O maior partido do Brasil
Essa federação União Progressista, que junta o União Brasil e o Partido Progressista num grupo partidário só, explica muito sobre como precisamos começar a reler a maneira como a política brasileira está funcionando. De cara, já é o maior partido do país.
Vamos falar dos números, aqui. Tem 109 deputados federais. É a maior bancada. Passa o PL, com 91 e a federação PT, PCdoB e PV, com 80. Tem seis governadores. O PT tem quatro e, o PSD de Gilberto Kassab, três. Tem 14 senadores, mesmo número de PL e PSD. Tem 1330 prefeitos. O PSD tem 887 e, o MDB, 853. Para comparar, a federação PT, PCdoB e PV tem no total 285 prefeituras. O maior partido de esquerda em número de prefeitos é o PSB, com 312. O PDT tem 149 e, o PSol, nenhuma. É um partido bem pouco relevante em termos eleitorais. Se a gente somar todas as prefeituras de esquerda, dá 746. O União Progressista sozinho tem quase o dobro disso.
O presidente da República é de esquerda porque o Brasil rejeitou Jair Bolsonaro, que é quem foi pela direita para o segundo turno na última eleição. Mas isto não quer dizer que o Brasil seja de esquerda. Muito pelo contrário.
Por que o União Progressista nasceu? Olha, o União Brasil já era bastante grande, o PP também já tinha tamanho à beça. Para que unir? O que eles ganham com isso? As respostas são duas. A primeira é dinheiro, a segunda é poder. Podem parecer a mesma coisa, não são. Mas vamos começar pelo dinheiro. Os partidos recebem grana por duas fontes. Uma é o Fundo Eleitoral. Em 2024, o Fundo Eleitoral foi de quase cinco bilhões de reais. A outra é o Fundo Partidário, que vem todo mês. O União Progressista vai pegar 20% de toda essa grana. É de cara o partido mais rico do Brasil. Isso quer dizer que, no ano passado, só pra eleição teria posto no bolso quase um bilhão de reais.
Mas vamos voltar um pouco na história. Por que coisas como o Mensalão aconteceram? Ou o Petrolão? Claro, tem sempre o desejo profundo que move a muitos de enriquecer. Roubar dinheiro público para botar no bolso. Mas a maior parte do dinheiro desviado não foi para isso, foi para campanhas eleitorais. É o caixa dois.
Por que um político queria, no passado, indicar um diretor de estatal? Ou mesmo ter o comando de uma empresa pública qualquer? Por que queria um ministério? Porque são cargos que assinam cheques para compras muito grandes ou para obras muito caras. Quem tem o poder de assinar um cheque alto tem também o poder de fazer esquemas do tipo, simplificando, eu escolho você, você ganha o contrato, mas você me devolve parte do que ganhou. Essa propina, esse suborno, na maior parte ia para o caixa dois das campanhas eleitorais. Fazer campanha é caro. Publicitário é caro, filme sofisticado para propaganda é caro, campanha antes das redes sociais custava muito. E quem conseguia investir mais pesado tinha mais chances de ganhar mais eleições.
Parte do resultado da Operação Lava Jato, quando se detectou que o financiamento de campanha era um incentivo importante de corrupção, foi a criação do financiamento público. Ou seja, os partidos ganham a grana do Estado, aí não precisam roubar. E, olha, do ponto de vista da lógica de política pública, prestar atenção nos incentivos diversos faz muito sentido. Não é ruim por si a ideia de o Estado bancar a campanha eleitoral, isso nivela o jogo. Quem tem eleitores ricos capazes de doar mais não tem como influenciar mais do que os outros. Os partidos ganham recursos proporcionalmente ao número de eleitores que têm, não importa o tamanho do bolso. Grande parte dos problemas de deterioração da política americana vêm, justamente, do peso que gente muito rica consegue botar em quem ganha e quem perde no Congresso. Deputados demais devem favores a setores da economia.
Mas, ao juntar tantos deputados federais, quase um quinto da Câmara, o resultado é este. De cara, o União Progressista se torna o partido mais rico do Brasil. Isto quer dizer também o partido mais poderoso?
