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Leite e Bolsonaro

“Se houver um cenário de terra arrasada, pelo menos estarei vingado desses ditadores de toga.” A frase é do deputado federal licenciado Eduardo Bolsonaro, em entrevista à CNN Brasil, na sexta-feira passada.

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É uma frase muito rica, sabe, que abre um espaço imenso para análise. Porque ela é clara. Mas vamos começar da base. O que é ser patriota? Dicionário Michaelis. “Pessoa que ama a sua pátria e procura servi-la.” Wikipédia. “É o sentimento de devoção à pátria.” Nenhum mistério aqui, né? Esse sentimento de patriotismo está no discurso de políticos, de esquerda e de direita, há séculos. A retórica patriótica é muito forte sempre. “Esta é a cidade pela qual estes homens lutaram e morreram nobremente. É de nossa natureza que cada um de nós esteja disposto a se sacrificar em seu serviço.” Péricles, sobre Atenas, 431 antes de Cristo. A gente nem precisa ir tão longe. “Lutaremos nas praias, lutaremos nos campos de pouso, lutaremos nas colinas. Jamais nos renderemos.” Winston Churchill afirmando, durante a Segunda Guerra, que os britânicos morrem lutando mas não se rendem à agressão alemã. “Não perguntem o que seu país pode fazer por vocês, perguntem o que vocês podem fazer por seu país”, John Fitzgerald Kennedy tomando posse como presidente. E, claro, somos brasileiros. “Agora vos ofereço a minha morte. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na História.” Getúlio Vargas, que considerava estar sendo injustiçado pela máquina da imprensa, do governo, da Justiça. Na cabeça dele, achou que a opção digna e patriótica era um tiro no peito para não sacrificar o Brasil.

Eduardo Bolsonaro? “Se houver um cenário de terra arrasada, pelo menos estarei vingado desses ditadores de toga.”

Eu quero ser claro, aqui. A gente não pode deixar as coisas subentendidas na internet e nem deve. Ser claro é bom. O que um patriota faz é se sacrificar pelo seu país. O que um patriota não faz é sacrificar o país para se vingar. Eduardo Bolsonaro não está nem aí pelo Brasil. Esses caras não são patriotas.

É claro que não vou convencer nenhum bolsonarista. Mas bolsonaristas representam algo entre 10 e 13% do eleitorado brasileiro. Não é a direita, não, tá? Mais de metade dos brasileiros são de direita. Brasileiros que se identificam como de esquerda, em todas as pesquisas que fazem essa sondagem, nunca chegam a 30%. Em geral está ali pelo um quarto de toda a população. Às vezes, a polarização das redes sociais, faz parecer que o Brasil tem mais ou menos metade de lulistas e mais ou menos metade de bolsonaristas.

Não é verdade. Então como é que a gente sai dessa armadilha na qual nos metemos? Nós dependemos da direita brasileira. Não dos políticos da direita. Os políticos da direita, neste momento, acham que precisam botar a camisa da Seleção e ficar defendendo Bolsonaro. Gente, os Bolsonaro são isso aí que a gente está vendo. Fundamentalmente indignos. Porque o pai está ameaçado de ser preso, decidiram que vão trabalhar pra transformar o Brasil, e todos os brasileiros juntos, em terra arrasada. Dependemos dos eleitores de direita, dos eleitores de centro-direita, dos eleitores de centro. Para o Brasil sair desta piração na qual nos metemos e da qual a gente precisa sair, só tem um jeito. A direita virar as costas pra Bolsonaro.

E sabe do que? Muita gente quer. Na sexta-feira, o governador gaúcho Eduardo Leite publicou o segundo vídeo mais visto da história das suas redes sociais. Só perde para um, daquele momento em que o Brasil parou comovido com as cheias do Rio Grande do Sul, e ele divulgava o PIX para doações. Claro que aquele foi o vídeo mais visto. O segundo mais visto? Agora. Eduardo Leite é o primeiro político fora da esquerda que, nesta situação, teve a coragem de dizer Bolsonaro não. Que teve a coragem de dizer o óbvio: não pode alguém que ambiciona retornar ao comando do Brasil trabalhar no exterior para atacar todos os brasileiros.

Tarcisio de Freitas se comportou com uma indignidade abjeta. Chamou Bolsonaro de corajoso. Chamar de corajoso um sujeito que banca o filho mimado para tornar o Brasil terra arrasada. Que nojo, Tarcisio. Que nojo. Não sobra um pingo de dignidade em você? Até quando você se curva a essa família? Ronaldo Caiado, que governa um Estado cuja indústria vai sofrer barbaramente pelas tarifas de Donald Trump, foi pelo mesmo caminho. Só não puxou o saco no mesmo nível de Tarcisio. Ratinho Junior segue pura cautela. Não sabe como se posicionar. Eduardo Leite é o único pré-candidato, até este momento, que teve coragem de dizer o óbvio. Que esta família é uma desgraça brasileira.

Claro. A esquerda está toda reclamando do discurso de Leite. Mas não importa. Não é com o quarto do eleitorado brasileiro que vota na esquerda que o governador gaúcho está conversando. É com os outros três quartos. E não me entendam mal. Esta não é uma defesa de Eduardo Leite candidato. É só uma constatação. Ele é um político que está tentando descobrir se existem lá fora eleitores dispostos a ouvir uma mensagem que seja contra o governo Lula mas que diga, ao mesmo tempo, que não há mais espaço para Bolsonaros na política brasileira.

