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O PT ganhou essa

Pela primeira vez, a esquerda venceu a direita nas redes sociais. A campanha puxada por PT e governo contra o Congresso Nacional funcionou. Vocês devem ter visto, né? O Congresso quer proteger os ricos e o Planalto quer cobrar mais imposto dos ricos. Esta é a mensagem do governo nas redes. Um monte de vídeos feitos com inteligência artificial, um deles inclusive citando de forma irônica o presidente da Câmara, Hugo Motta, ou Hugo Nem se Importa, que virou o grande bandido da história.

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A essa altura, já temos dados a respeito dessa vitória vinda de pelo menos três fontes. Primeiro, Quaest. 4,4 milhões de menções sobre a história entre 24 de junho e 4 de julho, com alcance médio de 32 milhões de visualizações por hora. Sim, isso quer dizer que muita gente viu bem mais do que uma vez. A Quaest diz que “Inimigos do povo” e “Congresso da mamata” foram as expressões mais presentes. O nome de Hugo Motta apareceu em 8% das menções. É muito. Entre 25 de junho e 2 de julho, a Bites detectou um milhão de publicações pró-governo, com 6 milhões de interações. E uma terceira agência, a Nexus, foi no detalhe ver onde circulou mais. 95% no X, 4% no Facebook, 1% no Instagram. Agora, este é um ponto de atenção: segundo a Palver, a discussão ficou principalmente nas redes sociais. Não chegou ao Zap e ao Telegram. O predomínio no X, no Twitter, né?, e a ausência no Zap mostra que foi uma conversa mais entre quem tem o hábito de discutir política do que nos grupos menos politizados. Mas, olha, os trackings internos do Palácio do Planalto indicam um aumento de popularidade de Lula e uma queda da percepção do Congresso. Isso na população geral. Não é expressivo, mas é acima da margem de erro. O Planalto ganhou essa. Pela primeira vez.

Agora, vamos lá. Como é que o governo acertou? Essa pergunta é importante pelo seguinte. Acertar uma vez, acerta-se sem querer. Acontece. Para acertar de novo e de novo é preciso entender qual é o truque.

Primeiro, o tema: segundo o Datafolha de abril, 76% dos brasileiros são a favor de aumentar os impostos dos muito ricos. Esse é um tema sobre o qual a maioria dos brasileiros concorda. A pauta é popular. Essa ideia de ricos contra pobres cola porque já tem, de largada, boa aceitação. Então a primeira diferença é essa e não é irrelevante. A esquerda encontrou algo que ela defende e com a qual a maioria da população concorda. Não é discurso identitária, não são pautas de comportamento. É dinheiro e luta de classes, uma pauta tradicionalíssima de esquerda. Parece óbvio, mas num país que tende ao conservadorismo não é tão simples assim encontrar essas pautas.

Em segundo, e igualmente importante, é a forma. Você pega por um lado uma ideia que tem grande aceitação popular e, pelo outro, dá um inimigo a combater. Truque velho de marketing, mas de novo: funciona. O Congresso é contra aquela coisa que a sociedade deseja. O governo tenta, mas não consegue. Que injustiça. Qualquer história de mocinho e bandido a gente compreende de primeira. É fácil de assimilar. É, também, a base do populismo.

A gente usa muito essa palavra, né? Populismo. Mas a maioria das pessoas não sabe o que quer dizer. Populismo é uma técnica de discurso político. Você põe no centro do seu movimento um líder, esse líder se diz representante dos desejos do povo, e afirma que a única coisa que nos separa da felicidade geral da nação é vencer um inimigo, uma elite, que a tudo controla. Ou seja, para o Brasil pagar as contas, é só o Congresso deixar. Mas, não. O Congresso protege os ricos e impede que o dinheiro chegue ao povo. O povo carrega esse país nas costas enquanto a elite malvada engorda.

Jair Bolsonaro é puro populismo. Em seus discursos, ele é o líder do verdadeiro povo brasileiro contra os funcionários do Estado, as universidades, os artistas e a imprensa, todos a serviço do marxismo cultural. Lula, e o PT, são um pouco mais complicado do que isso. O discurso era populista, contra as elites, nos anos 1980 e 90. Mas em 2002 e 2006, assim como na eleição de 2010, deixaram o populismo de lado. Buscaram um discurso inclusivo. Em 2014, ele voltou pesado como arma eleitoral porque Dilma chegou muito perto de perder. Em 2022, Lula optou novamente por um discurso moderado.

Então se essa lógica faz parte das ferramentas no arsenal do PT, o que que há de novidade aqui? Muito simples. O PT, quando lança mão do discurso populista, o faz em campanha. Pra governar, porque sabe que precisa negociar, evita de ficar chamando todo mundo de inimigo do povo. Agora, surpreendentemente, fizeram essa escolha. Claro, é muito eficaz nas redes. Só que tem o seguinte: mais um ano e meio de governo. E precisa muito do Congresso. Talvez ganhe a parada do IOF. Talvez. É possível. Mas e nas outras pautas? Na prática, é boa ideia o Palácio do Planalto bater de frente com o Congresso Nacional? A longo prazo, vai ficar mais fácil governar? Ou será que isso quer dizer que o governo Lula chegou à conclusão de que a campanha começou, o Congresso não aprovará mais nada e não adianta sequer tentar?

