Anistia é traição da pátria
Vamos começar com uma coisa muito clara: anistia é traição à democracia. E este não é um princípio de esquerda, é um princípio liberal. Deixa eu explicar por quê.
Primeiro: Jair Bolsonaro comandou o planejamento de um golpe militar. Sabemos disso porque existe um inquérito da Polícia Federal. Deste inquérito saíram conversas de WhatsApp entre pessoas que trabalharam pelo golpe. Saíram documentos em cima dos quais muita gente trabalhou. São rascunhos de decretos, planos e ordens que foram dadas por generais a militares subalternos que executaram ações para dar início ao golpe. Tem gente que recebeu dinheiro e comprou equipamento para fazer o golpe. E o comandante do Exército na época, general Júlio César de Arruda, e o comandante da Aeronáutica, brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Júnior, contaram em seus depoimentos que foram pressionados pelo presidente Jair Bolsonaro a apoiar um golpe militar. Arruda chegou a dizer que teria de dar ordem de prisão a Bolsonaro caso ele seguisse insistindo. Baptista Júnior bateu a porta na cara do ministro da Defesa quando ele também insistiu.
O que a lei diz: não pode tentar um golpe de Estado. Bolsonaro tentou. É crime. É crime grave. Estreia daqui a pouco, meia noite entre esta segunda e a terça 2 de setembro, o novo filme do Meio. A gente, ali, explica cada detalhe do que se sabe por documentos e depoimentos públicos, mas já voltamos nisso. Se você tem alguma dúvida sobre esse assunto, vale ver o filme. O importante aqui é o seguinte: Bolsonaro é culpado de ter cometido o crime de golpe de Estado.
Então vamos ao segundo ponto: a ciência política liberal concluiu, com base na história do século 20 para cá, que a união entre uma democracia liberal com uma economia de mercado é a estrutura capaz de produzir maior quantidade de conhecimento, maior riqueza e de distribuir esta riqueza. Não bastasse, dá para cada cidadão, para cada cidadã, autonomia para tomar decisões sobre sua vida.
Ditaduras são o contrário disso. Não importa se de direita, se de esquerda, ditaduras tiram dos cidadãos sua autonomia. Você não tem como dar pitaco em quem governa, não sabe o que fazem os governantes, e os regimes são opacos. Ninguém sabem o que fazem. Na maioria das vezes, são incompetentes. Todos nossos ditadores, aqui no Brasil, foram incompetentes. Vem cá, cadê a Transamazônica? Segundo dados da Embrapa e do Banco Mundial, no total as obras da estrada que ligaria o Nordeste à Amazônia custaram entre 160 e 170 bilhões de reais. A obra da linha 6 do Metrô de São Paulo saiu por 17 bilhões. Dez vezes menos. O acordo do governo federal com a Vale para fazer uma linha de ferro é outro investimento de 17 bilhões. E sabe uma coisa sobre essas obras? Você aí, cidadão brasileiro, pode encontrar na internet onde cada real é gasto. Além disso, tem Tribunal de Contas do Estado e Tribunal de Contas da União acompanhando como se gasta esse dinheiro. Não é um sistema perfeito. Mas por que nós sabemos do Mensalão? Por que nós sabemos do Petrolão? Por que sabemos que Bolsonaro tentou um golpe? Porque, numa democracia, essas coisas terminam vindo a público. Elas aparecem. Democracias, mesmo democracias muito danificadas como a nossa, são superiores, para a sociedade, do que qualquer outro regime. Quanto se roubou na ditadura? Não temos como saber. Mas, vem cá, onde está a Transamazônica? Pois é. Só existe metade dela. E, dessa metade que existe, um pedação gigante não é sequer asfaltado.
Um liberal é, por natureza, um democrata. A democracia liberal é o único regime possível para um liberal político. O crime mais grave, para um liberal, é o de ruptura da democracia.
Lei funciona da seguinte forma: é um morde assopra. Um incentivo. É um dizer se comporta dentro da lei e tudo certo. Se comporta fora e o interesse comum da sociedade vai punir você. Então estamos falando aqui do quê? Estamos dizendo que interessa a nós todos, a sociedade brasileira, que a democracia liberal permaneça. É interesse de nós todos, os brasileiros, que possamos escolher quem é presidente de quatro em quatro anos. O que Bolsonaro escolheu fazer, no momento em que ele perdeu a eleição, foi agir pra impedir que a escolha de nós todos fosse cumprida. Ele não tem esse direito. Ao agir contra o interesse comum, precisa ser punido.
Dizer que tudo bem tentar e não conseguir é fazer com que a lei não funcione. É repetir o que sempre fizemos. Quem tenta acabar com a democracia e não consegue não é punido. O homem que derrubou o presidente Washington Luís, em 1930, fez parte do golpe contra dom Pedro II, em 1889. Os homens que comandaram o golpe de 1964 fizeram parte dos golpes fracassados de 1922 e 1924. Alguns deles fizeram parte do golpe de 1930. O general que botou tanques na rua pela primeira vez, em 1964, foi quem escreveu o documento falsificado que levou ao golpe de 1937.
Deixa eu deixar claro, aqui, o que a história brasileira ensina: quem tenta golpe e não é punido volta para dar outro. Às vezes, com sucesso. Em todos os sete golpes militares que deram certo tinha gente envolvida que tentou dar golpes no passado. Em todos. Agora, temos mais um de muitos golpes fracassados. Que Brasil queremos? Um Brasil que finalmente pune golpistas. Ou um Brasil que continuará aberto a perder sua democracia.