Se ele provar que esse espaço existe, outros terão coragem de fazer o mesmo.

Eu sou Pedro Doria, editor do Meio.

A gente já volta ao assunto. Mas uma pausa rápida: Você já deve ter ouvido muita coisa sobre o conflito entre Israel e Palestina. Mas gente tentando entender ambos os lados ao invés de defender com unhas e dentes um “vencedor”, isso… Isso eu tenho certeza que não tem por aí. Foi assim que surgiu a ideia dos novos episódios do Ponto de Partida – A Série. Milhares de pessoas já assistiram no streaming do Meio e os comentários que chegaram foram muitos. Teve quem dissesse que deveria ser material para ser visto até nas escolas. Teve gente que agradeceu por, pela primeira vez, ter entendido o contexto. E teve quem nunca imaginou aprender sobre os povos cananeus vendo um documentário. Olha, daqui fico feliz de saber que a série está cumprindo o papel dela. Se você ainda não assistiu, talvez seja a hora. Assine o streaming do Meio e tire suas próprias conclusões.

E este? Este é o Ponto de Partida.

A crítica da esquerda ao vídeo de Leite, em essência, parte do princípio de que ele faz uma falsa equivalência. A questão é a seguinte: o Brasil está polarizado entre Lula e Bolsonaro. Eles são os dois políticos no Brasil que têm um grande contingente de eleitores que são igualmente torcedores. Nenhum outro político tem uma base de fãs. Eles, têm. Então qualquer um que gostaria de uma terceira opção precisa dizer que está farto de ter só essas duas. E, olha: o que as pesquisas dizem é que algo entre 60 e 70% dos brasileiros gostariam de ter uma terceira escolha.

A esquerda diz que não tem espaço para terceira via. Bem, uma hora terá. A esquerda precisa, mesmo, convencer todo o eleitorado de que a escolha é essa. Ou Lula, ou Bolsonaro. De que não há outra escolha. E de que todo mundo que disputar a eleição com Lula é um representante de Bolsonaro. Estrategicamente, é exatamente isso que a esquerda tem de fazer. Sabe por quê? Porque no momento que houver no segundo turno uma candidatura contra Lula que denuncie Bolsonaro, este homem ou mulher são eleitos e Lula não tem chance. É uma vitória fácil. Contra um bolsonarista a briga é voto a voto como foi em 2022.

É claro que um candidato de centro-direita vai falar mal de Lula. E, olha, não vamos nos enganar. Donald Trump está atacando o Brasil porque o bolsonarismo está em campanha lá nos Estados Unidos para que ele bata duro. Mas não vamos fingir que o governo é a favor dos Estados Unidos, né? Lula é antiamericanista. Seu governo faz acordos com os Estados Unidos, sim. Lula teve bom relacionamento com George W. Bush e Barack Obama. Obama o chamou de “o cara”. O governo fez bons acordos com os americanos. Mas, principalmente desde que assumiu seu terceiro mandato, sempre que teve a oportunidade de estar contra os Estados Unidos, o governo Lula fez exatamente essa escolha. Sempre que pode provocar, provocou. Isso o torna responsável pela crise? Não. Eduardo Bolsonaro está dizendo que o ataque é por causa de Bolsonaro e Trump está dizendo que o ataque é por causa de Bolsonaro. Ninguém está dizendo que o problema é Lula.

Ainda assim, o ponto é o seguinte: um candidato de direita será um candidato anti-Lula. Claro. A disputa é contra Lula. Não importa o que a esquerda acha de qualquer candidato que saia da direita. Não são os eleitores de esquerda que votarão nessa pessoa. São os de direita. Os votos que essa pessoa precisa atrair são os da direita não-bolsonarista e os de centro que gostariam de uma mudança. Tem um universo inteiro aí.

Política é um jogo de conquista de territórios. Nenhum político fora da esquerda teve, até aqui, a coragem de dizer “Bolsonaro, não”. Quando fez isso, Eduardo Leite conseguiu a maior audiência de um vídeo seu nas redes sociais. Este não é um território conquistado ainda, mas tem um cheiro no ar de que esse espaço existe. De que esse espaço pode existir. Depois deste ataque dos Bolsonaros ao nosso país, muita gente parou pra pensar. Que bom. É hora de quebrar essa febre.

É claro que a esquerda vai gritar, vai espernear, vai dizer que não pode. Não importa o que a esquerda pensa. Porque o importante para o Brasil não é quem ganha a próxima eleição. O importante para o Brasil é que o bolsonarismo comece a definhar até sair do mapa. O importante é que a gente volte a ter eleições com gente normal disputando ideias.

Tarcisio falou que Bolsonaro tem coragem. Bolsonaro é um covarde que deixa aliados para trás, sempre deixou, que faz qualquer coisa, até vender seu país, para se salvar pessoalmente. Bolsonaro é um sujeito incapaz de sacrifícios pessoais. Corajoso é o primeiro político que vem da direita e ousa dizer: esse cara é louco, é hora de a gente dar um passo adiante pro futuro.

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