Imane Khelif: o que a polêmica revela sobre o machismo nos esportes
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A atleta olímpica Imane Khelif, medalhista de ouro no boxe na categoria até 66 kg, tornou-se notícia não apenas por sua performance, mas por conta da polêmica em torno de seu gênero. Nascida e criada como mulher, Khelif não se identifica como transgênero nem como intersexo; ela é uma mulher cisgênero. No entanto, sua identidade de gênero foi questionada nas redes sociais, levando o Comitê Olímpico Internacional a se pronunciar em sua defesa. O tema dominou a coletiva de imprensa do presidente do COI, gerando intenso debate. Segundo seu treinador, ele até pediu para ela não usar as redes sociais por um tempo, pela quantidade de ataques em sua direção.
Nesta semana, Khelif afirmou que ser chamada de trans a envergonhou, bem como sua família e seu país, causando um novo rebuliço. A reação negativa à fala de Khelif, que enfrentou tanto abuso online a ponto de abrir um processo por cyberbullying contra figuras como J.K. Rowling e Elon Musk, levanta a questão: seria a atleta transfóbica? Ué?
Embora figuras públicas tenham questionado a identidade de gênero da lutadora, ela continua sendo uma mulher cisgênero.
Para a Associação Nacional de Travestis e Transexuais do Brasil, a fala revela um preconceito sobre como a identidade trans é vista globalmente. Khelif foi vítima de um ataque global de conspiração antitrans.
Vídeos dela ajustando o shorts eram usados como munição para questionarem, erroneamente, seu gênero. Essa campanha de pânico antitrans não é novidade, o pânico moral em torno dos “costumes” também não é novo.
A questão é que nesse debate onde se procuram sinais masculinos em corpos femininos para hostilização – todos perdemos.
Imane é mulher. Ela é atleta. Ela é argelina. Ela vem de um país onde ser LGBTQIA+ é motivo para prisão de até 3 anos.
A Argélia baniu o filme Barbie em 2023 por pânico moral.
Não teria como Khelif representar o seu país se ela fosse qualquer coisa além de uma mulher cis hétero.
E não é de hoje que mulheres são questionadas por sua sexualidade ou gênero por serem boas no esporte.
A pressão sobre o corpo feminino no esporte é um tema recorrente, especialmente entre as meninas que abandonam as atividades esportivas por conta da baixa autoestima e da pressão social. De acordo com uma pesquisa realizada por Dove e Nike, quase metade das meninas entre 11 e 17 anos desiste de praticar esportes, sendo que a baixa confiança com o próprio corpo é o principal motivo.
Relatos de garotas que largam os esportes que amavam porque sentiam que precisavam emagrecer, fazer mais aeróbico, regimes malucos. E desistem, por pressão. Relatos de meninas que sofriam bullying por terem as costas largas por fazerem natação. Por terem traços considerados masculinizados.
Nessa busca sem sentido por sinais masculinos em corpos femininos, todos perdemos. Perdemos futuras atletas, lançamos um pânico moral e perdemos a dimensão do que está sendo questionado.
Afinal, o problema nunca foi se Khelif é trans ou cis. A ideia é descredibilizar uma mulher em posição de destaque, é descredibilizar mulheres. Ainda assim, a pressão que recai sobre as mulheres, especialmente no esporte, é implacável.
O pânico moral, historicamente, marginaliza mulheres que se destacam em suas áreas, questionando suas identidades ou orientações sexuais. A história de Imane Khelif é um reflexo disso. Ela é uma mulher, uma atleta e uma argelina que vive em um país onde os direitos LGBTQIA+ são praticamente inexistentes, porque são criminalizados.
Não teria como Khelif representar o seu país se fosse qualquer coisa além de uma mulher cisgênero e heterossexual. Não tem como esperar que em qualquer entrevista ela terá um posicionamento diferente do que o seu país tem como legislação. Ela representa a Argélia, afinal de contas.
E esse papinho colou muito aqui no Brasil, tá? Com um deputado federal postando vídeo procurando por um pênis na lutadora.
Nessas horas que é preciso lembrar que o Brasil é o que mais mata pessoas LGBTQIA+. E que pânico moral e opinião não se deve ser discutido em lugares do Estado.
Deixo aqui até a fala da Erika Hilton: “Não vamos permitir que o Parlamento se organize para discutir nossos direitos baseado em opinião. Aqui é lugar de fazer lei e de ter compromisso com a vida das pessoas.”
Mesmo quando triunfam, suas identidades são colocadas em dúvida, e as expectativas irrealistas em relação à aparência continuam a afastar meninas e mulheres dos esportes. No fim das contas, não se trata apenas de Khelif, mas de todas as mulheres que enfrentam a hostilidade e a pressão de provar sua feminilidade.