Flávio Bolsonaro quer um novo golpe
O senador Flávio Bolsonaro foi à Folha de S. Paulo, no sábado, propor um golpe de Estado ao presidente eleito em 2026. Isso mesmo. Um novo golpe de Estado. Não é aquele de 2022, agora é outro.
Calma. Respira fundo. Vamos explicar. Essa é uma entrevista longuinha feita pelas jornalistas Thaísa Oliveira, Marianna Holanda e Gabriela Biló, e vale ler na íntegra. Mas vale, igualmente, fazer um resumo aqui pra gente entender um pouco o que os caras pensam ou, ao menos, como eles argumentam.
Primeiro, o senador explica que Jair Bolsonaro jamais pensou em dar um golpe. O que ele buscou foram alternativas constitucionais para a situação. “Não é discutir golpe”, ele diz. Entre aspas. “Dentro da Constituição, tem lá estado de sítio e estado de defesa.”
O ponto que ele tenta fazer, e é o argumento que os advogados do ex-presidente querem emplacar, é de que tudo que Bolsonaro pensou em fazer naqueles meses finais de 2022 era rigorosamente legal. O Flávio, aliás, vai além. “Até porque não é um decreto que ele assina e, no mesmo dia, estão tropas nas ruas, prende todo mundo, como naquela maluquice do plano Punhal Verde e Amarelo. Se tivesse assinado, poderiam falar: ‘Realmente, ele iniciou um processo’.”
Não é interessante? Ele admite que o plano Punhal Verde Amarelo foi feito. É o plano que chegou a considerar as mortes de Alexandre de Moraes, do presidente Lula, até de seu vice Geraldo Alckmin. Flávio quase sugere que foi à revelia de Bolsonaro que se inventou isso. “Se tivesse assinado”, mas não assinou.
Tem método nisso. Eles sabem que a Polícia Federal tem prova de tudo. De que se pensou em fazer um Estado de Defesa ou um Estado de Sítio no TSE, que chegou-se a planejar o assassinato de quem poderia se opor ao golpe. Então não adianta negar. É preciso contar uma história que admita aquilo que pode ser provado sem admitir o golpe. Como é que faz isso? Bem, o Punhal Verde Amarelo o presidente não assinou e cogitar Estado de Defesa ou de Sítio, ora, isso está na Constituição.
E é verdade. A Constituição considera a possibilidade de Estado de Defesa ou de Sítio. Só tem um detalhe. Era pra quê? Pra impedir a posse do presidente legalmente escolhido pelos brasileiros numa eleição regular, legal, aberta, com regras conhecidas. Com rigorosamente o mesmo sistema que usamos há trinta anos, uma eleição após a outra. A Constituição não prevê qualquer emergência porque uma eleição foi promulgada e o presidente do momento a perdeu. Esta não é uma emergência. É o curso livre da democracia. Inventar um jeito de impedir a posse é a definição de golpe de Estado.
Mas aí nosso honrado senador fala de qual o plano para a eleição de 2026. Bolsonaro dá a bênção a um candidato. Este candidato então faz um acordo de fazer uma anistia geral. Vamos lá, mais umas aspas do Flávio. “A anistia é a saída honrosa para todo mundo. Para o Supremo, para o Alexandre de Moraes e para o Congresso, que está sendo muito humilhado em todo esse processo por ter deixado de defender institucionalmente parlamentares.”
É o novo Romero Jucá. “Um grande acordo nacional, com o Supremo, com tudo.” Só tem um problema. Lá atrás, interessava à toda classe política o fim da Lava Jato que estava ameaçando prender todo mundo de todo lado. Aqui, só quem está com risco de prisão são generais, Bolsonaro, mais um ou outro. Neste processo o Congresso não tem papel, não corre qualquer risco.
Sabe sobre quem Flávio não falou? Sobre aquela turma que seu pai, no depoimento ao Supremo da semana passada, chamou de malucos. Toda a turma presa após o 8 de janeiro sumiu do discurso do bolsonarismo. Por quê? Lá no ano passado, início deste, havia algumas pesquisas internas, dos partidos políticos, sugerindo que a prisão da arraia miúda que invadiu os palácios na Praça dos Três Poderes era bastante impopular. Mas as grandes pesquisas nacionais não apontam isso. Os líderes bolsonaristas nunca estiveram nem aí para aquelas pessoas. Foram todas usadas como massa de manobra para tentar criar um ambiente, uma GLO, que desse uma última chance para o golpe militar acontecer. Queriam botar o Exército no comando da segurança de Brasília na esperança de um general apontar o canhão dum tanque pro Planalto e suspender a democracia brasileira. Não teve GLO, não teve golpe.
Mas e o golpe novo, o golpe de Flávio? Ele quer do presidente apoiado por Bolsonaro, se ganhar, que enfrente o Supremo. Que desobedeça uma ordem do STF caso a corte decida que um perdão para os golpistas atuais é inconstitucional.
