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De Flávio, Centrão e STF

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A estranhíssima candidatura-chantagem de Flávio Bolsonaro, por um lado, e as crises abertas por Gilmar Mendes e José Antonio Dias Toffoli, no Supremo, por outro, são pontas de uma mesma briga. É uma briga de foice no coração da República. Uma briga em que o personagem principal está oculto. É o Centrão.

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Mas antes, gente, tem uma coisa que atrapalha a leitura do cenário. É a crença de que toda a direita é bolsonarista. Não é. Nem o eleitorado da direita é bolsonarista, nem os políticos de direita. Se isso já não estava evidente, o fato de todos, rigorosamente todos os presidentes de partidos de direita terem se recusado a apoiar a candidatura Flávio Bolsonaro já devia deixar evidente. Ficou com ele só Valdemar Costa Neto, presidente do seu PL. O resto pulou fora no primeiro segundo.

Então o que está acontecendo aqui? Para entender, a gente precisa compreender as intenções de cada grupo. Qual o objetivo de cada um. Qual é o cenário bom e qual é o cenário ruim para cada um.

O que querem Jair Bolsonaro e sua família? Duas coisas. Primeiro, liberdade. Segundo, poder para Bolsonaro. E há uma característica do ex-presidente que já deveria ser óbvia há muitos anos. Ele só confia na família. E, quando falamos família, falamos dos filhos. Não da mulher. E, vamos combinar, taí uma relação esquisita. O sujeito recém-preso e a mulher posando toda sorrisos para fotos Brasil afora. Mas vá. Bolsonaro é o primeiro a trair qualquer aliado e mede todo mundo pela sua régua. Tem certeza de que será traído a qualquer segundo. De certa forma, é o tipo da relação que estimula mesmo traições.

O problema é que se você pega um paranoico convicto como ele, fazer política se torna muito difícil. Por que o MBL, com um punhado de seguidores, consegue formar um partido, mas Bolsonaro nunca conseguiu sendo presidente da República e no auge da popularidade? Não é só dinheiro da Refit que o MBL teve, Bolsonaro também pôde contar com muitos financiadores gordos. O que o MBL tem é um projeto de movimento. Renan Santos, Arthur Do Val e Kim Kataguiri confiam uns nos outros e têm um projeto comum. Bolsonaro nunca teve mais que um projeto familiar. Desde o início da carreira. Isso faz muita diferença.

Qual é o cálculo que Bolsonaro faz? Muito, muito simples. Para Jair Bolsonaro, é melhor Lula no quarto mandato de presidente do que Tarcísio ou Ratinho ou qualquer um outro no primeiro. O cálculo, que ouvi de um sem número de pessoas na última semana, é muito simples. A família Bolsonaro tem convicção de que, se Tarcísio for eleito, acontecerá o seguinte: ele assinará um indulto presidencial. O papel vai então atravessar a Praça dos Três Poderes, vai bater no plenário do Supremo, e os ministros vão considerar o ato inconstitucional. Aí, de bate-pronto, Tarcísio lava as mãos. “Pô, aí. Tentei. Não deu.” E vai tocar a presidência da República. Neste momento, não sobra nenhum poder para a família Bolsonaro. Nenhum. A direita tem um novo líder, já levou os votos que tinha de levar, e Jair vai continuar na cadeia.

Neste cenário, que é aquele no qual o ex-presidente acredita, é mais negócio perder com o filho e ter Lula na presidência. Ele seguirá o líder da direita e no seu entorno ainda haverá capacidade de mobilização. Sua turma ainda conseguirá mobilizar gente nas ruas do país e pressionará a direita, no Congresso Nacional, por Anistia.

Vejam, por que é que estão vazando loucamente trechos do filme em que Jim Caviezel, o herói-canastrão dos filmes da extrema direita, faz Bolsonaro? A família está, neste momento, tentando loucamente mobilizar sua base nas redes sociais. Neste exato momento, eles precisam de algum tipo de demonstração de força. E não estão conseguindo. Repito: não estão conseguindo.

Por que Flávio se lançou candidato e, já no domingo, disse que poderia sair por um preço? Porque entenderam que a candidatura não decola, acham que Michelle não é confiável, e não tem outro com o sobrenome. Hoje de tarde, Flávio estava desesperado tentando convencer líderes do Centrão a jantarem com ele à noite. Não estava conseguindo. Mesmo que consiga, terá sido porque precisou se arrastar. Não é um bom começo numa negociação.

E, vem cá, e o Centrão nisso tudo? Gente, ao Centrão interessa poder. Hoje, o Centrão tem mais poder do que jamais teve. O Congresso Nacional controla um pedaço maior do orçamento do que jamais controlou. Interessa ao Centrão um ditador? Claro que não. Um homem forte, que em tudo manda, no Palácio do Planalto é o Centrão precisando voltar a puxar-saco de presidente para ter uma rebarba. A República decadente que temos é o sonho do Centrão. Numa ditadura, eles perdem poder.

E o Supremo? Vem que a conversa renda.

