Meio

Eles, os deputados federais, estão enganando vocês. Todos vocês. É um jogo de prestidigitação. Puro ilusionismo, o truque dos mágicos. Enquanto você presta atenção no que essa mão está fazendo, a outra põe o coelho na cartola, separa a carta do baralho, esconde a moeda que vai desaparecer como por encanto. Não tem nada de mágica. É truque de ilusão. A nossa divisão, o nosso tribalismo, o amarelos contra vermelhos, é a ferramenta que eles usam para desmontar a democracia de um outro jeito.

Vamos falar de três assuntos. PEC da Blindagem, Anistia a Bolsonaro e Charlie Kirk. O que uma coisa tem a ver com a outra? Tem tudo a ver.

A pauta mais importante na Câmara dos Deputados, neste momento, é a PEC da Blindagem. E a PEC da Blindagem só interessa a dois grupos. Deputados federais e presidentes de partido. Ela não é do interesse de nenhum outro dos quase 215 milhões de brasileiros. Não importa se você é de direita ou se é de esquerda, se acha que o Lula é ladrão ou o maior presidente da história, se chama Bolsonaro de mito ou de genocida. A PEC da Blindagem não interessa a você.

O que essa emenda constitucional faz é o seguinte: transforma a Câmara na última instância do Judiciário para deputados e presidentes e vice-presidentes dos partidos políticos. Ou seja, se um deputado, se um chefão de partido, for acusado de alguma coisa, quem decide se vai ser julgado ou não? Não serão mais os juízes. Todos nós, brasileiros, respondemos a juízes. Menos eles. Quem decide se poderão ser julgados são, ora, eles mesmos. Alguém tem dúvida de que um vai defender o outro? Pois é.

Essa PEC não nasceu do nada. A Polícia Federal está investigando uma penca de emendas orçamentárias. Isso é dinheiro que os deputados mandaram pra suas cidades e, vejam só, foi desviado. Onde tem problema? Não sabemos ainda. Mas a polícia está investigando e vai achar. Então os deputados estão correndo para garantir que, não importa o que achem, vai ficar tudo limpo pra eles. Estão fora da Justiça. São inimputáveis.

Enquanto isso, o que estamos discutindo na internet brasileira? Estamos discutindo Anistia e estamos discutindo Charlie Kirk. A turma bolsonarista está toda ouriçada, pedindo pros americanos tirarem visto de Felipe Netto, de Wagner Moura, de médico que falou bobagem na internet. Estão se refastelando no papel de cancelados, de censores, pois é. A esquerda, por outro lado, só fala de anistia. E, veja, não é que anistia não seja um problema, porque é. Só que anistia é boi de piranha.

Vejam a Quaest: 41% dos brasileiros são contra qualquer anistia. 10% dos brasileiros topam uma anistia, desde que só pegue os bagrinhos que invadiram os palácios. Soma um com o outro: mais de metade dos brasileiros são contra anistiar Bolsonaro e os generais. Soma os 13% que não estão interessados no assunto, 64% dos brasileiros estão fora. Pois é. 36% dos brasileiros, um terço do país, está mobilizado com a pauta.

Pegamos o Datafolha. 54% dos brasileiros rejeitam anistia a Bolsonaro. 39% dos brasileiros querem anistiar o ex-presidente. Essencialmente os mesmos números.

Tem como ser mais claro: essa pauta não é popular. Então por que tem gente na Câmara, além do PL que é o partido bolsonarista, falando desse negócio? Por uma razão bastante simples. Porque aí podem se virar e falar, olha, então a gente põe a anistia na gaveta se votarmos a PEC da Blindagem. Outra pergunta: por que a PEC da Blindagem fala de deputados, senadores e presidentes de partido? O que os presidentes de partido que não são parlamentares têm a ver com isso? Dou um doce para quem adivinhar.

O ponto aqui é o seguinte: não se distraiam. A turma da direita, sempre tão preocupada com corrupção. Gente, está rolando solta. Esse Projeto de Emenda Constitucional, essa PEC, não ganhou apelido de “blindagem“ à toa, não. Estão querendo evitar uma nova Lava Jato, estão querendo ter certeza de que nenhum juiz, em todo o Brasil, pode começar a puxar o fio duma meada dessas e botar em cana um político. E, gente de esquerda, vejam só: o Planalto está fingindo que não está vendo. O Supremo está fingindo que não está vendo. Um pedaço importante dos deputados do PT vão votar a favor.

