Crianças usando ácido retinóico

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O que carambas está acontecendo com o TikTok e por que crianças de dez anos, sim eu repito, dez anos estão passando ácido na cara??

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Não, não é um desafio da canela turbinado, calma lá, é ácido retinol. Produto de skin care. E eu não sei quando nesta linha do tempo confusa que vivemos, crianças podem comprar skin care ou até onde deveria ser permitido que cosméticos e ácidos sejam recomendados a crianças de 10 a 12 anos.

Parecia drama, alguns vídeos virais retirados de proporção, ou até, mentira. Mas vamos lá: crianças nos Estados Unidos estão vidradas em produtos de beleza, e destruindo gôndolas na Sephora e na Ulta Beauty.

Sim, o fenômeno é americano, e provavelmente continuará assim, considerando que a obsessão que estamos falando tem uma barreira de custo gigantesca no Brasil. Não que nos
Estados Unidos seja barato, também, a marca mais visada, Drunk Elephant, tem óleos de 38 dólares. Enquanto sua concorrente, The Ordinary, tinha o mesmo óleo a 11 dólares.

A gente começa com crianças fazendo seus smoothies de skin care em lojas, desrespeitando vendedoras que pedem que parem, mas terminamos com um uso indiscriminado do TikTok, as consequências de tanto tempo de tela e importância ao aplicativo e um mercado explorando … crianças.

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Comecemos com uma pequena investigação da Drunk Elephant. Um quem é quem.

A marca foi lançada em 2013 pela Tiffany Masterson, com um slogan de “beleza limpa” e comprada pela Shiseido em 2019 por 845 milhões de dólares. Graninha.

No momento, a marca é a quarta mais consumida do país.

E vamos lá, além de “beleza limpa” o que mais eles falam? Que são biocompatíveis e que você pode misturar os produtos e fazer seu próprio smoothie de skin care.

Biocompatíveis. Misturar. Fazer smoothie.

Sabe, tem algumas coisinhas assim na indústria da beleza que a gente precisa ser um pouco cético. Chip da beleza? Cético. Protetor solar causa câncer? Cético PRA CARAMBA. Smoothie de skin care?

Cético.

O problema aqui é que a própria marca incentiva a fazer isso e, claro, no TikTok esses conteúdos viralizam.

Então são crianças, adolescentes, misturando bronzeador, ácido, vitamina C e creme pra passar no rosto.

Pode fazer isso?! Pesquisando em português, esteticistas recomendam que algumas misturas não sejam feitas. Isso por atrapalhar a estabilidade do produto, da vitamina C, e poder anular o efeito dele. Ou podem causar mais ressecamento. A própria Océane, marca, tem um post todo sobre misturas que podem ou não ser feitas.

Temos aqui a primeira bandeira amarela do cuidado, né?

A segunda bandeira amarela vai para o histórico de comportamento da marca na mídia. A conta da marca discutiu com diversos clientes afirmando que todas as peles precisam dos mesmos ingredientes. Mesmo peles com rosácea e acne cística. Ao final, diz que é a sua opinião. O problema é que uma marca de formulação pra pele deveria se basear em fatos, na ciência e não na opinião de alguém sobre o que funciona em todas as peles.

A discussão seguiu para a marca argumentar que deletou comentários abusivos e pedindo respeito àqueles que não acreditam e compartilham da filosofia dela.

De novo, protetor solar não é uma filosofia ou uma crença, é uma fórmula química estudada e baseada em fatos científicos.

Uma bela bandeirinha amarela. Também vale relevar que isso foi logo quando a marca foi comprada pela Shiseido.

Chega de bandeiras, vamos a outros feitos: a marca infringiu a patente da L’oreal e copiou a fórmula da Vitamina C da marca. Foram processados, claro, mas ofereceram ao mercado uma versão mais barata

Falei chega de bandeira mas essa leva bandeira pirata.

Outro ponto, aqui neutro mesmo, é o marketing dos produtos. A escolha das embalagens, o neon, as estampas. São lindas. E obviamente interessam bastante o público mais novo justamente pelas cores. Ou pelo creminho que você aperta e sai em forma de flor. Hih.

Até eu sou vendida pra esse, imagina uma pré adolescente.

Bom, a Drunk Elephant até já postou um informativo sobre quais produtos crianças podem ou não usar.

Porque, de novo, crianças não devem passar ácido retinóico no rosto. Ou usar mais do que hidratante, sabonete e protetor solar.

Mas, para crianças que cresceram com o legado da pandemia e usam o TikTok indiscriminadamente; o marketing chega.

O smoothie de skin care, divertido, começa a viralizar. Vídeo de crianças tentando fazer slime com o creme da Drunk Elephant. Em uma, duas, três, de repente mais e mais criadores, vendedoras comentam sobre usando a hashtag SephoraKids. Crianças da Sephora.
Nisso, mães começam a postar “deixem as menininhas serem menininhas!”

O que, na verdade, é um probleminha maior do que isso, né?

São marcas explorando a insegurança de garotas – e garotos, tá, porque eles também usam – cada vez mais jovens para venderem seus produtos.

E tá errado? A culpa é de quem? Se uma menina de 9 anos quer usar um creme que sai em forma de pétala, misturar com vitamina-c e creme anti-idade de olho, é no melhor interesse dela que isso aconteça?

Se você não sabe, numa pesquisa de 2022 dos Estados Unidos, a maior insegurança entre crianças e adolescentes era a pele, mais do que peso. Crianças de 8 a 18 anos se preocupam mais com acne.

A Drunk Elephant não é a única marca atrativa pra crianças. A Charlotte Tilbury fez uma linha toda de cremes e maquiagens inspiradas em princesas da Disney.

E crianças estão comprando online também, não só na Sephora. Denish Shah, professor de marketing da universidade da Georgia, disse que a categoria da beleza está crescendo um monte também porque empresas estão mirando no público tween, no pré adolescente. Ele menciona a ELF, que teve 203% de crescimento de 2022 pra 2023.

Tem marcas especificamente pra crianças acima de 3 anos, a Yawn. Ou acima de 8 anos, a Gryt.

O anúncio deve ser 10 né, tenha pele de bebê, mesmo sendo um bebê e precisando da ajuda de um adulto responsável para abrir a embalagem!

De qualquer jeito, a Sephora e a Ulta não comentaram sobre o assunto. Se tem pré-adolescentes estragando amostras e testers nas lojas? Eles não reconhecem. Ficam os milhões de vídeos sobre o assunto pra documentar.

O TikTok vai seguir vendendo produto, vai seguir com influencer que faz publi com a marca e mira em crianças ou pré-adolescentes passando pela puberdade e preocupados com a sua imagem.

Um pré adolescente é sim sensível à como ele aparenta ser, mas sua pele também! E isso tem que ser seguido, senão é mais uma geração testando o limite, o que acontece ao usar retinol dos 8 aos 80 anos.

Numa outra nota, o mercado de produtos para a pele de crianças e bebês deve crescer 7,71% anualmente até 2028.

E se você acha que o problema é só a exposição ao TikTok, pensa numa criancinha indo dormir na casa dos amigos e a brincadeira é fazer rotina de beleza?

No mais, a Associação Britânica de Dermatologistas recomendou que crianças não usem produtos de pele indicados a adultos.

E eu recomendo que crianças tenham um acesso minimamente acompanhado do TikTok. Ou com alerta sobre o que é informação, o que é entretenimento e o que é danoso.

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