Vai ter petróleo na Amazônia?
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Foram três anos de briga dentro do governo. Hoje, a Petrobras ganhou a queda de braço e o Ibama autorizou o início da exploração de petróleo na bacia do rio Amazonas. Isso não quer dizer que veremos poços em alto-mar, na altura do Amapá. Não ainda. A permissão é de exploração, não é de produção.
Isso quer dizer o seguinte. Nos próximos cinco meses, e isso inclui o período em que ocorrerá a COP30 no Pará, a Petrobras poderá fazer perfurações numa área a 1175 quilômetros da costa brasileira. O objetivo é de obter mais informação sobre a geologia do local. O objetivo é ter certeza de que tem petróleo, ter uma noção de quanto petróleo é, e de onde perfurar poços definitivos. Sem essas informações, a decisão de produzir não pode ser tomada.
O processo foi longo e não foi só político. Tem um imenso debate técnico que ocorreu por trás da coisa. E o Ibama concedeu a licença porque foi pressionado. Existem duas documentações que a Petrobras precisava apresentar. O Relatório de Impacto Ambiental e o Estudo de Impacto Ambiental. EIA/RIMA. O RIMA foi aprovado, o EIA, não.
O Ibama considerou que havia problemas no monitoramento da fauna marinha, na modelagem de dispersão de óleo, nos impactos cumulativos, na resposta emergencial. Isso quer dizer o seguinte: furou, tem um acidente, vaza petróleo no oceano, o que acontece? Para onde as correntes levam o óleo? Como contém? Como se resgata os animais que forem encharcados de óleo? Correntes no Equador são diferentes. Estar no centro do mundo quer dizer que, dependendo do micro lugar em que acontece, vai pro Norte ou vai pro Sul, a movimentação é toda caótica.
Foi esse tipo de coisa que levou o Ibama a recusar o EIA/RIMA em 2023. Até o plano de comunicação para os grupos indígenas que vivem nas regiões que poderiam sofrer impacto, no litoral, foi rejeitado. Este ano começou a mudar. Afinal, as comunicações entre a Petrobras e o Ibama não pararam. Então a empresa mandou uma lista: criação de novos centros de reabilitação da fauna, reforço na estrutura de resposta a derrames. Em maio, o Ibama considerou que, em teoria, estava aceitável. Agora em setembro, foi aprovada uma operação simulada de resposta a emergência. Então está aí a licença para explorar.
De acordo com a apuração da Sumaúma, que é uma revista digital que cobre meio ambiente, a direção do Ibama contrariou o parecer de 29 técnicos para liberar esse caminho. E não foi cobrada a Avaliação Ambiental de Área Sedimentar. É nesse ponto aí que mostra o tamanho da briga dentro do governo Lula. Porque isso não tem nada a ver com a Petrobras. O Ministério do Meio Ambiente, por conta de uma portaria intraministerial, dizia que a AAAS era fundamental. Sem ela não tinha licença. De quem é a obrigação de produzir esta avaliação? Do Ministério das Minas e Energia. Se o ministro Alexandre Silveira tivesse mandado fazer essa avaliação no primeiro dia como ministro, estava pronto no final do ano passado. Silveira decidiu que não ia fazer. Marina Silva exigia. Virou ponto contigecioso. O Ibama e a Agência Nacional de Petróleo definem o que tem de entrar na avaliação, o ministério faz.
Esse estudo serve para entender o potencial de impacto ambiental e socioeconômico de grandes bacias sedimentares. É para entender que tipo de problema pode ter. Faz-se o estudo para poupar um gasto imenso de dinheiro das companhias petrolíferas. Então qual é a consequência? Sem a avaliação que o ministério tinha de fazer, o Ibama precisou liberar a exploração só com o EIA/RIMA. A diferença é a seguinte. Essa licença serve pra um único poço, o poço de Morpho. Serve pra explorar, não pra produzir. Todo o resto da região ainda está bloqueado.
Sim, o governo Lula quer poder avançar com essa operação e o Planalto vê essa licença como vitória. Ela veio debaixo de uma imensa pressão política. Mas o problema não acabou. Sem a avaliação, o que foi permitido, no fim das contas, é ir lá e ver se tem petróleo num circulozinho no meio de um mapa gigante.
Que pressão política? Gente, esse anúncio de hoje tem a ver com todo o jogo político brasileiro. Tem a ver com a briga por definir quem é o sucessor de Luís Roberto Barroso, no Supremo. Tem a ver com quem será o candidato ao governo de Minas Gerais do governo. Tem a ver com a relação entre Lula e Gilberto Kassab, com quem apoiará Lula na eleição presidencial de 2026. Essa licença tem a ver com a briga para manter os vetos presidenciais às regras de licenciamento ambiental no Brasil. Vocês lembram que o Congresso Nacional mudou a lei ambiental e permitiu que projetos com “médio potencial poluidor” tenham autolicenciamento? Ou seja, quem se interessa pelo projeto pode dizer que já satisfez as condições para ter a licença e pronto? Foi vetado. O Congresso pode ou não derrubar o veto. Liberar a exploração de Morpho tem impacto nessa votação. Como esse jogo se entrelaça? Vem comigo.
