Tarcísio ou Família Bolsonaro?
Falta praticamente um ano pro primeiro turno da eleição de 2026. Pra ser exata, 369 dias.
Ao mesmo tempo em que muita coisa ainda pode acontecer e alterar o cenário, no tempo da política a cabeça dos agentes já está toda lá, no dia 4 de outubro do ano que vem.
Não há absolutamente nenhum movimento de nenhum grupo que não esteja mirando na corrida presidencial, pra governador, pra senador e deputado. E é com essa lente que a gente deve analisar tudo que está acontecendo hoje.
Então, eu quero convidar você a pensar a política atual com esse olhar. A pensar naquela foto de Jair Bolsonaro, Flávio Bolsonaro e Tarcísio de Freitas pensando com cabeça de 2026. Aliás, a foto merece uma análise detida. Tarcísio e Bolsonaro parecem bem mais relaxados e confiantes do que Flávio, que está mais sóbrio.
O ex-presidente está sorridente, bem disposto, e se queria emular qualquer noção de mártir injustiçado a foto não entrega isso, não. Tarcísio, que saiu de lá jurando mais uma vez que vai se candidatar somente à reeleição ao governo de São Paulo, faz o jogo que vem se propondo a fazer mesmo: jura uma coisa pro público, age no bastidor no sentido oposto pra se manter como a opção número 1 tanto do bolsonarismo quanto do Centrão.
A única coisa que Tarcísio não conseguiria mais é se descolar do bolsonarismo, né? Quem quis acreditar que ele poderia romper com o padrinho em nome de se apresentar como um candidato da direita democrática caiu do cavalo.
Pois bem. Os discursos dão conta de que Bolsonaro vai ter que escolher outro nome. A foto diz que a aliança do bolsonarismo com Tarcísio segue firme. Maaaaas com o PL da dosimetria ou da anistia com os dias contados, ao que tudo indica, esse cenário ainda pode mudar muito.
É um exercício super desafiador tentar prever corrida eleitoral sabendo da volatilidade atual. Um espirro mais alto de Donald Trump e candidatos da extrema direita do mundo inteiro têm suas perspectivas domésticas alteradas. Um respiro na inflação e candidatos à reeleição de qualquer espectro veem suas chances aumentadas. Uma votação esquisita do Congresso e muda tudo de novo.
As redes sociais e sua velocidade alucinante também influenciam, seja com reações coordenadas, a partir de notícias verdadeiras ou de desinformação, seja com respostas que nascem espontâneas e depois se organizam para ir às ruas, como vimos recentemente.
Mas esse é um exercício que está todo mundo fazendo: dos potenciais candidatos aos analistas. Dos donos de partido aos condenados por tentativa de golpe. Os eleitores mais engajados também já estão de olho.
Só está alheio a essa corrida de 12 meses aquele cidadão que deixa pra decidir em quem votar ali, nas últimas semanas, às vezes até na véspera ou no dia de ir às urnas, no caminho até o colégio. E eles não são poucos, claro.
Tem os indecisos clássicos, que sequer se identificam com uma ideologia. Mas tem os eleitores de direita, principalmente, que sabem que não querem Lula, mas também não sabem muito o que querem. Na teoria, dizem não querer bolsonarismo. Na prática…
Acontece que eles vão ser influenciados pelo barulho que os demais grupos tiverem feito e estiverem fazendo naquele momento. E esse barulho vai sendo definido bem antes.
É por isso que já está todo mundo fazendo cálculo, jogando o jogo, mesmo sabendo que o último mês de campanha é tão decisivo. É pra posicionar suas candidaturas e esse ruído que ela faz ao longo do tempo, como se fosse uma música de elevador, sabe? De fundo, que vai entrando na cabeça das pessoas e gruda.
Isso pra quem não é Lula nem Bolsonaro, certo? Porque esses dois são os dois grandes nomes da política nacional e a banda que eles tocam já é bem conhecida do público, todo mundo sabe a letra de cor, já está até um tanto cansado de ouvir.
Lula segue com seu repertório, afinando seus instrumentos com medidas que possam turbinar sua popularidade e chances de se reeleger e combinando participações especiais de possíveis aliados para o ano que vem.
Bolsonaro não pode ser candidato. Além de inelegível, está condenado por golpe de Estado e deve estar preso de forma definitiva em breve. A música que ele toca terá de ser interpretada por outro candidato se ele quiser manter seu legado político vivo. E aí tem muita gente querendo atravessar esse samba.
Os filhos e a mulher querem um samba de uma nota só. O Centrão quer alguém que consiga variar os acordes um pouquinho. E a direita segue meio sem rumo e sem ritmo. O que não quer dizer, de forma alguma, que esteja condenada ao silêncio. Vamos falar um pouco mais disso?