Eu sou Pedro Doria, editor do Meio.

A fala do Flávio Bolsonaro admitindo que pode abandonar a candidatura mostra que o jogo de 2026 já começou. E tem uma armadilha clássica aqui: se você acompanhar só o sobe e desce de nomes, vai perder os movimentos que realmente desenham a eleição. É exatamente por isso que a Pesquisa Meio Ideia entra em cena. A partir de janeiro, todo mês até o segundo turno, a gente vai medir o pulso do eleitor: para onde ele vai, o que procura, o que rejeita, e não apenas o placar do dia. Isso vem junto com o que o Meio faz de melhor: reunir vozes plurais, de diferentes correntes políticas, com uma premissa em comum — te dar contexto para ter certeza nas urnas. E, olha, essa é uma pesquisa que não vai ser lida primeiro por banqueiros, por jornalistas, por políticos. É uma pesquisa que quem vai ler primeiro são os assinantes premium do Meio. Quem vai distribuir primeiro para os amigos serão vocês. Assine o Meio Premium hoje e tenha acesso a toda a nossa curadoria e produção em texto, vídeo e áudio. Vai valer a pena.

E este aqui? Este é o Ponto de Partida.

Assim como é um erro achar que toda a Direita é igual, é um erro achar que o jogo em Brasília tem de ser lido pelo enquadramento direita/esquerda. Se sou de esquerda, sou a favor do Supremo. Se sou de direita, a favor do Congresso.

Gente, vamos deixar uma coisa clara, aqui. Ministro do Supremo Tribunal Federal, palmeirense, ganha de presente uma viagem com tudo pago, em avião particular, para ir ver seu time na final da Libertadores, em Lima. Ao seu lado, o advogado de sócios do Banco Master. Aí, chega do fim de semana peruano, se tranca no gabinete, e põe em sigilo absoluto o caso do Master. O nome disso é corrupção, tá? Toffoli se corrompeu. Ele misturou o público e o privado sem nenhum pudor, ganhou um presente e prestou um favor. Não importa se não existe uma relação causal. Ele mandou para toda Brasília a informação de que, com presentes bastante caros, qualquer com interesses na Corte pode ganhar sua companhia por algumas horas.

Tudo o que sabemos já é um ato bárbaro, infame, de corrupção. O que apenas imaginamos piora muito. Aí, na mesma semana, o ministro Gilmar Mendes toma a decisão e tornar muito mais difícil conseguir o impeachment de um ministro do Supremo. E isso tudo acontece enquanto a Polícia Federal está no meio de uma investigação que a leva a convicção de que, contratando os escritórios de advogados certos, é possível comprar as decisões de alguns juízes no Superior Tribunal de Justiça. Em que cenário isto se dá? No cenário em que o Supremo facilitou para que os escritórios de mulheres e de filhos de ministros estejam livres para atuar com processos na Corte.

A direita tem toda a razão em gritar corrupção. Assim com a esquerda tem toda a razão em gritar corrupção quando o Centrão atua de forma grotesca, capturando orçamento, tentando emplacar PEC da blindagem, tentando chantagear o presidente por suas escolhas para o Supremo.

Mas, e aí? Quais são os critérios de Lula para escolher ministros do Supremo? Gente com extrema fidelidade pessoal. Ou seja, Lula em essência deixou claro que o Supremo é político, é assim que o vê. Como é assim que Davi Alcolumbre o vê. Botar ministro no Supremo serve para proteger seu grupo político.

O Supremo é a arma do governo contra o Centrão. O Centrão montou no Congresso mais poderoso da história, enquanto Lula encabeça o Planalto mais fraco que já houve. O que estamos assistindo não é uma disputa por democracia. O que estamos assitindo é uma disputa por poder numa República que apodreceu. O Supremo está defendendo seus interesses. O Centrão está defendendo os seus. E a República Federativa do Brasil se desmontou. Se desordenou.

Olhar para isso e enxergar uma briga de mocinhos e bandidos é um erro. A gente precisa de um diagnóstico correto. Isso começa, como bem falou o presidente do Supremo Edson Fachin, hoje, de um ordenamento urgente para os tribunais superiores. Precisa de regras de ética a mais básica. Precisamos de um Congresso com poder de fiscalização, mas não de orçamento. Precisamos reforçar a presidência.

E nada disso vai acontecer para quem seguir achando que é filme de Hollywood, basta torcer para seu lado. Está tudo podre. Enquanto a sociedade estiver distraída, a briga vai continuar num redemoinho buraco abaixo. E, olha só, esses escândalos no Supremo existem e vão começar a explodir, um após o outro. Defesa corporativista não vai salvar os ministros. A pior coisa que pode acontecer, neste momento, é a sociedade começar a perder a confiança por completo nos três poderes. Porque, aí, é pior do que redemoinho abaixo. Aí é a convicção de que democracia não funciona.

Se os ocupantes de cargos nos três poderes deixarem a coisa apodrecer demais, serão eles, conjuntamente, os responsáveis pela perda da democracia.

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