Pandemia e precarização do trabalho, uma visão

A pandemia no Brasil chegou ao fim por decreto. Não é mais uma emergência para o governo brasileiro. Perdas que chegaram a 4.211 pessoas por dia aparentemente pararam de assustar. Agora, o país lida com a realidade de 11,9 milhões de brasileiros desempregados; custos básicos em altas históricas; e um botijão de gás comprometendo 9,4% do salário mínimo.

O Meio abre hoje um debate sobre mercado de trabalho brasileiro e vai ouvir especialistas de diferentes correntes. Nesta semana, fala o professor Vitor Araújo Filgueiras, pós-doutor em Economia pela Unicamp e professor visitante da Universidad Complutense de Madrid — ele traz a visão nacional-desenvolvimentista do assunto. Filgueiras é vice-presidente da Associação Brasileira de Estudos do Trabalho (Abet) e foi auditor fiscal do Ministério do Trabalho entre 2007 e 2017. Na semana que vem, ouviremos um pesquisador do campo liberal.

Podemos falar que a pandemia foi a principal culpada pela precarização do mercado de trabalho brasileiro?

Não é simples assim. A associação direta entre pandemia e precarização parte de um pressuposto que não existe. A pandemia traz um risco de contaminação e implicações sérias sobre atividades em geral, sim. Mas podem se adotar políticas públicas para enfrentar o desemprego, que é gravíssimo, mas não inexorável. A pandemia se associou à continuidade de políticas públicas que pressupõem que o nível de emprego está relacionado ao custo de trabalho. Temos políticas que tentam atenuar esses custos, o que não resolve o desemprego e ainda precariza mais o mercado de trabalho.

Qual seria o caminho?

Um exemplo é a Coreia do Sul, que, durante o auge da pandemia, conseguiu manter a taxa de desemprego em até 3%, mesmo com todos os cuidados sanitários. Lá, as políticas de Estado são focadas na manutenção do nível de atividade e do emprego, que é oposta à política da austeridade brasileira. Presume-se que, ao se cortar gastos públicos, resolve-se a economia. Mas essa política contracionista agrava o desemprego. Na pandemia, não houve aumento de gastos para manter atividades econômicas. Assim, além de agravar o desemprego, temos a precarização dos empregos que subsistiram.

Qual o paralelo entre os empregos que subsistiram e a precarização? 

Temos dois grandes problemas. Um é o crescimento dos aplicativos de entrega. Há um consenso global de que os entregadores são empregados e têm direitos, mas o governo brasileiro optou por deixar um trator passar por cima, permitindo a contratação como autônomos, em vez de efetivar uma legislação que dificultasse a precarização desses trabalhadores. Essa atividade foi uma das que mais tiveram destaque na mídia durante a pandemia e não proteger esse entregador foi uma escolha deliberada. O segundo problema é o do trabalho remoto. Houve uma expansão imensa desse regime com a pandemia e aqui foi adotada uma lei trabalhista que era recente e não garantia proteções básicas ao trabalhador.

Você poderia dar um exemplo de uma medida protetiva?

A reforma trabalhista da Espanha, por exemplo, foi bem protetiva na regulação do trabalho remoto. Ela dá mais poder ao trabalhador, obrigando o empregador a arcar com os custos operacionais das atividades, controle de jornada e normas de segurança. A consequência imediata dessa reforma foi o crescimento do emprego, tanto precário como de qualidade. Mas a pegada é que, investindo em criação de emprego de qualidade, você gera um ciclo virtuoso com mais poder de compra e mais retorno à economia interna.

Considerando a retomada do nível de ocupação de 2021 em relação a 2020, quais grupos foram responsáveis por isso?

A recuperação está muito associada ao crescimento do trabalho por conta própria e sem carteira assinada, aos autônomos. São dois grandes grupos: os entregadores dos aplicativos e ambulantes, eletricistas, etc. Pessoas que se inserem no mercado de trabalho sem patrão e de forma precária, por sobrevivência. Esses trabalhadores vão para as periferias das atividades econômicas mais estruturadas e não têm seguridade social. Com as novas tecnologias, seria fácil a inserção dessas pessoas na previdência pública, mas, de novo, não há interesse. Tudo isso é uma relação política.

Se é uma relação política, como agir coletivamente contra a precarização? Como a Grande Resignação dos EUA, por exemplo?

Os sindicatos estão muito fragilizados, principalmente após a reforma trabalhista. Nos EUA, a própria legislação é anti-sindical e a Grande Resignação (movimento de demissão em massa em que os trabalhadores questionam as condições precárias do trabalho) é a prova empírica de que políticas públicas incentivam a organização dos trabalhadores. A saída maciça dos trabalhadores de seus empregos só foi possível mediante políticas que garantiram seguridade social, que dão alguma estabilidade para que se sobreviva. Assim, as pessoas não estão desesperadas por trabalhos que paguem mal.

Se a redução dos custos de empregar um trabalhador não é solução, que políticas podem ajudar o empreendedor pequeno e médio? 

É preciso quebrar esse ciclo vicioso em que o empresariado crê que é possível ter protagonismo no desenvolvimento econômico às custas do rebaixamento das condições de trabalho. Se você mantém salários baixos, a tendência histórica comprovada é a satisfação com a alta lucratividade às custas da precarização da mão de obra. Essa satisfação não incentiva o desenvolvimento técnico. Se os salários são mais altos, você precisa buscar alternativas para aumentar o seu lucro. Normalmente, inovações técnicas são soluções para expandir a produtividade do seu trabalhador, que precisa ser visto como algo positivo.

Como seria esse crescimento sustentável com a ajuda de políticas públicas?

Existe uma maneira de se criar um ciclo mais positivo, que é gerar emprego de qualidade e com investimentos. A partir disso, pode-se usar a política cambial para evitar, em alguns setores, os tradables – a concorrência desleal. A política de transferência de tecnologia melhoraria a produtividade desses empresários que não têm capacidade isolada de fazer grandes investimentos em melhorias técnicas do seu processo produtivo. Aumento do crédito e facilitação dos juros também são necessários para os empreendedores médios. Agora, a questão essencial é a demanda pelo produto. Mas o desenvolvimento econômico brasileiro também depende que o empresariado nacional mude um pouco a sua postura e como enxerga o trabalhador.

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