Por que isso é um golpe? Um golpe de Estado é a ruptura da Constituição por quem tem poder dentro do Estado para mudar a ordem política. De acordo com a Constituição, quem decide se algo é constitucional ou não é o Supremo. Nenhum outro poder. Sim. Isto quer dizer que o Supremo deve interromper qualquer decisão do Legislativo ou do Executivo se considerá-la fora da Constituição. Se um presidente ou o Parlamento decidem ignorar esta autoridade do STF, está rasgada a Constituição e um golpe aconteceu.
E em que contexto Flávio Bolsonaro diz isso? No contexto da reaproximação de Jair Bolsonaro com Tarcísio de Freitas. Essa reaproximação muda muito o jogo eleitoral do ano que vem. Quer dizer, Flávio está mandando um recado. Tarcísio não poderá sair candidato como um moderado. Para ter o apoio, precisa vir com camisa da Seleção, falando talkey, e o modo bolsonarista a toda.
Vamos analisar. Eu sou Pedro Doria, editor do Meio.
Sabe, a gente precisa conversar sobre que tipo de espaço existe para podermos falar abertamente sobre valores. Sobre o que é sermos brasileiros todos. Não os vermelhos de um lado e os amarelos do outro. Sobre quem somos em conjunto. Não estamos tendo essa conversa. Este é um ato de cidadania. Aqui no Meio a gente defende a liberdade de ouvir dois, três lados, para então fundamentar a construção de um pensamento crítico e que seja seu, de fato. Mas para isso a gente sabe, é preciso construir repertório. E o Meio Premium é ideal para isso. Reportagens exclusivas, newsletters especiais aos sábados e às quartas e streaming por apenas R$ 15 por mês. Assine. Te garanto que vai fazer a diferença nas suas conversas.
E este? Este é o Ponto de Partida.
A oferta que está na mesa de Tarcísio é a seguinte: ele é candidato à presidência com Michelle Bolsonaro de vice. Por um lado, isso fortalece a candidatura da direita. Tarcísio só abandona a disputa pela reeleição em São Paulo se tiver o apoio de Bolsonaro. Se este apoio for dado, com Michelle de vice, isso quer dizer que o PL não lança candidato próprio. Apoia o Republicanos do governador. Mas quer dizer mais. Junta-se ao grupo Gilberto Kassab e o PSD, o que tira do jogo tanto Ratinho Júnior quanto Eduardo Leite.
Tarcisio é a liga deste projeto. Sem o apoio claro e inequívoco de Bolsonaro, ele fica em São Paulo. O PL lança outro candidato, que não terá o apoio de Kassab. E o PSD lançará Ratinho ou Leite. Mas, se Tarcisio sai, dá liga.
Tem alguém por fora? Tem. O governador mineiro Romeu Zema e seu partido Novo. Não tem partido relevante, não tem dinheiro por isso mesmo pra campanha e, de acordo com as pesquisas, as chances de decolar são mínimas. Tem, igualmente, o governador goiano Ronaldo Caiado, do União Progressista. Tem partido grande e tem dinheiro. Está com dificuldades de sair de Goiás. Claro que, se estiver sozinho no jogo contra Lula e Tarcísio, tem algum potencial de crescer como o candidato de quem não quer nem um, nem o outro. Mas é uma corrida bem difícil, essa, com quase todas as forças de direita fechadas no entorno de um nome só. Periga até o União puxar o tapete debaixo dos pés de Caiado.
Esta fica uma eleição com segundo turno impossível de prever. Pode dar Lula, pode dar Bolsonaro. Esse jogo é bom para o governo, de certa forma.
Porque, sabe, é bom pra Tarcisio, mas não é de todo. Ele vai ter de se enrolar na bandeira bolsonarista e, ainda mais se tiver Michelle de vice, vai ser impossível se distanciar. Ele é Bolsonaro de novo na presidência. Ou seja, Lula vai poder fazer campanha dizendo que precisamos derrotar os golpistas e novo. E sabe o que é o pior? Se Tarcisio precisar mesmo responder a jornalistas que ele vai peitar o Supremo, que vai desobedecer uma decisão de inconstitucionalidade, ele já se expõe como alguém que está lá pra pressionar a democracia.
Para dar um golpe de Estado.
Essas duas coisas não aconteceram sem querer. Tem jornalista batendo à porta de Flávio Bolsonaro para ele dar uma entrevista como essa todo dia. O depoimento de Jair Bolsonaro foi na semana passada. Deu para sentir a temperatura do Supremo. Bolsonaro será preso por ter iniciado o processo para um golpe de Estado. Não deu porque alto-comando do Exército não quis. Ele só tem um caminho para se safar, é eleger um presidente que lhe dê perdão. Para isso, precisa unificar a direita. Só acontece com a candidatura Tarcisio.
Mas Tarcisio, Flávio está dizendo, tem de garantir algo em troca. Publicamente. É dar o perdão e, quando o STF disser que crimes contra a democracia não são passíveis de perdão, desafiá-lo. Dizer que o Supremo não pode fazer aquilo que é seu papel constitucional mais importante. O de decidir constitucionalidade.
Agora o jogo está do lado de Tarcisio. É dele o próximo movimento.
Aguardem as cenas dos próximos capítulos. Não vai ser sem emoção.