Então, fica aqui comigo. Eu sou a Flávia Tavares, editora do Meio. Pra quem nos segue aqui já há algum tempo, não é novidade que lançamos no começo deste mês o documentário O Julgamento do Século, né? Agora, a gente colocou no nosso streaming o Epílogo, uma atualização com o resultado do julgamento e os principais lances pra deixar o conteúdo completo, como um documento histórico mesmo. Quem já viu o doc consegue ver só o epílogo se quiser. Quem não viu já vê o X-Tudão da tentativa de golpe de uma vez só. E logo, logo a gente vai subir no streaming a íntegra daquelas entrevistas incríveis, tá, gente? Então, não marca bobeira e assina hoje mesmo o Meio, que são só 15 reais por mês, bem menos que um X-Tudão digno do nome.
Ah, e pra você que curte o que eu faço falando de política e quer ainda mais de mim, mas em outros campos, sabia que eu tenho um papo toda quinta com a Pietra Príncipe aqui no YouTube, num programa chamado Dou-lhe Duas? A gente bate um papo super livre, de assuntos bem variados, mas que é muito bacana, rico e surpreendente, sem falsa modéstia. Dá uma olhada nos dois que já estão no ar e me conta o que acha.
Tem um consenso entre analistas políticos profissionais, desses que fornecem leitura de cenário pra agentes de mercado, por exemplo, que é o de que tentar prever resultado de eleições presidenciais é a receita pra alguém rir de você ali adiante. Porque você vai errar.
Não se trata, portanto, de tentar dizer quem vai ganhar ou perder. O que a gente tenta fazer é entender o que os políticos estão imaginando pro jogo conforme fazem suas escalações, certo?
Então, quando a gente observa com quem um líder de partido importante está falando mais em determinado período, dá pra inferir que ele está apostando naquele setor ou naquela pessoa como um ativo importante na corrida eleitoral. Quando se avalia que tipo de marqueteiro um candidato escolhe, dá pra imaginar como ele antevê que vá ser a narrativa necessária pra vencer. E por aí vai.
No caso do bolsonarismo, essa conta é diferente e, em alguma medida, inédita na história recente. A gente pode, sim, traçar o paralelo de que Lula manteve sua candidatura, em 2018, pelo máximo de tempo que pôde mesmo estando preso, mas não dá pra ignorar uma imensa diferença: a inelegibilidade de Lula estava sendo questionada na Justiça enquanto ele se manteve candidato. Assim que o TSE cravou que não havia mais o que questionar, Lula largou mão da candidatura e o PT oficializou Fernando Haddad como candidato.
Veja, eu até acho que, politicamente, esse foi um erro do PT e de Lula, tá? Se Haddad tivesse sido candidato desde o começo, talvez a história tivesse sido outra. Mas não temos o contrafactual pra saber, né?
Voltando a Bolsonaro, a inelegibilidade dele é um fato consumado. Ela não decorre só da condenação pela tentativa de golpe e o TSE já deu sua palavra final.
Então, por que ele não decide logo em quem quer apostar como sucessor? Por duas razões, a meu ver. Uma porque no momento em que fizer isso, no mesmo segundo, ele é esquecido de vez na prisão domiciliar em que está. Ele dá a bênção e, junto com isso, o protagonismo e a relevância para o abençoado, que passa a falar em seu nome, sem precisar mais de sua voz ou de seu aval.
A segunda razão é porque ele não sabe pensar estrategicamente. Não sabe fazer cálculo político algum. Nunca soube.
Tudo que Bolsonaro sempre fez foi no improviso e na impulsividade, ajudado por outros atores políticos que pensavam estratégia por ele. Aliás, eu acredito que o golpe não foi efetivo muito por causa disso. Bolsonaro ia improvisando, dobrando a aposta, tentando pressionar os demais sem pensar ali adiante, no que oferecer em troca, nos próximos passos.
Então, ele olha pra Tarcísio de Freitas e, como é paranoico e desconfia de todo mundo, porque acha que todos são traíra como ele, não está 100% convencido de que, ao ungir o governador de São Paulo não estaria enterrando o bolsonarismo junto — ou ao menos a extrema direita com esse nome no Brasil.
Porque convenhamos: se Tarcísio se elege presidente, ele vai ser um presidente muito de direita, com pautas caras ao bolsonarismo e, pelo que ele mesmo vem dizendo, com a defesa da anistia ou do indulto que recolocariam Bolsonaro de volta no jogo. Agora, na hora do vamos ver, ele vai querer se prestar ao papel de esquentar a cadeira pra volta do chefe? Ou vai querer se manter dono da bola?
O poder é inebriante, né, gente? Bolsonaro sabe do risco de lançar um Tarcísio, ele se eleger, até lutar em seu nome e, em 2030, falar, bem, presidente, a reeleição tá no jeito pra mim, o senhor não tá bem de saúde, etc. E seus filhos, bom, quem sabe uma vice pra um deles, então? E, antes que se imagine, o “bolsonarismo” deu lugar à direita dura velha de guerra e morreu enquanto movimento.
Aí, Bolsonaro olha pros filhos, os quatro que não são fruto da “fraquejada”, segundo ele, e vê: um Flávio que é basicamente do Centrão de direita; um Eduardo falastrão que aposta no trumpismo aplicado ao Brasil a qualquer custo e provavelmente vai acabar preso também; um Carlos com problemas de dislexia crônica; e um Jair Renan que é um playboy de Balneário Camboriú, cuja ambição deve ser a de trocar de RAM todo ano. Sobra Michelle, essa sim com potencial insondável a essa altura, e não à toa a escolhida de Valdemar Costa Neto.
