CPMI do INSS: e o jogo virou…
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“O time entrou de salto alto, subestimou o adversário.” Há quase dois meses, foi o que disse o líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (PT), diante dos jornalistas em uma coletiva de imprensa no Senado. Ali, com a cara fechada e sem responder a muitas perguntas, foi direto ao assumir a culpa pela dupla derrota na recém-nascida Comissão Parlamentar de Inquérito (CPMI) do INSS. Logo na primeira sessão, em 20 de agosto, o Planalto não conseguiu frear a oposição. O senador Carlos Viana (Podemos) conquistou a presidência com 17 votos, contra 13 dados a Omar Aziz (PSD-AM), o então favorito – apadrinhado pelo presidente Lula (PT) e pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP). Eleito, indicou um relator também da oposição, o deputado Alfredo Gaspar (União). Ao admitir a falha de articulação, Rodrigues prometeu reorganizar a base governista para virar o jogo no qual o governo já entrava derrotado, numa partida requisitada pelo adversário.
E nesta quinta-feira, 16, a sensação foi de que o Planalto, por ora, fez a lição de casa. Por 19 votos a 11, os governistas derrubaram os onze requerimentos para convocar José Ferreira da Silva, o Frei Chico. Irmão de Lula, ele é vice-presidente do Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos (Sindnapi). A entidade é apontada pela Polícia Federal como uma das que mais lucraram com os descontos indevidos que desviaram cerca de R$ 6 bilhões em benefícios previdenciários, segundo a Controladoria-Geral da União (CGU).
Embora o Sindnapi figure no epicentro do escândalo, Frei Chico, até agora, não é alvo das investigações da PF. Na semana passada, o presidente do sindicato, Milton Baptista de Souza Filho, chegou a dizer à comissão que a atuação do irmão de Lula sempre foi política, nunca administrativa. Ainda assim, sua convocação poderia custar caro ao governo, arranhando a imagem justamente em um momento de popularidade em alta. É nesse ponto que a votação ganha peso: mais do que evitar um desgaste imediato, a derrubada dos requerimentos refletiu o novo desenho da CPMI.
O 19 a 11 não foi apenas um placar, mas a consolidação de uma maioria governista com força para conduzir os rumos da comissão. Essa é a avaliação traçada pela base e pela oposição. “Você vê que, agora, as votações dos requerimentos terminam todas em 19 a 11, 19 a 13. É um placar muito difícil, engessado, apesar da CPMI ser um instrumento da minoria”, analisa o senador Izalci Lucas (PL), líder da oposição no Congresso Nacional. No que chama de “sequestro da comissão”, apontou que o governo negociou com partidos e efetuou uma série de troca de integrantes para contar com parlamentares mais alinhados ao Planalto na CPMI.
Por isso, a senadora Damares Alves (Republicanos) admite não esperar reviravoltas políticas no curto prazo. “É, esse é o placar… nós vamos caminhar com o que temos, está muito inicial ainda. Mas chegando as provas concretas, o depoimento dele é inviável – aqui ou na PF. Pode se blindar uma CPMI, mas não se blinda a Polícia Federal”, disse a ex-ministra.
Com a maioria cristalizada (talvez provisoriamente – lembre-se, tudo muda muito rápido por aqui), o Planalto tenta agora reescrever a narrativa. Se antes resistia até a abrir a investigação, o governo passou a adotar uma postura propositiva: defender a apuração para transmitir a imagem de uma gestão que combate ilegalidades e, sobretudo, associar o escândalo a gestões anteriores.
“Acredito que nós conseguiremos chegar no esquema criminoso que foi montado dentro do INSS, que roubou bilhões de reais de aposentados e aposentadas e que enriqueceu muita gente. Tem que chegar nessas pessoas que enriqueceram roubando aposentados e garantir que eles sejam presos. Por mais que uma parte da oposição trabalhe para que a gente não chegue”, provocou o deputado Paulo Pimenta, escalado como o coordenador da base governista na CPMI. Depois da fala, saiu para o almoço sabendo que a comissão continuaria ao longo da tarde, mas que a principal vitória já estava registrada.
Com os estômagos cheios, a sessão retornou e a cena se voltou para Cícero Marcelino de Souza Santos, assessor da presidência da Confederação Nacional dos Agricultores Familiares e Empreendedores Familiares Rurais (Conafer). Outra entidade investigada por descontos irregulares, a Conafer teria usado Marcelino como “laranja”: os valores caíam em contas de suas empresas e, dali, eram repassados a terceiros. Em depoimento, falou pouco. Disse não lembrar nomes, nem a origem do dinheiro. Apenas que “às vezes sobrava um troco” para ele. “Vinham valores, vinham planilhas de pagamentos diretamente da Conafer e eu fazia os pagamentos. Então, aí tem uma lista de 200, 300 pessoas. Por exemplo, tinha uma planilha que era só de gado, tinha uma planilha que era só de indígena, tinha uma planilha que era das secretarias? É o que vinha para passar. E aí me sobrava um troco. Era realmente isso”, confessou o depoente. Relatórios do Coaf mostram que, em 7 de junho de 2023, a Conafer recebeu R$ 13 milhões e, no mesmo dia, distribuiu cerca de R$ 900 mil a empresas ligadas a Marcelino ou à sua esposa. Depois, as empresas foram vendidas. Ele diz que não sabe quem as comprou.
Para arrancar esse fiapo de confissão, foi preciso pressão. O relator Alfredo Gaspar (União) levantou, empunhou o microfone e caminhou de um lado para o outro da sala, exibindo um slide que ligaria as então empresas de Souza Santos ao esquema. Para confrontar o assessor, o chamou de “peixe pequeno” e insinuou que poderia “acabar com a própria vida” se não revelasse os chefes do esquema, acusando-o de ser um “duto de lavagem de dinheiro”. A cada pergunta, a voz do depoente vacilava; um tique nervoso, que fazia o canto da boca subir, denunciava o desconforto.
Com uma performance digna de espetáculo, a cena expôs não apenas o nervosismo do assessor, mas também a inclinação da CPMI a transformar a apuração em palco político. E em meio aos slides, bate-bocas, ameaças de prisão e tentativas de empurrar a culpa, outro risco se impõe: o de a CPMI repetir o roteiro já conhecido de tantas investigações no Congresso. “Se continuar assim, não vai dar em nada”, resumiu, em reserva, um deputado que integra as articulações do governo na comissão.