Com a eleição de duas mulheres trans, deputados conservadores já questionam uso dos banheiros na Câmara

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De Brasília

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Duda Salabert (PDT-MG) e Erika Hilton (Psol-SP) ainda não colocaram os pés no Salão Verde, após serem eleitas, mas já viraram assunto. Os comentários ocorrem fora dos microfones, mas a preocupação chegou ao plenário da Câmara nessa quarta-feira (5/10), na primeira sessão semipresencial chamada pelo presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), após o primeiro turno da eleição. Diante da novidade da eleição de duas deputadas trans, parlamentares cochicham na sessão, esvaziada pela campanha presidencial ainda em curso: “Como é que elas vão ao banheiro?”, “Vai ter que fazer outro banheiro?”, “Elas usam o banheiro masculino ou feminino?”.

As duas tiveram votações expressivas. Dos paulistas, Hilton obteve 256.903 votos, sendo a nona mais votada no maior colégio eleitoral do país. Duda, por sua vez, obteve 208.332 votos, sendo a terceira mais votada no segundo maior colégio eleitoral. Ainda assim, vão chegar a um Congresso conservador e com representantes da extrema-direita, em que muitos se elegeram pautados pelo discurso contrário à diversidade e ao que chamam, equivocadamente, de “ideologia de gênero”.

“Traz até uma angústia e uma preocupação sobre o cenário que encontraremos em Brasília”, relatou Erika Hilton ao Meio. “É lamentável que deputados eleitos ainda estejam tão atrasados em um debate de cidadania tão importante como esse, que é a utilização do banheiro por mulheres transsexuais e travestis. É importante especificar que nós usaremos o banheiro feminino, porque somos uma identidade feminina, porque somos mulheres”, destacou. “Nós exigiremos respeito e usaremos o direito de usar o banheiro que condiz com nossa identidade.”

Vale lembrar que há regra expressa para evitar discriminações. Não no texto da lei, já que é mais um caso de omissão do Congresso, mas em uma resolução de 2018, na qual o Ministério Público da União (MPU) disciplina o uso dos sanitários para pessoas travestis e transexuais. “É vedada a criação de espaços de uso exclusivo para pessoas travestis e transexuais”, diz a norma. Depois disso, uma nota técnica do Ministério Público Federal (MPF) ainda interpretou a regra com base na Constituição Federal, disciplinando o uso do banheiro de acordo com a identidade de gênero, inclusive nas escolas.

Polêmicas sobre os banheiros do cafezinho da Câmara não são inéditas. Contíguo ao plenário, o cafezinho é onde os parlamentares se encontram, conversam entre si, falam com jornalistas, fecham acordos, enquanto as sessões ocorrem. Durante os trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte, as deputadas foram obrigadas a pedir uma audiência com o presidente do colegiado, Ulysses Guimarães (MDB), para que fosse providenciado um banheiro feminino no local, onde havia apenas banheiro masculino no local onde ocorriam reuniões, discussões e votações.

Não eram raros comentários indelicados sobre a situação no ambiente machista, que chegou a promover na época até um concurso para escolher a “musa da Constituinte”, fato repudiado pelas 26 deputadas que trabalhavam no texto de 1988. O uso do banheiro também já gerou problemas no Senado. O cafezinho anexo ao plenário só ganhou um espaço para mulheres em 2016, 55 anos depois da inauguração do prédio do Congresso Nacional, em 1960.

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