Vamos botar o mapa aqui na mesa. Bem, uma mesa virtual. Presidente do Senado? Davi Alcolumbre. União Brasil do Amapá. Líder do governo no Congresso? Randolfe Rodrigues. Partido dos Trabalhadores do Amapá. Governador do Amapá? Um jovem e talentoso político chamado Clécio Luís, do Solidariedade. Os três são aliados regionalmente e seus interesses, a respeito do petróleo na Foz do Amazonas, são os mesmos. Macapá é uma cidade em que quase todo o dinheiro vem daqueles que são funcionários públicos. A economia do estado, que só virou estado na Nova República, vem de o Estado existir. Quando aquele lugar começar a produzir petróleo, a economia local vai dar um salto. A exploração é um tema muito popular. Não tem qualquer político de esquerda ou de direita, ali, que tenha opinião contrária.
E tem outro ponto, tá? Mesmo entre ambientalistas, compreende-se que a transição para o carbono zero vai ser feita com dinheiro do petróleo.
Quem é o ministro das Minas e Energia? Alexandre Silveira. PSD, o partido de Gilberto Kassab. De Minas Gerais. Sabe quem também é senador do PSD por Minas? Rodrigo Pacheco, ex-presidente do Senado, principal aliado político de Davi Alcolumbre. Pacheco quer ser ministro do Supremo. Alcolumbre quer Pacheco ministro do Supremo. Tem vaga no Supremo, mas Lula indicou para a vaga o advogado-geral da União, Jorge Messias. O Bessias da Dilma. Quem aprova ministro do Supremo? O Senado. Parece má ideia brigar com o presidente do Senado numa hora dessas, né?
Lá em Minas, está uma disputa ferrenha por quem será candidato ao governo do estado pelo flanco bolsonarista. Tem uns três brigando por essa coroa. Um deles, o vice-governador de Romeu Zema, Mateus Simões, que está migrando para o PSD. É. O partido de Silveira, o partido de Pacheco. Quer suceder Zema. Sabe quem mais quer essa cadeira como prêmio de consolação? Pacheco.
Então vamos lá, continuando no xadrez. Se Pacheco sai candidato ao governo de Minas com apoio de Lula, ele terá sozinho os eleitores de esquerda e os de centro, enquanto na direita vai rolar uma carnificina, um brigando com o outro. É um prêmio de consolação para Alcolumbre, mas tem mais nesse jogo. Afinal, Alcolumbre acaba de ganhar a possibilidade de dizer que conseguiu iniciar o projeto de exploração de petróleo. Outro que leva para sua campanha de reeleição essa mensagem é Randolfe Rodrigues.
E isto quer dizer que o Palácio do Planalto terá um aliado em Alcolumbre na hora de avaliar os vetos contra as mudanças na lei de licenciamento ambiental. Não esqueçam deste detalhe: o presidente do Senado é o presidente do Congresso. É ele quem define quando, em sessão conjunta, Câmara e Senado aprovam ou rejeitam este veto. Ter controle sobre a agenda não define o resultado, mas é a melhor ajuda com a qual o Planalto pode contar.
Aí é isso. Nada está resolvido. Alexandre Silveira se recusa a completar a Avaliação de Área Sedimentar. Uma portaria interministerial exige que esse documento seja aprovado. Conseguiram dar um jeito de o Ibama autorizar a investigação de um pontinho no meio do mar imenso. Mas a manchete é bonita: Ibama autoriza, Petrobras vai perfurar. Assim, o Palácio do Planalto dá uma vitória para Alcolumbre, ajeita a reeleição de Randolfe, limpa o conflito pelo Supremo, começa a arrumar a sucessão de Minas, tudo numa tacada só. Mas impõe uma derrota a Marina Silva às vésperas da COP30. Num mundo em que o grande vilão é Donald Trump, o risco de isso manchar o Brasil é pequeno.
Quem está certo nessa briga? Aí é bastante mais difícil. Alexandre Silveira é um político ruim. Se tocasse a avaliação, teria muito menos tensão nessa briga toda. Ele criou muito do problema. Mas quem defende que o Brasil explore petróleo ali em cima não está de todo errado. Vai se fazer dinheiro com petróleo por um tempo. Os países europeus não estão deixando de explorar. Ainda assim, criou-se um conflito entre o Ministério do Meio Ambiente e o das Minas e Energia que gerou uma quantidade imensa de atrito. E tornou a exploração impopular. Uma pesquisa divulgada hoje revela que 60% dos brasileiros são contra.
Pois é. Às vezes, as brigas políticas acontecem por escolha dos governantes. Os problemas do governo Lula não estão apenas no Congresso. Alguns começam em casa. Veja, o Ministério do Meio Ambiente não está errado em querer estudos amplos e claros. Informação ajuda a fazer tudo direito. Aliás, quem é o ministro responsável por evitar conflitos que virem crises de imagem do governo? O da Casa Civil. Ruy Costa, toma que é sua.