Anistia nunca pacificou o Brasil. Quem promete isso hoje não leu um livro de história. O que anistia sempre construiu foi o golpe seguinte porque os caras aprendem com seus erros e vêm melhor organizados na próxima.
Anistia a golpe é traição da democracia. Traição da democracia é traição da pátria.
Eu sou Pedro Doria, editor do Meio.
Às 00:00h de amanhã estreia O Julgamento do Século, segundo episódio da série Democracia — Uma História Sem Fim. Na verdade, na verdade, vai entrar no ar ainda hoje, quase meia noite. Eu já assisti e posso garantir: você vai enxergar a tentativa de golpe de um jeito que nunca foi contado. Sérgio Rodrigues, Flávia Tavares e Ricardo Rangel colocam Paulo Gonet, Procurador-Geral da República, no centro da narrativa e revelam, com depoimentos de generais, ministros do STM, juristas e vozes da resistência civil, o quão perto chegamos de perder a nossa democracia. Assistir agora é essencial para entender o julgamento de Jair Bolsonaro e seus aliados, que começa amanhã e segue pelas próximas semanas. O Julgamento do Século estreia logo mais no streaming do Meio, exclusivo para assinantes premium. Assine. Está imperdível.
E este? Este é o Ponto de Partida.
Vocês assistiram a muito movimento na direita, nesses últimos dias. No Rio Grande do Sul, Gilberto Kassab pegou o microfone e falou o seguinte:“o Brasil será um país abençoado se tiver Eduardo Leite como presidente”. Pois é, uma semana antes, Kassab jantou com Lula e lhe contou que Ratinho Júnior será o candidato do PSD à presidência. Aí, na TV Bandeirantes, Kassab mandou outra. “Não haverá nenhum problema de compor com Tarcísio caso ele entenda que o melhor para o Brasil e para São Paulo seja sua candidatura.” Para Kassab, Tarcísio é um candidato de centro-direita que unifica todos os partidos de direita.
Tarcísio também falou este fim de semana. Numa entrevista ao Diário do Grande ABC, perguntaram a ele se pretende dar indulto ao ex-presidente Jair Bolsonaro. Mandou a seguinte: “Na hora. Primeiro ato. Porque eu acho que tudo isso que está acontecendo é absolutamente desarrazoado.”
Vamos começar pelo mais importante: Jair Bolsonaro é um golpista. Tarcísio de Freitas sabe disso. O que Tarcísio está prometendo é trair o Brasil.
Mas o que é esse jogo que está rolando? Esse jogo está mais ou menos combinado. Estão pressionando Bolsonaro. Existe uma convicção que se formou, nesses partidos de direita, de que o apoio de Bolsonaro ainda é necessário. E Bolsonaro, neste momento, está desesperado. Flávio Bolsonaro deu entrevista à Folha: para ter apoio do pai precisa garantir que terá anistia. Eduardo Bolsonaro ligou para o pai, ouvimos a mensagem. Mandou o pai tomar no, pois é, aí disse que Tarcísio não vai entregar anistia nenhuma.
Então, neste momento, de pressão total, o que estão fazendo: Ratinho está se mostrando candidato, circulando como nunca circulou, Kassab está acenando com candidatos, enquanto Tarcisio diz com todas as letras: está aqui, eu prometo a anistia. Por quê? Porque querem o apoio do ex-presidente. E o relógio está ali. Tic, tac, tic, tac. Em algumas semanas Bolsonaro estará preso e não poderá apoiar mais ninguém. Ou ele decide agora ou cala-se para sempre.
Qual é o problema de Tarcisio? O problema dele é que só 35% dos brasileiros são a favor de uma anistia. 8% são indiferentes. E 55% dos brasileiros são contra qualquer anistia para os golpistas. Olha, se levarmos em consideração todos os eleitores brasileiros, Lula teve 38% dos votos no segundo turno de 2022. Isso mesmo. Se a gente leva em consideração todo mundo que votou em Bolsonaro, votou em branco ou nulo ou sequer apareceu pra votar, Lula teve 38% dos votos dos brasileiros pra se tornar presidente. E 55% dos eleitores são contra a anistia.
O que Tarcísio espera? Ele espera ter o apoio de Bolsonaro, que é o líder de 13% de todos os brasileiros. Ele ignora que, números do Instituto Ideia, 26% dos brasileiros se dizem de direita e não-bolsonaristas. Aí, ele quer conseguir toda a direita, chegar ao segundo turno e disputar com Lula. Ele espera mais. Ele acha que todo mundo que não votou nem nele, nem em Lula, no primeiro turno, escolha a ele.
Porque eleição é isso, né? Quem te elege não é quem gosta de você. Quem te elege é quem gosta menos ainda do outro, no segundo turno. A aposta que Tarcisio está fazendo é que esses 55% de eleitores brasileiros estão mentindo pro Datafolha ou são só mais ou menos contra a anistia. Ele está torcendo para que isso não tire voto.
Mas ninguém tenha dúvida. Lula nunca foi tão impopular, como presidente, quanto é hoje. De todos os presidentes que concorreram à reeleição, só Jair Bolsonaro chegou na campanha mais impopular do que Lula é hoje. Então qual é a melhor arma pra Lula na campanha? Dizer todo dia que Tarcísio é Bolsonaro, que Tarcísio vai dar anistia a Bolsonaro.
Essa é a conta que Tarcisio está fazendo. Vai dar certo? Temos um ano pela frente. Vai ser um ano muito, muito longo.