O resultado é que a Câmara dos Deputados ficará independente de seus eleitores, essa gente vai se eleger eternamente e poderá simplesmente ignorar a lei. Não é só isso, não, tá? Quando garantirem que qualquer deputado é inimputável, não responde por crime nenhum, adivinha quem vai querer virar deputado e terá dinheiro pra virar deputado? O PCC, né não? Claro que é. Está todo mundo de olho.

Eu sou Pedro Doria, editor do Meio.

Num mundo em que as democracias são testadas diariamente, pensar por conta própria não é papo furado. É protocolo de sobrevivência cívica. E isso não nasce de repetir discurso: nasce de método. Separar fato de versão, checar fonte e data, ouvir quem discorda, ligar o que aconteceu ao que pode acontecer. É assim que uma opinião vira posição.

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E este aqui? Este é o Ponto de Partida.

Os deputados mais votados, aqueles com centenas de milhares de votos, são eleitos pelas grandes cidades. Os votos que eles recebem não elegem só eles, elegem também uma trilha de deputados com 25, trinta mil votos por todo país. Em geral, são deputados que representam uma, duas ou três cidades do interior. Dois terços da Câmara são esse pessoal. Podem chamar de baixo clero, podem chamar de Centrão, fato é que, para eles, não importa a Política de Educação, não importa a Política de Saúde, não importa a Política de Segurança. Nada disso importa. O que importa é construir uma escola na sua cidade, pavimentar uma rua, fazer uma quadra. Uma ponte. Tudo na sua cidade. Existem mais de cinco mil municípios em todo o Brasil, mas eles representam menos de quinhentos deles. E só pensam nas suas cidades.

Sabe por quê? Porque a ponte, a quadra, a rua pavimentada é voto na urna. Sobem no palanque e dizem: fui eu que trouxe. O prefeito da cidade é seu pai, é seu tio. O presidente da Câmara Municipal é do seu grupo político. Esse dinheiro compra duas coisas. Uma, poder local. Outra, reeleição. E eles se reelegem, e reelegem, e reelegem com 25, 30 mil votos.

Antigamente, pra conseguir essa verba, precisavam se dar bem com o presidente da República. Com os ministros. E era assim que os presidentes conseguiam governar. Garantiam pressa pessoal a verba, em troca conseguiam votos na Câmara. Mas três coisas mudaram. A primeira, financiamento público de campanha. Quanto maior a bancada do partido, maior a grana que o partido recebe pra pagar a eleição. Segundo, financiamento público dos partidos. De novo, bancada grande, mais dinheiro. E, terceiro, orçamento secreto. O governo não escolhe mais quem terá emendas. O Congresso sequestrou esse dinheiro.

E esse dinheiro, que a gente não consegue saber quem pediu, para onde levou, porque os parlamentares não deixam, não querem, é um problema. E é isso que a Polícia Federal está investigando. Vocês sabem o que acontece com dinheiro que ninguém sabe quem mandou pra onde, né? É dinheiro sem controle, e além da escola, da quadra, da rua, tem um pedacinho ou um pedação que vai pro bolso do deputado, do prefeito e, claro, de cada pedacinho desses, uns micropedacinhos vão pro bolso do presidente do partido. Aquele que também vai ficar impune.

Olha, não é só presidente de esquerda, como o Lula, que não conseguirá governar porque não controla o Congresso, tá? Presidente de direita vai ser igualzinho. E, enquanto tudo isso está acontecendo, estamos todos distraídos. O julgamento passou, o Centrão está usando a anistia como chantagem, o governo não quer comprar essa briga e os trezentos deputados dos Paralamas do Sucesso querem a PEC da Blindagem.

Foco. Charlie Kirk foi assassinado nos Estados Unidos, anistia não é prioridade pro Centrão, e precisamos de duas coisas. Uma, que todo parlamentar responda na Justiça por crime comum, como acontece com qualquer cidadão brasileiro. E, dois, que o presidente tenha chance de governar. Com o poder que o Congresso está acumulando, não vai conseguir.

Você é de esquerda e quer uma chance para Lula fazer o que não conseguiu, caso se eleja? PEC da Blindagem na mira. Você é de direita e foi a favor da Lava Jato? PEC da Blindagem na mira. Prioridades, pessoal. O foco total de todos os deputados é esse. Eles sabem bastante bem por quê. Não se distraiam.