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Há bolsonarismo sem Bolsonaro?

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O bolsonarismo é o movimento de direita mais bem-sucedido da história da Nova República. Venceu uma eleição presidencial, chegou ao segundo turno em outra e, mesmo desobedecendo alguns marcadores do receituário de construção de um movimento político, prosperou. A consequência direta deste sucesso foi a possibilidade deste grupo de alterar a janela de percepções, transformando o bolsonarismo em sinônimo de direita.

Dito isso, vale uma consideração: o bolsonarismo, como movimento político e popular, é, ao final do dia, fundado sobre uma figura, Jair Messias Bolsonaro. Como outras figuras políticas que historicamente fizeram parte do cotidiano e do imaginário político na América Latina, é quase um sol de si mesmo. Isso quer dizer que as fundações sobre as quais se constrói o bolsonarismo são efetivamente familiares. O bolsonarismo é um movimento político de caráter familiar.

Dos filhos — quatro dos quais com cargos eletivos, a quinta ainda não possui idade para tanto —, passando pela atual esposa, o irmão e alguns agregados que tiveram autorização oficial para usar o sobrenome da família na urna. Isto importa principalmente pelo fato de que a construção de uma organização é efetivamente resultado das pessoas que nela estão. No caso específico do bolsonarismo, alguns elementos importantes do patriarca se fazem presentes.

Fazendo um olhar retrospectivo sobre a trajetória política de Bolsonaro, é possível notar seu isolamento enquanto deputado federal

Neste sentido, vale destacar uma relativa impaciência deste com um traço fundamental da política cotidiana, o diálogo e a negociação. Fazendo um olhar retrospectivo sobre a trajetória política de Bolsonaro, é possível notar seu isolamento enquanto deputado federal. Quando transformado presidente, terceirizou esta tarefa para outros atores, fossem eles membros do agrupamento militar que o acompanhava — caso do general Luiz Eduardo Ramos — ou, à medida que a situação se tornou mais complexa, a operadores do sistema político — caso de Ciro Nogueira.

O fato é que, à medida que o bolsonarismo foi ungido por uma fatia importante da sociedade como um representante digno de seus interesses, tal ação não foi seguida de um processo de estruturação do movimento de forma competitiva. Esta rejeição a um modelo clássico de organização partidária — mesmo sendo um movimento com muita capilaridade social — se deve em primeira camada à imperícia do próprio Bolsonaro e de seus filhos em construírem um partido político, exemplo concreto representado pelo fracasso na organização do Aliança pelo Brasil.

Aqui vale um parêntese, apesar da impaciência com articulações tradicionais, Bolsonaro e seu grupo compreendem e atuam com muita qualidade naquilo que é o desenho eventual de nominatas competitivas — vide os bons resultados com o PSL em 2018, PL em 2022 e as articulações que se faziam para 2026. Da mesma forma que tais elementos são compreendidos, a própria realidade se mostra como um desafio. Afinal, o cartel de Bolsonaro é recheado de trocas partidárias, embates com lideranças tradicionais, vide o ocorrido com Luciano Bivar no extinto PSL. Situação que torna, em termos comparativos, seu consórcio político com Valdemar Costa Neto um caso de excepcional longevidade relacional.

Os familiares, especificamente, assumem papel preponderante na atual conjuntura, devido à mudança do status prisional do ex-presidente. Afinal, se o bolsonarismo se moldou como sinônimo de direita ao longo dos últimos anos, mas esta centralidade se desenvolve em torno da figura do líder, surge a pergunta: há bolsonarismo sem Bolsonaro? Na tentativa de responder a este questionamento, se faz importante em primeira figura compreender como o modelo de tomada de decisão do bolsonarismo se construiu ao longo do tempo.

