O Brasil amanheceu quarta-feira comovido pela tragédia da Chapecoense e, tendo se plugado na vida digital das redes e sites, entrou em choque. Incrédulo. Após, comedidamente, os presidentes de Câmara, Senado e da República terem convocado coletiva domingo para recuar perante a pressão popular, tudo tinha mudado. Numa sessão de madrugada, o deputado carioca Rodrigo Maia (DEM) comandou a destruição das Dez Medidas contra a Corrupção propostas pelo Ministério Público.
Um dos primeiros links a circular na rede foi a página da Câmara que revela qual deputado votou como. PSOL, Rede e PV se puseram unânimes contra o desmantelamento do projeto. São partidos miúdos. Jair Bolsonaro (PSC-RJ) votou com eles. Dos 55 deputados petistas, só o corintiano Andres Sanchez votou com essa turma. Dentre os tucanos, foram 33 dos 42. Mas, no total, estes foram derrotados por 313 votos contra 132. (No Globo, Ilimar Franco tem um bom balanço.)
O deputado Onyx Lonrenzoni (DEM-RS) tentou convencer seus pares a não distorcer por completo o projeto que havia relatado. Não bastava derrota-lo. Os parlamentares estavam convictos o suficiente do voto que dariam e quiseram deixar claro: o vaiaram (vídeo).
Oficialmente, os deputados abraçaram o argumento que a Defensoria Pública do Rio vem fazendo: o enrijecimento da lei vai acabar prejudicando, principalmente, os mais pobres que não têm acesso a bons advogados. Mas, enquanto os defensores cariocas pedem a ampliação do debate, os deputados federais escolheram a madrugada para impor uma decisão sem qualquer debate. (Folha)
Ora: o autor da principal emenda contra as dez medidas, o pedetista maranhense Weverton Rocha, responde a dois inquéritos por corrupção, crime contra a Lei de Licitações e desvio de verba pública no STF. Seu texto o beneficia diretamente.
A presidente do STF, Cármen Lúcia, se manifestou por nota. “Pode-se tentar calar o juiz, mas nunca se conseguiu, nem se conseguirá, calar a Justiça.” Os procuradores da Lava Jato foram mais duros. “A sociedade brasileira não pode mais considerar normal o que é anormal”, disse Deltan Dallagnol. Com a nova proposta, disse Carlos Fernando dos Santos Lima, “a continuidade de qualquer investigação sobre poderosos cria um risco pessoal para os procuradores”. A força-tarefa da Lava Jato ameaçou renunciar coletivamente acaso o projeto seja aprovado. (Estadão)
Josias de Souza: “Acossados pela Lava Jato, os congressistas brasileiros decidiram testar os limites da República. Tentam descobrir o ponto exato que antecede a ruptura das instituições.”
Kennedy Alencar: “Interlocutores do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), dizem que a reação dos procuradores só estimula a necessidade de votar um projeto que puna abuso de autoridade.”
Já era quase noite quando o presidente do Senado, Renan Calheiros, tentou manobrar para votar de sopetão o projeto, ainda ontem. Segundo apurou o Estadão, Renan costurou no gabinete um acordo para levar a matéria ao plenário, de surpresa, contando com o apoio declarado do senador mineiro Aécio Neves (PSDB). Foi outro tucano, o paulistano Aloysio Nunes, líder do governo, que implodiu as tratativas. Aécio nega esta versão. Em público, os senadores derrotaram Renan por 44 a 14.
As panelas voltaram a soar ontem à noite. (Globo)
Mas, das redes sociais, o movimento vai às ruas? Às 6h30 desta quinta, 92 mil pessoas haviam confirmado presença na manifestação convocada pelo movimento Vem Pra Rua para este domingo, 4 de dezembro. 1,2 milhão compartilharam. Para efeito de comparação, a principal passeata do ano levou 2,2 milhões de pessoas às ruas de todo o país, em 15 de março. Na última conta daquele evento, 406 mil pessoas haviam confirmado presença e 6.3 milhões compartilharam o post. Já em 16 de agosto, quando 879 mil foram às ruas, houve 99 mil confirmações e 899 mil compartilhamentos.
Joaquim Barbosa: “Uma das características da boa Presidência é a comunicação que o presidente tem diretamente com a nação. Ele governa em função da legitimidade, da expressão da sua vontade e da sua sintonia com o povo. Dilma não tinha nenhum desses atributos. Foi substituída por alguém que também não os têm, mas que acha que está legitimado pelo fato de ter o apoio de um grupo de parlamentares vistos pela população com alto grau de suspeição.” (Folha)
Resta um detalhe do longo dia: pela primeira vez, Lula e Moro estiveram um de frente para o outro. Por teleconferência. O ex-presidente depôs por ter sido convocado para testemunha de Eduardo Cunha. O juiz não lhe dirigiu perguntas. Assista.
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