente das pickups do DJ ao lado do balcão. São dez horas da manhã, mas o ambiente lembra uma danceteria às duas ou três da madrugada. A diferença é que o Sol está radiante à sua frente e os drinks que você observa nas mãos das pessoas são cafés espressos, frappuccinos e lattes. Esse tipo de balada está deixando de ser incomum em grandes cidades brasileiras e se tornando parte do roteiro dos fins de semanas de jovens cosmopolitas.
São as coffee parties, festas em cafeterias que são tendência na Europa e na Ásia e estão ganhando espaço no Brasil. O importador Tiago Sato, de 31 anos, já foi a eventos como esse em São Paulo e Tóquio e aprova a experiência. “Quando eu vi, achei sensacional. Porque eu gosto muito de música eletrônica. Achei legal, uma coisa que nunca tinha visto, porque geralmente as festas são noturnas”, conta sobre sua primeira coffee party, em 2023, no Japão.
Esse movimento ganhou força na Europa, com vídeos de festas animadas viralizando nas redes sociais. Também é onde houve uma queda brusca na abertura de casas noturnas, principalmente depois da pandemia. Um exemplo disso é Londres, que fechou permanentemente mais de 3 mil boates, bares e pubs entre março de 2020 e dezembro de 2023, de acordo com uma pesquisa da Night Time Industries Association (NTIA). “Antes da pandemia, mais de 300 milhões de turistas noturnos iam para o Reino Unido todos os anos, com Londres comandando cerca de 25% desse tráfego”, explica o diretor executivo da NTIA, Michael Kill. Essa mudança impactou o turismo da capital inglesa, deixando os visitantes confusos, perguntando-se por que tudo fecha tão cedo.
A uma altura dessa do texto, você deve estar se perguntando: essas festas não são matinês? E a resposta é: não exatamente. Muito associada no Brasil com eventos carnavalescos durante o dia (que toca marchinhas de carnaval, no caso), as matinês são eventos culturais que acontecem normalmente no período da tarde e em diferentes ambientes. Já as coffee parties estão associadas a um fenômeno mais novo, ocorrendo mais cedo (comumente logo de manhã), e cujos locais estão diretamente ligados ao café, seja porque acontece em cafeterias ou por ser o combustível base para o evento.
O fator wellness
Um relatório da empresa de pesquisa de público GWI aponta a interação social como o principal motivo para sair de casa entre pessoas de 16 a 34 anos. Essas “raves cafeinadas” chegam caindo como uma luva – pra não dizer como uma xícara – entre essas gerações que buscam unir maneiras acessíveis e refrescantes de festejar em um ambiente sem (ou com pouco) álcool. A consultora de estratégia Tanya Thadani, de 28 anos, tem preferido a sobriedade na hora de curtir a balada. “As pessoas estão se conscientizando mais sobre o consumo excessivo de álcool, especialmente nesta geração. A gente sente que já fez de tudo e que não é saudável – ficar de ressaca não é legal, então esta é uma boa alternativa”, conta, em entrevista ao site britânico Metro.
Claro que a geração Z também consome álcool e outras drogas. Mas esta também é a que tem focado em wellness, palavra da moda entre influenciadores especializados em um estilo de vida cujo bem-estar envolve não só a parte física, mas também mental e social. Para eles, já não basta curtir a festa. É preciso chegar inteiro no outro dia. “Eu vejo muito mais pessoas interessadas em treino na casa dos 18, 20 anos do que quando eu tinha essa idade”, admite Tiago, que malha na academia, mas também faz corrida. “Hoje em dia, a galera quer uma planilha de corrida, fazer yoga, pilates, ir num rolê de manhã para não afetar o sono, porque no domingo de manhã tem uma prova de corrida”, observa.
