O cenário do pesadelo no Irã
O cenário do pesadelo é o seguinte: nós sabemos que o Irã enriqueceu urânio a 60%. Não são os Estados Unidos que sabem. Não é Israel que sabe. São técnicos da Agência Internacional de Energia Atômica que estiveram tanto em Natanz quanto em Fordow que mediram o urânio produzido lá. Esta é informação oficial que o governo do Irã não nega. Diz que foi acidente. Cascata pra boi dormir. Nem ingênuo acredita.
O ponto é o seguinte: para produzir energia nuclear, o urânio precisa ser enriquecido entre 3 e 5%. Algumas usinas ultra-modernas, de última geração, até precisa passar disso um pouco. Mas nunca chega a 20%. Não existe qualquer razão para passar de 20%. O Irã levou a 60%. Serve para uma arma nuclear. Não. Para uma arma nuclear é preciso passar dos 90%. Com a tecnologia que o Irã tinha, é coisa de duas semanas.
Se quisesse, com o equipamento que tinha, o Irã teria o material para armar um míssil nuclear em duas ou três semanas.
Então qual é o cenário do pesadelo? A Agência Atômica, que é ligada à ONU, não mediu qualquer índice de radiação em Forlow após o bombardeio americano. Urânio enriquecido não necessariamente levanta uma nuvem de radiação e pode ser que as bombas massivas tenham selado a montanha. Mas é igualmente provável que, com tanta ameaça que aconteceu nas últimas semanas, o Irã tenha transferido ao menos parte de seu estoque de urânio enriquecido para outro local.
O cenário do pesadelo? Se os iranianos tiverem um outro laboratório subterrâneo, este secreto, e se tiverem algum equipamento como o que tinham por lá, podem ter uma arma nuclear em menos de um mês. Que pode ser lançada contra Israel ou que podem transportar dentro de um caminhão ou van.
Vejam, os americanos fizeram, neste fim de semana, seu ataque mais agressivo desde Hiroshima e Nagasaki, em 1945. Foram 14 bombas, as mais potentes do arsenal mundial excluindo armas nucleares. Bombas mais potentes, na sua capacidade de destruição, daquelas bombas atômicas dos anos 40. Não deixam, claro, a nuvem radioativa. Mas a explosão em si é de maior impacto. A partir de uma ofensiva deste nível, o Irã já entende que os Estados Unidos entraram na guerra. Quem toma as decisões por lá? Um fanático religioso de 86 anos que não está nem aí para sua vida ou dos iranianos.
Se o ataque americano deixou urânio enriquecido e equipamento, e nós não temos como saber, se Ali Khamenei chegar à conclusão de que o regime dos aiatolás está no limite de cair, a gente está num lugar muito, muito perigoso. E esta é a maior preocupação dos democratas. Deixa eu ser claro, aqui. O cenário do pesadelo é o pior que há, mas é também o menos provável. A questão é a seguinte: George W. Bush, Barack Obama e Joe Biden, ao longo dos últimos 25 anos, tiveram esta decisão sobre a mesa. E todos, rigorosamente todos, acharam melhor não fazer este ataque. Obama e Biden, assim como o Trump do primeiro mandato, sabiam que o Irã estava próximo de ter ogivas nucleares. Uma das razões para não fazer o ataque era, justamente, que se dá errado, poderiam ter empurrado o Irã para dar o passo derradeiro.
Então como é que justamente quando um presidente americano é eleito prometendo que não faria mais guerras, é agora que um ataque desta dimensão acontece? Bem, tem um conflito ideológico sério no coração do governo Trump. Vamos entender?
Eu sou Pedro Doria, editor do Meio.
Sabe, a gente precisa conversar sobre que tipo de espaço existe para podermos falar abertamente sobre valores. Sobre o que é sermos brasileiros todos. Não os vermelhos de um lado e os amarelos do outro. Sobre quem somos em conjunto. Não estamos tendo essa conversa. Este é um ato de cidadania. Aqui no Meio a gente defende a liberdade de ouvir dois, três lados, para então fundamentar a construção de um pensamento crítico e que seja seu, de fato. Mas para isso a gente sabe, é preciso construir repertório. E o Meio Premium é ideal para isso. Reportagens exclusivas, newsletters especiais aos sábados e às quartas e streaming por apenas R$ 15 por mês. Assine. Te garanto que vai fazer a diferença nas suas conversas.
E este? Este é o Ponto de Partida.
Aposto que a maioria de vocês viram aquele pedaço de uma entrevista do jornalista Tucker Carlson com o senador republicano Ted Cruz. Viralizou na semana passada. Carlson, talvez o jornalista de sucesso mais à direita dos Estados Unidos, demonstra o quanto Cruz não entende nada de Irã e, ainda assim, estava botando lenha no fogo para que o ataque ocorresse. Carlson? Trumpista. Cruz? Trumpista.
