Governo Lula erra ao lidar com “fuga de cérebros”

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Enquanto 51 universidades e 79 institutos estão em greve, o governo federal achou de bom tom anunciar que planeja investir em R$1 bilhão de reais para repatriar pesquisadores brasileiros.É, quem não está aqui. Uma solução… preguiçosa para lidar com a fuga de cérebros.

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Tudo bem, a culpa não foi do governo Lula que os pesquisadores ficaram dez anos sem qualquer reajuste, com salários, desculpa, bolsas desvalorizando muito abaixo da inflação.

O Brasil, em 2022, teve sua primeira queda registrada na produção científica desde 1996, quando os dados começaram a ser coletados. Na maior redução entre os principais países analisados, sendo comparado com a Ucrânia – que está em guerra.

Sabe o pior? Bolsistas não têm direitos trabalhistas. Não tem férias. Não tem contribuição pra aposentadoria. Um trabalho mal pago e com muita demanda. Até porque publicar seus próprios estudos também custa.

Mas enquanto as universidades, que são o principal campo da pesquisa no país, estão paralisadas, pedindo reajuste salarial, o governo olha para cientistas brasileiros que não estão aqui, não estão passando esse perrengue e oferece um salário muito – mas muito – maior do que o que é oferecido para quem está aqui.

Injustiça? Tiro que vai sair pela culatra..? O que a gente sabe é que tá difícil pra pesquisa e pros pesquisadores por aqui.

São 35 mil brasileiros fazendo pesquisa fora do Brasil.

E aqui? Aqui os bolsistas vivem sempre uma incerteza que é… política. No começo do mês, o MEC e o Ministério de Ciência e Tecnologia perderam R$ 280 milhões e as bolsas universitárias foram atingidas. A educação básica também. Porque politicamente foi preciso se ater ao arcabouço fiscal, então vamos tirar recurso da saúde, do desenvolvimento, da Fazenda, da Defesa, da Segurança, Inteligência e da educação, né?

Mas a ideia do CNPq para repatriar brasileiros é investir por cinco anos nesses cientistas e pesquisadores que estão fora com salários atrativos, investimento em equipamentos e parcerias internacionais.

E depois desses cinco anos?

O próprio presidente do CNPq, Ricardo Galvão, admite que o mercado está saturado. Que o Brasil forma 24 mil doutores – doutores – por ano. Mas que emprega menos de mil.

E os outros 23 mil, né? Fazem o que?

E quem está no caminho pro doutorado? Quem faz pós, mestrado pra chegar lá?

A solução criada pelo governo causou o maior rebuliço na comunidade científica, com coordenadores de grupos de pesquisa, professores, responsáveis por laboratórios todos unidos sob um mesmo tom: Quer diminuir a fuga de cérebros? Aposta em quem tá aqui.

Se você não me conhece, eu sou Bruna Buffara e esse é o Canal Meio, você já se inscreveu no canal? Se inscreva e acompanhe a Curadoria semanalmente.

Universidades em greve, institutos federais em greve. Professores, servidores, todos pedindo melhoria nas condições de trabalho, de pesquisa e aumentos das bolsas. Enquanto os cientistas brasileiros, em greve por aqui, anunciam sua precarização em alto e bom tom – o governo Lula acha de bom tom lançar um programa focado em repatriar cientistas no exterior. Com ótimas bolsas, investimento em equipamentos, plano de saúde, previdência e cinco anos garantidos. Fuga de cérebro é um tema difícil, resolvê-lo também. Mas é preciso que o programa Conhecimento Brasil amplie sua visão para funcionar. Senão, o R$ 1 bilhão não servirá para muito, além de causar rebuliço nos pesquisadores brasileiros.

Nem sempre o Brasil foi palco de fuga dos pesquisadores. De 2000 a 2010, o Brasil chegou a ser destino. Trabalhadores queriam vir pra cá. O país tinha estabilidade política, um governo que dialogava com setores diversos e economia estável.

Não sou eu falando, é o autor do livro Migração de trabalhadores para o Brasil, de Boucinhas Filho.