Eu sou Pedro Doria, editor do Meio. E este? Este é o Ponto de Partida.
No início do mês, um deputado do segundo escalão, Pedro Lucas, recusou o convite para ser ministro das Comunicações. É inacreditável, esse é o ministério pelo qual uma lenda da direita brasileira, Antonio Carlos Magalhães, lutou muito para ter no governo José Sarney. E conseguiu ter. Era um ministério com imenso poder, pois define quem terá concessões de rádio e TV. E muito político queria essas concessões, principalmente no interior do país. Muito empresário queria. Pedro Lucas enrolou por quase um mês, chegou a ser anunciado, aí disse, não, muito obrigado. Prefere ser o que é. Líder do União Brasil na Câmara.
Duas emendas constitucionais, uma aprovada em 2015, quando o presidente da Câmara era Eduardo Cunha, outra de 2019, com Rodrigo Maia no cargo, mudaram a relação do Poder Legislativo com o Poder Executivo. Criaram o orçamento impositivo. Ou seja, quando os deputados ou os senadores aprovam determinadas emendas, o governo não tem escolha que não conceder aquele dinheiro. Ter boa relação com o governo, no passado, era fundamental para garantir que uma emenda seria executada. Quer dizer, que aquelas ambulâncias seriam compradas, aquela escola seria erguida, aquela rua seria capeada. Os municípios precisam de dinheiro federal.
Cargos públicos que davam dinheiro através de desvio de verbas e boa relações com o presidente da vez para garantir que emendas aprovadas seriam executadas era o objetivo de todo deputado federal. Não é mais. O que dá mais poder hoje? Ser o líder na Câmara do maior partido do Parlamento brasileiro, ou ser ministro de Estado? É ser líder. O líder define as pautas que serão votadas e, portanto, tem muito mais influência em que deputado terá que dinheiro do que qualquer ministro de Estado.
Agora, qual é o pedaço da história que não está claro? O que quer o União Progressista? Seguir tendo a maior bancada no Congresso Nacional é certo. Mas vale a pena ter a presidência da República? Porque, veja, este partido novo tem um membro que deseja muito se lançar. É Ronaldo Caiado. Mas campanha para presidente é caro. Decidir lançar alguém presidente quer dizer que aquele bilhão de reais para campanhas precisa ser compartilhado. Um pedação para o candidato ao Planalto, o resto rateado entre todos os que desejam a Câmara ou o Senado.
Este debate vai pegar fogo lá dentro da legenda. Não só de lá. Também do PL, também do PSD. E, cada vez mais, tem político dizendo o seguinte: deixa a presidência pros outros, o poder de fato está no Congresso.
Pode ser. Mas isto quer dizer o seguinte, na prática. Presidente de esquerda não governa neste novo Brasil. Assume, fica quatro anos, faz discurso, movimenta sua torcida. Mas não tem poder real para aprovar qualquer pauta de mais relevante a não ser que a direita a adote. Presidente de direita é diferente. Este terá base no Congresso.
Sei que, para eleitores de esquerda, a notícia vai cair mal. Mas qualquer estratégia eleitoral que não leve o novo desenho institucional do Brasil em consideração trará vitórias de Pirro. Você acha que ganhou mas, na verdade, seguirá sem poder para produzir grandes transformações.
Para os brasileiros em geral, o dilema é um pouco diferente. Que tipo de país teremos se presidentes não têm poder real de promover as mudanças que consideram importantes? Porque, ao que parece, presidentes de direita governam, sim, mas só eles. E, ainda assim, serão reféns do Congresso. Enquanto isso, para o cidadão comum, a culpa continuará sendo só do presidente. Porque no Parlamentarismo ou mesmo no Semipresidencialismo, o eleitor sabe quem está tomando as decisões. Responsabiliza o Congresso por governos ruins. Muda os partidos no comando.
Como estamos, hoje, cada vez mais do poder está no Congresso enquanto, na cabeça do eleitor, a culpa é sempre do governante. Como está, não funciona.