O que os políticos não veem na IA

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Vamos falar de inteligência artificial? Olha, tem tudo a ver com política. Tem uma frase que tenho repetido recorrentemente por aqui. As duas pautas mais importantes para as sociedades, hoje, são regulação das plataformas digitais e mudanças climáticas. E ambas são pautas que os governos têm evitado de encarar. Por quê? Por conta da crise democrática pela qual o Brasil, e o mundo, vivem. E as coisas estão atreladas, tá?

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Mas vamos falar de inteligência artificial. Vocês assistiram, muito possivelmente, a algumas das demonstrações que OpenAI e Google fizeram na semana passada das novas versões de seus algoritmos. É o GPT 4o, da OpenAI, e o Gemini 1.5, do Google. É muito impressionante, tá? A gente ainda não teve acesso às ferramentas novas de forma plena, isso vai demorar algumas semanas. Mas se a demonstração pública que a OpenAI fez do GPT novo não estiver maquiada, se aquilo funcionar no nosso celular como funcionou no palco, o assistente é capaz de conversar que nem gente. A gente sente a emoção na voz. E, sim, através da câmera do celular esse novo ChatGPT é capaz de compreender o nosso estágio emocional.

Vamos dar dois passos atrás. O quanto vocês compreendem desse debate todo sobre inteligência artificial? Eu costumo explicar da seguinte forma. Estamos na terceira geração de IA.

A primeira geração começa quando uma tecnologia muito antiga, chamada aprendizado de máquina, se tornou viável. A gente já sabia escrever programas capazes de aprender desde a década de 1950. O problema é que, para o computador ser capaz de aprender com informação que damos a ele, precisa de duas coisas. Uma é espaço de armazenamento. Disco. Memória, mesmo. Se a gente não consegue guardar uma quantidade gigante de dados, não tem o que ensinar ao computador. A outra coisa da qual precisamos é processamento. Ou seja, um computador capaz de fazer muita conta, muito rápido. Então embora a gente já saiba na teoria como fazer um computador aprender há muito tempo, a tecnologia só permitiu que isso ficasse viável no final da década de 1990. Foi quando um computador da IBM chamado DeepBlue aprendeu a jogar xadrez tão bem que venceu o campeão mundial, Gary Kasparov. Hoje o Kasparov é o principal adversário do ditador russo, Vladimir Putin, mas essa é outra história.

O que que essa primeira geração de IA consegue fazer? Bem, ela consegue perceber padrões que se repetem de comportamento humano. Como é que aplica? Quando a Amazon, lá por 2000, 2001, começou a fazer sugestões de livros que cada pessoa individualmente vai gostar, era isso. Ela percebe que um leitor que gosta de tais e tais livros, gosta também de tais outros. Compara muitos milhões de leitores e, olha, vai ficar muito esperto, muito rápido.

A gente vê aprendizado de máquina, machine learning, a toda hora. Abre a Netflix, ela recomenda que séries e filmes a gente vai gostar como? Pois é. Abre uma rede social. Qualquer uma. Quando recomenda os tuítes pra gente, os reels, os vídeos de TikTok, tudo isso é baseado num algoritmo da primeira geração de IA que sai tentando entender o que vai nos engajar. Nos deixar emocionalmente ligados ali naquele debate. O que, portanto, vai fazer com que fiquemos muito tempo naquela rede. Voltando e voltando.

Estamos na terceira geração. E a segunda, o que foi? E como que tudo isso se intercarla com mudanças climáticas e com a crise da democracia? Vamo seguir nessa conversa.

O GooglePhotos, lançado em 2012, é provavelmente a primeira aplicação para grande público da segunda geração de Inteligência Artificial. Àquela altura, já haviam acontecido alguns avanços na ideia de como trabalhar aprendizado de máquina e o mais importante é o que chamamos redes neurais. É como se, de certo modo, vários algoritmos fossem ligados uns aos outros como os neurônios são ligados no cérebro. Aumenta sua capacidade de aprender.

Se a primeira geração foi capaz de perceber padrões de comportamento humano que se repetiam, a segunda conseguiu emular os sentidos humanos. Então o GooglePhotos é capaz de reconhecer o rosto das pessoas, separar um bicho de estimação do outro, pode perceber em que cidade estamos. Faz tudo isso porque, de certa forma, é capaz de enxergar. Ou simular a visão. O mesmo sistema está num carro autônomo, que consegue ver o que está à frente e dirigir por conta própria. Mas, olha, a mesma coisa está também nas caixas de som inteligentes, capazes de simular o sentido da audição. Ouvem o que falamos e executam ordens.