Em busca de uma vida mais saudável e sem remorso por perder noites de sono, a Geração Z tem encontrado nessas festas uma boa forma de socializar e curtir sem abrir mão da saúde. Afinal, nessas “raves de café” é possível se divertir com os amigos sem o ônus da ressaca do dia seguinte. A depender da realidade econômica local, também é possível economizar com bebida no rolê, que pode custar muito caro em algumas cidades e ainda vir mais gelo do que drink. Não só dinheiro, o que conta também são os valores pessoais, o autocuidado, o bem-estar.
O hype do café
Essas festas matutinas têm sido usadas para atrair jovens, em especial da GenZ, para diferentes projetos, que vão desde promoções de espaços culturais a posicionamento de marcas de materiais esportivos. Um exemplo foi o Museu da Imigração em São Paulo, que realizou uma coffee party para celebrar o encerramento da 23ª Semana Nacional de Museus, em 18 de maio. O evento mesclava um cardápio exclusivo de cafés e bebidas especiais com discotecagem em vinil, tocando ritmos como lundu, choro, samba, baião, bossa nova e rock. “Uma matinê imperdível para quem aprecia café, cultura e boa música, em um ambiente que conecta história e contemporaneidade”, dizia o convite.
Buscando atrair um público que adota um estilo de vida mais saudável, com exercícios físicos, boa alimentação e música animada, a Mizuno tem apostado em coffee parties no Brasil este ano, promovendo o conceito de “corrida + música + lifestyle” com a Mizuno AM Sessions. A mais recente ocorreu na cafeteria Botanikafe, em Pinheiros, Zona Oeste de São Paulo. O evento era bem animado, mesmo que tenha começado às 10h de uma manhã de sábado.
As coffee parties também são uma oportunidade para as empresas especializadas em café. A marca 3 Corações, por exemplo, promoveu um evento com vista panorâmica de São Paulo no Dia Nacional do Café, em 24 de maio, misturando a bebida com gastronomia e a energia da música eletrônica, e recebendo os participantes com degustações de cafés e cappuccinos. Em Vitória (ES), aconteceu, em fevereiro, a primeira edição do Coffee Party Terrafé, que combinou música, drinks e experiências sensoriais com cafés especiais do instituto. Em Curitiba, a Royalty já realizou duas edições da House and Coffee, enquanto outras cafeterias têm promovido eventos semelhantes no Rio de Janeiro.
Mais café
Não é à toa que as coffee parties estão surgindo num contexto em que o foco principal é a geração Z, que tem tido uma relação diferente com o café, que por sua vez, está deixando de ser visto como coisa de adulto para ser associado ao comportamento mais jovem. Caleb Bryant, consultor de insights do cliente na Circana, escreveu no ano passado o que ele chamou de “quarta onda do café”. Enquanto as primeiras ondas estavam focadas em popularizar o produto e na qualidade disponível nas cafeterias, a quarta, liderada por essa geração, é caracterizada por bebidas geladas, inovação de baixo para cima e uma nova abordagem para o marketing desse produto.
A Technomic projeta que o consumo de café cresça mais do que outras bebidas não alcoólicas, como energéticos e refrigerantes, nos próximos cinco anos. E a geração Z deve ser a responsável por essa transformação. Afinal, a iniciação na seara cafeeira está começando cada vez mais cedo. Um estudo da Mintel descobriu que, enquanto adultos com pelo menos 35 anos relataram ter tomado sua primeira xícara entre os 18 e 20 anos, os consumidores de 18 a 24 anos disseram ter experimentado com 15, em média. Essa diferença é atribuída ao tom proibitivo que antigamente era dado ao sabor ou acesso, o que tem diminuído com a exposição mais precoce desses jovens a novas culturas.
Aliás, a GenZ gosta de versões diferentes, com cremes, especiarias, chantily e outras adições não tão tradicionais. Esses espaços especializados têm caído no gosto (com perdão do trocadilho) dos mais jovens, que se reúnem para tomar um cafezinho bonito e fazer umas selfies num ambiente instagramável. Esses ambientes estão ganhando espaço em países como Estados Unidos, mas é só você entrar em qualquer We Coffee em São Paulo para perceber esse movimento.