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Eduardo Bolsonaro perdeu

Faz tempo que Eduardo Bolsonaro parece se mover num tabuleiro em que só ele ainda acredita que está jogando. Enquanto o bolsonarismo se fragmenta, ele multiplica gestos de autopreservação — e, paradoxalmente, cada um deles o isola ainda mais. O Zero Três, que já foi chamado de “embaixador do bolsonarismo”, hoje coleciona distâncias: do Congresso, dos aliados e, o mais simbólico, do próprio Donald Trump.

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Na direita, é difícil encontrar quem não esteja irritado com Eduardo, que insiste em se apresentar como presidenciável pra 2026. O Centrão, pragmático como sempre, cansou do amadorismo e das bravatas de uma candidatura que não tem como decolar.

Mesmo no PL Eduardo está sozinho. O confronto com Valdemar Costa Neto descambou para ofensas pessoais. O presidente do partido afirmou que Eduardo “não tem votos” e chegou a dizer que o deputado seria capaz de “ajudar a matar o próprio pai” se insistisse em concorrer sem o aval da legenda. Eduardo reagiu chamando a fala de “canalhice” e exigiu desculpas públicas, ao que Valdemar respondeu: “Canalhice é xingar o próprio pai e achar que tem voto”.

Olha a frase toda do Valdemar, coisa de duas semanas atrás: “Os votos são do seu pai, não seus. Mas, se o seu pai te escolher, vai ter o apoio do partido. Diferente de você, respeito muito seu pai”.

Famoso “na cara, não”, né?

Já no PP, o atrito com Ciro Nogueira veio de forma mais sutil, mas não menos divisiva: aliados de Eduardo passaram a rotular o ex-ministro de “oportunista”, e Ciro respondeu com críticas à “falta de bom senso na direita”, alertando que brigas internas poderiam “fazer o campo conservador jogar fora uma eleição ganha”. Bom, a briga na direita se espalhou e alcançou ainda Ronaldo Caiado, que é do União Brasil e quer ser presidenciável, enfim, está um barata-voa danado.

Eduardo também tem rusgas com Tarcísio de Freitas e Ratinho Jr., que se alternam entre o bolsonarismo e um conservadorismo de resultados, menos ideológico. E, nessa frente, ainda estão lá Flávio e Michelle Bolsonaro, se aproximando de estratégias eleitorais mais institucionais.

Então, o que quer Eduardo a essa altura? No que ele está apostando quando banca o tom radical — e, com isso, se afasta até de antigos aliados do próprio bolsonarismo?

Pra entender isso, vale lembrar que o Zero Três tem uma dupla formação política. Uma delas é a de herdeiro da estridência do pai. Ele sempre caminhou pelos corredores da Câmara a tiracolo do Jair e parecia mais um segurança do que um filho ou um deputado. Mimetizava algumas de suas falas, mas sem o mesmo apelo popularesco.

Eduardo se apresentava em Brasília com uma imagem que era um misto de policial com playboy jiu-jitseiro com pitadas de missa de domingo.

Mas há uma segunda frente da formação de Eduardo que transcende o pai. É a influência enorme de Olavo de Carvalho em seu jeito de ver o mundo e agir. É o que o aproxima de Steve Bannon nos Estados Unidos. É um importante cartão de visitas na extrema direita global. E é algo que, estrategicamente, não deve ser ignorado ou menosprezado.

Eduardo insiste em manter o discurso olavista e de guerra cultural porque ele é muito eficaz para mover paixões. Só não está claro se ele, sozinho, é capaz de mobilizar gente o suficiente para eleger um presidente. Jair Bolsonaro o adotou, mas agregava muitas outras correntes de pensamento reacionário. A hipótese de o olavismo se bancar sozinho nas urnas ainda não foi testada numa eleição majoritária, só no Legislativo.

Quando Olavo de Carvalho morreu, em 2022, deixou um vácuo que Eduardo tentou preencher com todas as suas forças. Não com produção de pensamento, mas com performance: lives doutrinárias, palestras sobre “guerra cultural”, slogans importados da ultradireita americana.

Eduardo Bolsonaro foi o principal responsável por trazer o CPAC, o Conservative Political Action Conference, ao Brasil. O evento, criado nos Estados Unidos na década de 1970 e organizado pela American Conservative Union, é o maior encontro anual da direita conservadora americana — e se tornou uma vitrine do trumpismo.

Eduardo articulou diretamente com Matt Schlapp, presidente da ACU, e com figuras próximas a Donald Trump Jr. para realizar a primeira edição brasileira em 2019. Desde então, o CPAC Brasil se tornou uma espécie de convenção da extrema direita nacional, reunindo políticos, pastores e influenciadores alinhados ao bolsonarismo.

O deputado usou o evento como palco para projetar sua imagem de “elo” entre a direita americana e a brasileira, e em outras iniciativas antes do autoexílio nos Estados Unidos tentou se projetar como herdeiro ideológico do pai e interlocutor direto do trumpismo na América do Sul.

Cá entre nós, obviamente que o verniz de ideólogo não resistiu ao tempo. Não bastasse o inglês macarrônico de alguém que se pretendia embaixador, Eduardo não tem qualquer lastro intelectual próprio.

O próprio Olavo o desautorizou publicamente algumas vezes. Uma delas foi quando Eduardo sugeriu um novo AI-5 para punir críticos a Jair Bolsonaro. Olavo classificou a ideia como sendo de jerico, argumentando que criminoso tinha de ser investigado e punido individualmente.

Por outro lado, Olavo organizou com Eduardo um curso de “formação de deputados” e se posicionou contra a ideia do Zero Três ser embaixador quando Bolsonaro pensou em indicá-lo, por considerar que a “missão” política de Eduardo no Congresso era importante demais para que ele sumisse num papel burocrático do Itamaraty.