Se a primeira geração foi capaz de decodificar a maneira como nos comportamos e identificar como somos, se a segunda emula nossos sentidos, o que a terceira geração faz é emular o ato da criação. Produz textos, cria imagens.

O ponto aqui é o seguinte: em dezembro de 2022, Lula recém-eleito presidente da República, nós fomos coletivamente apresentados ao ChatGPT 3.5. Foi uma explosão. Ele era capaz de produzir textos muito críveis. Naquele mesmo ano, uns meses antes, começamos todos a bricar com Midjourney, Dall-E, os vários sistemas para criação de imagens estáticas. Tinha um espaço de brincadeira, afinal aquele bando de fotografia com seis, sete dedos numa mão, né? Mas no geral, muito impressionantes.

Em 2023 veio o GPT 4. Agora com capacidade de falar, de ouvir pedidos por áudio, capaz também de receber arquivos PDF ou texto para produzir resumos ou responder a nossas perguntas sobre ele. Olha, ficou muito mais útil. Eu trabalho com uma janela de ChatGPT aberta o tempo todo. Fazer pesquisa em uma base de dados de textos de confiança é muito mais simples. Baita ferramenta.

Agora, primeiro semestre de 2024, versão 4o. Ele passa a ser multimodal. Ou seja, ele passa a entender simultaneamente o que vê, o que ouve, o que lê. Podemos apontar para um lugar com a câmera do celualr e fazer perguntas ao GPT. O fato de que ele ouve e vê quer dizer que podemos conversar com ele. Não é a mesma coisa das assistentes digitais que temos em casa. Não. Com esse camarada a gente passa a ser capaz de interagir numa conversa, conversa mesmo. Dá um bando de PDFs pra ele e começa a fazer uma pergunta como se ele fosse um professor.

O que é preciso entender sobre IA é que tudo segue baseado naquela mesma coisa lá atrás. Capacidade de processamento de computador e capacidade de armazenamento. Quatro empresas no mundo têm isso como ninguém mais. Google, Amazon, Meta e Microsoft. Que são as quatro líderes em IA. Microsoft com a OpenAI em primeiro, Google em segundo, Amazon com uma empresa chamada Anthropic e Meta em terceiro, meio que empatadas. A cada ano que os algoritmos vão sendo mais treinados, mais eles crescem. Mais melhoram. Há um ano e meio veio o ChatGPT 3.5. Agora o ChatGPT 4o reconhece nossas emoções e conversa como se fosse gente. O crescimento é exponencial. Ano que vem vai estar onde? E no ano de 2026, quando tivermos eleições presidenciais?

Vejam, inteligência artificial já interfere na política. A primeira geração. Os algoritmos decidem quem o Brasil vai ouvir e quem não será ouvido. Isso não tem nada a ver com liberdade de expressão. Ninguém é livre para dizer o que pensa se é a plataforma que decide quem será ouvido. E as vozes privilegiadas são sempre as mais exaltadas, nunca as buscam consenso.

Isso tem efeito direto nos nossos parlamentos. Deputados demais emperram a possibilidade de haver acordos porque ficam posando pras redes. Ficam radicalizando porque é isso que o algoritmo quer. O resultado são parlamentos travados. Aqui, no mundo. Enquanto isso essa tecnologia vai começar a desempregar mais e mais gente. Não é só motorista de Uber ou motoboy de entrega. Advogados, jornalistas, médicos, economistas. Tem muito trabalho intelectual que vai ficar mais simples e mais rápido de fazer.

Esses sistemas estão também indo numa linha de parecerem gente. Envolvem emocionalmente como nenhum TikTok é capaz de chegar sequer perto. Se hoje, com a primeira geração, já estamos totalmente manipulados numa máquina de gerar cizância, de rachar sociedades, de deixar todo mundo indignado com os outros e posando de virtuosos, como vai ser quando essa tecnologia chegar ao máximo.

Quais são as regras que estas empresas precisam seguir? Como cuidar de quem ficar sem emprego? Como treinar tanta gente para um mundo radicalmente novo, com novas profissões que, ainda por cima, enfrenta mudanças climáticas violentas? Esse futuro está chegando muito rápido. E estamos perdendo energia demais discutindo bobagem.

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