Concretamente, Jair Bolsonaro protagonista político, criou um grupo de tomada decisão que tem em sua camada mais interna seus próprios filhos. De Eduardo, que em algum sentido busca se colocar como um artífice intelectual de um processo de tropicalização desta nova direita global para a realidade brasileira. Passando por Carlos, com sua capacidade de compreender as ferramentas mais modernas de comunicação — função que desempenhou de maneira quase formal durante a presidência do pai. E desembocando em Flávio, hoje senador da República e possivelmente aquele que possui melhor trânsito com operadores tradicionais da política.

Os filhos do ex-presidente, cada um a seu turno, têm desempenhado funções nos processos de articulação política ocorridos após o fim da presidência paterna. O problema, é que, tal qual qualquer família, o choque de interesses e percepções alimenta dissensões que, sob a presença do pai, são vistas como arestas passíveis de acordo. Com a ausência deste, tendem a se tornar disputa franca por poder e posse do legado. Neste aspecto, como decorrência direta da importância que Bolsonaro possui para as eleições de 2026, destacam-se os olhares distintos dos filhos sobre o que fazer com o capital político que se possui a fim de preservar protagonismo.

Enquanto Eduardo e Carlos, cada um a seu turno, assumem declarações públicas de contestação a qualquer movimento de composição com o establishment político, identifica-se em Flávio um interesse de composição com objetivo de preservar espaços, poder e influência em uma eventual vitória da direita. O problema, para cada um dos três filhos, é que ao mesmo passo em que seus rostos e nomes lembram o ex-presidente, a cada um deles falta aquilo que é uma característica fundamental da liderança bolsonarista, o carisma. E diante do fato de que carisma não é dado pelo líder e sim identificado pelo eleitor, aqui surge um elemento que acrescenta complexidade ao modelo decisório do bolsonarismo, a figura da ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro.

Michelle, que efetivamente é uma liderança carismática em construção, se torna a cada dia de ausência de Bolsonaro na campanha eleitoral um ativo mais importante. Esta importância, por sua vez, realça outra camada conflitiva dentro da tomada de decisão bolsonarista, a rejeição dos filhos em considerarem a madrasta como uma digna representante do legado político do pai. Nesse cenário, as rusgas que sempre foram muito aparentes tendem a assumir novo grau de complexidade.

Utilize-se como marcador a seguinte hipótese: Bolsonaro não será candidato em 2026. Mantidas as atuais condições de temperatura e pressão, a hipótese se confirmará e trará como consequência direta a reflexão que se manifesta em vários atores políticos em Brasília: quem herdará o legado de Jair? Com a impossibilidade de Eduardo ser candidato, com a desconfiança dos filhos em nomes como Tarcísio de Freitas e com a própria necessidade destes e do pai de apostarem sua fé em alguém que de fato afrontará estruturas para garantir um perdão ao patriarca, sobram dois nomes: Flávio e Michelle.

O bolsonarismo até aqui não foi capaz de produzir nenhum tipo de mobilização que se assemelhe ao Lula livre

O senador fluminense tem a seu favor o apoio dos irmãos. A ex-primeira-dama tem a seu lado o carisma e o trânsito fácil ao coração de votos evangélicos. Ambos, cada um a seu turno, encaram resistências de membros da eventual coalizão que se forma e, no caso específico de Michelle, a resistência do marido. O fato é que, ao mesmo passo que Bolsonaro é um nome político importante, cada desdobramento do calendário alimenta o potencial esfriamento de sua influência. Em termos comparativos, o que manteve viva a reputação de Lula durante sua prisão foi a militância petista, enquanto o bolsonarismo até aqui não foi capaz de produzir nenhum tipo de mobilização que se assemelhe ao Lula livre.

Diante, portanto, de um contexto adverso, marcado pela incapacidade de construir no passado uma militância robusta e, no presente, pela privação do seu principal ativo eleitoral, o bolsonarismo corre um risco: um curto-circuito narrativo no cerne da família, resultando em dissenções de difícil superação. A fragilidade do bolsonarismo em articular política, característica central da própria biografia de Jair Bolsonaro, é elemento a ser considerado na construção do dia seguinte do movimento.

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