Pergunte a ambos sobre cultura woke, terão a mesma posição. Pergunte a ambos sobre o governo Joe Biden, dirão que foi fraco. Pergunte a ambos sobre os estudantes pró-palestina nas universidades, vão ouvir os mesmos palavrões. Isso os une. Pergunte sobre o papel dos Estados Unidos no mundo e são água e vinho. De um lado, neoconservadores. Do outro, nativistas, a turma America First. América Primeiro.
Os neoconservadores formaram sua visão durante o governo Richard Nixon, estavam presentes no governo Ronald Reagan e foram dominantes no governo Bush filho. Ted Cruz e outro senador importante, Lindsay Graham, neocons puros. Como também Marco Rubio, o atual secretário de Estado. Sua visão de país é que os Estados Unidos são um gigante benigno que tem a obrigação moral de garantir segurança ao mundo. Se isso inclui remover regimes hostis, é o trabalho. Tentaram isso no Iraque, após o Onze de Setembro. Eles sabem que o trabalho de transformar o Iraque numa democracia foi um fracasso. Sua tese é de que faltou investimento e faltaram soldados. Era preciso mais força para construir as instituições do país e derrotar as guerrilhas.
Os nativistas são outro bicho. Consideram que os Estados Unidos são um país cujas elites querem simplesmente saquear as riquezas do exterior. Sim, essa é a visão da extrema-direita americana. Porque sua preocupação é esta de sugar o resto do mundo, as elites também negam recursos para a sociedade americana. Defendem que o governo deveria se fechar internamente, os outros países que se virem, cada um com seus problemas. Stephen Bannon, Tucker Carlson, o vice-presidente J. D. Vance, o filho mais velho de Trump, Don Junior. Esse é o pessoal America First. Dane-se acordos internacionais, dane-se a OTAN. Curiosamente, tem muitos pontos de contato com a esquerda radical do mundo. Mas é a tal história. Enquanto neocons são a favor de imigração, e veem um país que deve ser aberto para o mundo como potência dominante, os nativistas querem fechar as fronteiras e expulsar quem é de fora.
No momento, essa disputa está a toda no interior do governo. Trump fica entre os dois sem muitas convicções, vai prum lado, vai pro outro, tentando cheirar onde fará sucesso. Vance está nas televisões dizendo que não é uma guerra, que o bombardeio foi feito e pronto, tudo como dantes. Os neocons vão adorar se houver uma guerra e o regime iraniano cair. Eles querem um caso de sucesso, de mudança de regime eficaz. Querem provar que sua tese jamais comprovada estava certa.
Há uma terceira visão no país, é a visão liberal de política externa de Bill Clinton, Barack Obama e Joe Biden. Estes não saem declarando guerra sem apoio internacional. Sim, veem os Estados Unidos como potência, acham que Washington deve puxar acordos, mas sua crença é de que acordos precisam ser costurados antes de ação. O trabalho precisa ser feito junto com a comunidade internacional por objetivos com os quais uma aliança de países concorde. Diplomacia, sanções econômicas, tudo vem antes de guerra. Negociações intensas. Liberais e nativistas não têm qualquer ponto de contato. Com neocons há conversa, afinal ambos são internacionalistas. Mas existe uma diferença fundamental. Liberais não acreditam que democracia se impõe de cima para baixo. Sociedades constróem suas democracias porque a desejam. Nenhum país entra, derruba uma ditadura, e faz nascer uma democracia. Liberais veem isso como uma fantasia irreal e fundamentalmente arrogante. Sim, você pode ajudar a criar uma cultura democrática. Mas essa ajuda não substitui as pessoas fazerem suas escolhas na sua terra com sua cultura.
O fato é o seguinte. O Irã é um país perigoso. Após esse ataque, chegamos ao ponto de maior fragilidade do regime. Este é um regime que resistiu a muita pressão interna, que oprime seu povo e que não tem pudores de se meter na política de todos os países vizinhos promovendo, inclusive, ações de terrorismo e assassinatos.
O Irã dos aiatolás. Não sabemos qual seu nível de força neste momento. Pode estar próximo de entrar em colapso, pode, esta é uma hipótese remota, estar com potencial nuclear. Americanos e israelenses têm inteligência que os garante que não tem esse risco. Mas a inteligência de ambos os países já falhou muito feio recentemente. É um regime acuado como nunca esteve.
Enquanto isso, Israel tem um primeiro ministro que já se mostrou capaz de qualquer coisa para se manter no poder. E os Estados Unidos têm, pela primeira vez desde que há memória, um presidente que é um oportunista sem ideologia, que pesca as ideias que ele acha que vão lhe dar poder e popularidade. Um presidente sem qualquer visão de mundo, que muda conforme o vento o que acha, que olha apenas para o próprio umbigo. Pois é. Israel e Estados Unidos são, neste momento, liderados por homens que pensam em si, não em seus países.
Tem também o melhor cenário. Israel e Estados Unidos não se metem mais, o povo iraniano perde o medo, vai pras ruas, e o regime se desmonta. Eles, os iranianos, derrubam a teocracia e aos poucos nasce lá o que eles já tiveram mas iraquianos e afegãos nunca tiveram. Uma democracia deles. Com valores persas. Quem sabe?