São essas as opções de Bolsonaro no momento. E elas podem parecer poucas ou fracas. Mas não são. Porque qualquer outro candidato da direita, seja Ratinho ou Ronaldo Caiado ou Romeu Zema, ficam muito enfraquecidos diante de Tarcísio ou da família Bolsonaro.
E por que eu digo isso? E digo isso contrariando a avaliação de vários analistas, inclusive do Pedro Doria, que já falou sobre o que está enxergando dessa corrida por aqui. Aliás, vou me apropriar de um pedaço da conversa que tive com ele pra trazer pra cá e fazer meu argumento.
Eu digo isso porque acho que nenhum outro candidato de direita — que não seja Tarcísio, com a bênção de Bolsonaro se ela vier, ou da família Bolsonaro — é capaz de gerar aquele barulho de que falei no começo de forma consistente o suficiente pra seduzir o eleitor de direita que sabe que não quer Lula ou ninguém do PT mas que vai ver quem são mesmo os candidatos ali nas vésperas da eleição. E esse eleitor de direita existe e é numeroso. É o eleitor de direita não engajado.
Vamos aos fatos que o Pedro levanta: as pesquisas Ideia e Quaest mostram que, na direita, 12% são bolsonaristas, e mais 26% não são bolsonaristas. Os bolsonaristas são predominantemente classes A-B e reagem a discurso de valores. Os não-bolsonaristas são principalmente de classe C, conservadores, e reagem mais a medidas econômicas e política de segurança. Pedro defende que as pesquisas apontam que eles não parecem estar na guerra cultural.
Eu leio esses números da seguinte maneira: quem é conservador está sempre, em alguma medida, influenciado pela pauta de valores, ainda que não predominantemente. Na esquerda isso também é verdadeiro, tá? Estamos numa era em que a pauta de valores nunca vai totalmente embora, até em eleições municipais ela acaba protagonista.
Essa classe C de direita é, em boa parte, justamente a que deixa pra decidir em quem votar mais perto da eleição. Ela está no corre do dia a dia, olhando, como o Pedro bem diz, a economia e a segurança pública, as contas do fim do mês, se vai de Uber ou de ônibus naquele dia pro trabalho, etc. É uma categoria que está muito suscetível ao humor político mais volátil, de momento. Mas ao mesmo tempo, por escolher mais em cima da hora, tende a recorrer, primeiro, aos nomes que já conhece.
Se Lula estiver num bom momento, especialmente na economia, há uma parcela ínfima desses eleitores de direita não-bolsonaristas que podem até votar nele. Porque estarão muito afetados por bons resultados econômicos, ainda que de curto prazo. Mas é bem pouca gente.
O que a maioria vai fazer é ver quem está contra Lula. E a tendência natural vai ser olhar quem Bolsonaro ungiu como sucessor. Supondo que estejamos num cenário de Lula, Ratinho Jr. e Flávio Bolsonaro candidatos, a minha tese é de que o eleitor que se engaja menos ao longo deste ano todo vai chegar em setembro do ano que vem e a música tocada por um Bolsonaro é a familiar, a simples, a conhecida, a que embala quase tudo que é importante pra esse cara. Isso se aplica também a Eduardo e a Michelle. Carlos Bolsonaro eu não sei nem avaliar o que seria enquanto candidato.
A influência de Ratinho Jr. na classe C não é dada, embora ele tenha o ativo do pai famoso nessa categoria. A relevância política do Paraná em eleições nacionais também é bastante relativa. Ratinho Jr. talvez tenha o apoio valiosíssimo de Gilberto Kassab, presidente do PSD, que é o partido de ambos, e Kassab é muito hábil em costurar alianças. Vamos lembrar que Kassab embolsou prefeitura a rodo pelo Brasil, inclusive enfrentando o bolsonarismo em várias cidades. Agora, numa eleição presidencial, tenho dúvidas da eficácia de Kassab de converter essa habilidade política em votos nas urnas.
Nisso eu concordo com o Pedro no debate que fizemos aqui. Pra direita, Tarcísio segue sendo o melhor candidato, porque une bolsonarismo ao Centrão de um jeito que nenhum outro nome é capaz. Mas, se ele realmente decide ficar só em São Paulo, o que eu duvido muito, me parece que estamos caminhando pra um Lula x Bolsonaro, a partir de um proxy da família, mais uma vez. Qualquer outro candidato de direita que se apresentar vai ser relegado ao papel de terceira via e aquela centro-direita sedenta por um candidato vai seguir tendo que escolher entre duas opções que rejeita profundamente.
É a esse paradoxo que o extremismo de direita nos aprisiona. A centro direita vai seguir decisiva. Quem ela decidir apoiar vai ganhar, muito provavelmente. Apesar disso, a centro direita não vai conseguir tão cedo construir uma candidatura sólida, não enquanto o bolsonarismo estiver vivo. Os cálculos estão sendo feitos.