E o pior é que ainda tem uma última pergunta infeliz: é verdade? É verdade que o PT governa tirando dos ricos para dar aos pobres? A resposta é não, tá? Vamos entrar em detalhes.

Eu sou Pedro Doria, editor do Meio.

Rapidinho, dois segundos doutro assunto antes de voltarmos. Nós não estamos conversando sobre Israel e Palestina. Nos dividimos em grupos, cada um do seu lado xingando o outro. Pois é. É sempre assim nas redes. Usamos palavras fortes, tratamos o lado do qual não gostamos como a pior gente que existe. Às vezes, fazemos parecer que este conflito nasceu no 7 de outubro de 2023. Ou em 1967. Ou, mesmo, em 1948. É muito mais antigo do que isso.

Estive por dez dias, em Israel, em fevereiro deste ano. Conversei com políticos árabes e judeus, com ativistas árabes e judeus, com gente nas ruas. Fui do norte ao sul do país. Ao voltar pro Brasil, mergulhei nos livros. O resultado deste trabalho ficou pronto agora. No próximo dia 10 de julho estreiam no streaming do Meio três episódios especiais do Ponto de Partida, a série. Está lá a história e também a política. No todo, no conjunto os três filmes são um clamor pela paz. Uma defesa da solução de dois estados, um para cada povo. Não há outra solução que não essa.

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E este aqui? Este é o Ponto de Partida.

Os governos petistas têm duas fases. Na primeira, com o Estado organizado e a moeda estável, tocou uma política econômica liberal que inclui um tripé: responsabilidade fiscal, construção de uma reserva monetária para servir de proteção contra crises externas e programas de distribuição direta de renda. Bolsa Família. Isso levou a ganhos reais no coeficiente Gini, que mede desigualdade. Na segunda fase, O final do período Lula e o governo Dilma, a política virou desenvolvimentista. O bom pedaço dos ganhos em diminuir a desigualdade se perderam.

Estamos em 2025. O PT governou por 17 anos neste século. Em momento algum tentou mexer pesado na política tributária até o momento em que o atual governo pegou uma reforma que já estava pronta para aprovar. E, ainda assim, simplificou mas não resolveu os problemas distributivos. Sabe por que quem tem dinheiro paga menos imposto e quem não tem paga mais? A gente cobra muito imposto em cima do salário e em cima de consumo. E cobramos pouco imposto sobre ganhos em investimentos. Ou seja, aqueles que fazem mais dinheiro porque já têm muito dinheiro pagam pouco se fizerem investindo na bolsa, em fundos. Quem vai ao supermercado e tem carteira de trabalho assinada paga muito. Você sabia que é mais negócio, se seu salário for alto, ser PJ do que ser CLT? Pelo Simples, você pagará muito menos imposto.

E aí tem o problema que são os pés de barro da esquerda latino-americana. O desenvolvimentismo. A crença de que é preciso ajudar o empresário para que ele gere PIB e empregos em troca. Tome isenção de imposto. As desonerações fiscais, ou seja, imposto devido que o governo abre mão de recolher para o empresário investir, somam meio trilhão de reais. Mais de 500 bilhões. Um bom pedaço disso inventado durante o governo Dilma. Sabe quanto o aumento do IOF traria, em 2026, se tudo desse muito certo? 40 bilhões.

Se o objetivo é cobrar menos imposto de quem tem menos e mais dos ricos, a política do governo teria de ser outra. Teria de ser combater as desonerações, mexer no Simples, propor taxação de investimento mesmo, não pelo IOF. Porque aumento do IOF pega todo mundo que faz um crediário, que tem uma dívida no cartão. Só ferra mais esse pessoal. Ou você acha que o Estado precisa dar dinheiro a empresário ou você acha que precisa cobrar dos mais ricos. Os dois não cabem na mesma equação.

Durante o fim de semana, uma turma de aloprados puxou uma campanha via redes sociais pedindo guilhotina para a filha criança de um empresário rico. Uma menina de 5 anos. Porque ela apareceu numa foto com uma bolsa de 14 mil reais. A deputada federal Erika Hilton posou, também na semana passada, com uma bolsa de 27 mil reais. Na mesma rede social. Do Psol.

O Brasil é desigual e este certamente está entre os maiores problemas do país. O povo sabe disso, sente isso. O discurso populista funciona nas redes, funciona muito. Deixa as pessoas indignadas. Inflamadas. Põe o país em clima de guerra. Qual o problema da tática para a esquerda? São dois. Por um lado, a escolha de bater de frente com o Congresso traz o risco de não conseguir mais governar. Por outro, é a direita populista. Se ela acertar o discurso, danou-se. Militante de esquerda com raiva mexe as redes e termina nessas coisas: pedindo revolução, pedindo guilhotina pra criança. Se o povo perceber a hipocrisia do discurso do governo e o ódio da militância raiz, o truque de marketing se volta contra quem o criou.

Quer mexer na taxação? É bom começar a propor mexidas reais.

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