Isso pode ajudar a explicar essa mania de grandeza absolutamente deslocada de Eduardo. Seu guru pode ter incutido algo desse tipo na cabeça do rapaz. Acontece que os delírios de Olavo faziam sentido numa composição maior do bolsonarismo, como espécie de arco explicativo do movimento.

A agenda da direita que pretende ser competitiva em 2026 não passa só por essa chave sem a figura de Jair Bolsonaro como amálgama. E Eduardo não cabe nesses projetos.

Vamos entender um pouco melhor isso? Então, fica aqui comigo. Eu sou a Flávia Tavares, editora do Meio. Sabia que as entrevistas completas do documentário O Julgamento do Século já estão no ar no nosso streaming, gente? Sim, cada um dos longos papos que tivemos para produzir o doc está disponível para você, assinante premium, oferecendo um contexto super rico sobre o que aconteceu na tentativa de golpe e de que maneira o Brasil se tornou capaz de julgar e condenar o golpismo, finalmente. Assine o Meio hoje mesmo. São só 15 reais por mês e você ainda ajuda a gente a produzir o conteúdo gratuito aqui do YouTube.

Na segunda-feira, dia 6 de outubro, dia do meu aniversário, dia lindo, Donald Trump e Lula falaram por cerca de 30 minutos por vídeo. Foi Trump quem pediu a ligação. O governo brasileiro descreveu a conversa como “positiva”; Trump disse que foi “muito boa” e que Brasil e EUA vão “se dar muito bem juntos”.

Falaram de tarifas. Da idade de ambos. De George W. Bush. Sabe do que não falaram? De Bolsonaro — nem de pai nem de filho. Não falaram do julgamento, não falaram de Alexandre de Moraes.

Na política e na diplomacia, silêncio também é mensagem. Trump escolheu falar institucionalmente com o presidente do Brasil e evitar o fantasma Bolsonaro. Para Eduardo — que se vendia como ponte orgânica ao trumpismo — é um rebaixamento simbólico imediato: perde o selo de “interlocutor privilegiado” e vira apenas mais um deputado barulhento visto de Washington.

Isso não quer dizer que Trump não possa voltar ao assunto assim que lhe for conveniente, né? Figuras como ele vão e vêm nos ataques e no discurso de acordo com a necessidade do momento. Mas foi revelador de que o clã Bolsonaro não está no centro das preocupações de Trump. Não mesmo.

O fato de Marco Rubio ter sido escolhido como interlocutor daqui pra frente na negociação com Brasil está sendo usado pelo bolsonarismo como prova de que Trump, na verdade, está fingindo ser afável com Lula para dar-lhe o bote via Rubio, político bastante identificado com a pauta “anticomunista” da extrema direita. É possível? Sim. O mais provável, no entanto, é que ele siga basicamente o que Trump mandar, que é o que faz todo o Partido Republicano hoje de qualquer maneira.

No Brasil, a erosão de Eduardo Bolsonaro é mensurável em mais frentes ainda. O Conselho de Ética abriu processo por quebra de decoro contra Eduardo; o relator foi designado e o prazo para parecer preliminar corre. Em paralelo, ele acumula ausências e enfrenta a matemática do regimento, podendo ser cassado por faltas injustificadas se atingir 1/3 do total anual. Ou seja: desgaste institucional somado a desgaste operacional de quem simplesmente não aparece para o trabalho.

Politicamente, ele conseguiu irritar toda a direita: o Centrão não quer embarcar numa aventura presidencial sem viabilidade; lideranças conservadoras preferem nomes competitivos como o de Tarcísio, Ratinho Jr. e até o de Michelle; e, no entorno do PL, a indefinição e o “voo solo” de Eduardo travam articulações estaduais.

Resultado: Eduardo virou um nome que não agrega — ninguém o chama para compor, ninguém o usa para abrir portas, e a cada nova bravata só reforça a sensação de custo sem benefício.

Esse isolamento espelha o esgotamento de um modo de operar que dependia de choque permanente. Jair Bolsonaro, inelegível e condenado, juntava muitos setores da direita em torno de si, conseguiu ser líder de um movimento múltiplo, que tinha vários eixos, incluindo o militar, o religioso, o Centrão fisiológico e o da guerra cultural. Michelle representa fortemente o religioso; Flávio, o do Centrão bom de rachadinha. Eduardo quis ficar com a bandeira do olavismo, e insiste num papel de “ideólogo” que perdeu mercado.

O pedacinho do bolsonarismo que ainda poderia embarcar na performance de Eduardo é o religioso. Mas como ficou bastante claro nas gravações de Silas Malafaia nem essa turma está contente. A pauta da anistia está praticamente esvaziada por causa dele, que condicionou as tarifas ao tudo ou nada. Agora, tanto a Débora do Batom quando o ex-presidente podem acabar sem essa ajuda do Congresso. Uma caminhada está marcada em Brasília e Malafaia está prevendo coisa de 5 mil pessoas, praticamente agasalhando a derrota.

O bolsonarismo não morreu. Jair Bolsonaro ainda é o maior cabo eleitoral da direita e Ciro Nogueira e Valdemar Costa Neto estão pedindo visitas a ele na prisão para decidir o que fazer.

Se Eduardo tivesse ouvido seu guru, Olavo, não teria tentado se alçar a protagonista internacional do bolsonarismo e teria uma longeva carreira parlamentar garantida, assegurando a estridência da extrema direita no Congresso por muitos mandatos, assim como fez seu pai antes de ser presidente. Mas quis voar mais alto e acabou se queimando com quase todo mundo, além de praticamente garantindo o caminho pra Paputa se decidir voltar ao Brasil.

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