Mas aí veio a crise política. As inseguranças. A descredibilidade. Trabalhar com ciência num país que era governado por quem não acredita em vacina não parece muito agradável, não é? E então a saída dos pesquisadores.

Essa saída não é totalmente ruim para o país quando há no pesquisador a vontade de voltar.

Porque a troca é boa. Ou seja, se os pesquisadores voltam ao Brasil e trabalham por aqui, a troca é válida.

Foi o que aconteceu durante o Ciências Sem Fronteiras, que diversificou a rede dos pesquisadores que retornaram ao Brasil.

O problema do programa do CNPq é que parece raso.

Não há uma estratégia para o que fazer com esses cientistas depois de cinco anos de bolsas de R$ 10 a R$ 13 mil reais. Com até R$ 400 mil em recursos, com R$ 120 mil para participação em evento, visita a centros de excelência e auxílio instalação, plano de saúde e previdência.
Sim, valorizar o cientista brasileiro que está fora do país, trazendo-o de volta é uma maneira de lidar com a fuga de cérebros mas não só isso.

Porque os doutores recém formados aqui, que fazem doutorado aqui, têm dificuldades em achar vagas E financiamento. É precarizado.

É valorizar apenas quem decidiu sair sem a intenção de voltar.

As frentes precisariam valorizar os cientistas que estão fora do país, com trocas com quem está aqui, colaborações, grupos de pesquisa e o programa deveria valorizar quem está no Brasil.

Cientistas brasileiros publicaram 7,4% a menos do que em 2021. Foi a primeira queda em publicações desde 1996. A redução afeta a competitividade global do Brasil e a capacidade de inovação. Limita o desenvolvimento de novas tecnologias, compromete a capacidade do país de resolver problemas complexos em saúde, meio ambiente e tecnologia.

Qual será que é o país que mais se beneficiaria com estudos sobre dengue? Fármacos amazônicos?

Uma das estudantes que estava opinando sobre a medida do CNPq estuda a reprodução do Aedes Aegypti e a dengue.

E, de novo, tudo isso enquanto as universidades – principal campo de trabalho dos pesquisadores – estão em greve. Enquanto os cientistas brasileiros, precarizados, pedem condição melhor de pesquisa. Enquanto os brasileiros em território brasileiro reivindicam melhoria na pesquisa, quem está fora daqui recebe uma oportunidade de ouro.

Uma das ideias de Carlos Hotta, professor do instituto de Química da USP, é justamente incluir os doutores recém formados no programa. Assim, a política se torna mais ampla, dá oportunidade para os talentos que se formaram nessa rede.

Assim como sair do país é uma escolha pessoal e política, ficar nele também é. Os dois pontos precisam de atenção porque os dois pontos tem visões e redes diferentes. Quem viaja para outro laboratório vê outras estruturas, entende que existem universidades com menos carga horária de aulas para quem quer pesquisa. Tem troca, tem ideia, tem contato. Quem permanece aqui sabe as forças e as falhas do país, as limitações que se tem.

Se a Fuga de Cérebros é um problema para o governo Lula é preciso de uma visão mais ampla para entender que resolver não é só trazer brasileiro de volta com promessa de bolsa. Até porque, quem garante que o próximo governo não vai cancelar? É preciso visão real do problema, que passa pelo governo. Pelos governos.

O Brasil precisa entender que pesquisa não vive só em ambiente acadêmico, que financiamento é preciso independente do governo, mas como é projeto de nação. E, claro, seria ideal um salário que garantisse a vivência digna do pesquisador. Afinal, quem idealiza e testa remédios para Alzheimer, estuda o impacto das IAs na educação, deveria ter apoio nacional.

A reitora da UFMG, Sandra REgina Goulart, já alertava para a importância das parcerias entre universidades e o setor empresarial, que fomenta a inovação. PAra que as pesquisas acadêmias não morram ali, mas se tornem aplicações práticas.

E o financiamento das pesquisas precisa ser uma filosofia da nação, não atrelada à política – a governos políticos que mudam de 4 em 4 anos.

É preciso empregar esses pesquisadores, com garantias trabalhistas, férias, levar o cargo a sério.

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