O bolsonarismo está no fim
Vocês viram Donald Trump, né? Sobre Jair Bolsonaro. “O Brasil está fazendo uma coisa terrível em seu tratamento do ex-presidente Jair Bolsonaro”, ele escreveu na Truth Social, aquela rede social que só ele e os aloprados de direita usam. “Tenho assistido, assim como o mundo, como eles não fizeram nada além de persegui-lo, dia após dia, noite após noite, mês após mês, ano após ano. Ele não é culpado de nada, exceto de ter lutado pelo povo.” Eduardo Bolsonaro, lá nos Estados Unidos, deve estar com um sorriso de um canto ao outro da boca. Aí Steve Bannon, o sujeito que é o cabeça do movimento internacional de direita, deu uma entrevista a Mariana Sanches, do UOL. “Ele está muito aborrecido com isso”, Bannon disse sobre Trump. “Acredito que haverá severas sanções financeiras contra Moraes. Há dezenas de pessoas trabalhando nisso, tanto no Executivo quanto no Congresso, e veremos o resultado em algumas semanas.”
É. Pode ser que sanções venham mesmo contra o ministro Alexandre de Moraes. Mas deixa eu compartilhar uma impressão minha com vocês. Talvez o bolsonarismo esteja caminhando para o fim.
Vejam, uma afirmação forte dessas não é óbvia. A pesquisa Atlas Intel que saiu ontem diz outra coisa. Diz que, se fosse candidato, Jair Bolsonaro seria eleito num segundo turno contra Lula. Bolsonaro teria 48,6% contra 47,8% de Lula. Está apertadíssimo, dentro da margem de erro, mas em essência desenha o mesmo cenário de 2022, né? Aquela eleição que quem ganha, ganha por um fio de cabelo. Segundo a mesma pesquisa, Lula venceria Tarcisio por menos de um ponto percentual, venceria Michelle Bolsonaro por meio ponto. Ou seja, essencialmente o mesmo cenário. Lula empata com Bolsonaro, empata com Tarcisio e empata com Michelle. Ratinho Júnior, Caiado, Romeu Zema e Eduardo Leite dão para Lula vitórias tranquilas. Quer dizer, é isso. Segundo essa pesquisa, Bolsonaro está firme e forte.
Mas o problema é o seguinte: Bolsonaro não vai participar da eleição. Na verdade, é razoável crer que Bolsonaro já estará preso por tentativa de golpe de Estado ainda esse ano. Vocês devem lembrar o que aconteceu com Fernando Collor de Melo. Foi preso, deu umas desculpas meio esfarrapadas relacionadas a saúde, lhe foi permitida prisão domiciliar. Bem, Bolsonaro tem problemas reais de saúde, a facada fez um estrago grande e certamente lhe custou uns anos de vida ali na ponta final. Ou seja, quando for preso deve ir pra prisão domiciliar. Mas prisão domiciliar não é Bolsonaro em casa reclamando de tudo. Ele não pode receber visitas sem permissão da Justiça, não pode se manifestar pela internet. Bolsonaro vai desaparecer do mapa. Quando o período eleitoral esquentar, Jair Messias Bolsonaro estará calado faz pelo menos seis meses.
Todo mundo que está jogando xadrez político, nesse momento, sabe disso. Então isso quer dizer que Jair Bolsonaro acabou? Calma. Vamos precisar levar alguns pontos em consideração. O primeiro, Donald Trump. O quanto Donald Trump pode se envolver com esse tema? O quanto Trump pode bater no bumbo de Bolsonaro? É importante porque Trump é alguém com poder de manter o nome de Bolsonaro vivo. Em segundo, Tarcisio, Michelle, Eduardo. Quem é candidato a quê? Em sendo candidato, quem terá que tipo de compromisso com Jair? Em terceiro, vejam bem, está a esquerda. Quando Bolsonaro estiver fora do mapa, a esquerda vai querer usar seu espantalho? Mantê-lo vivo para tentar tirar voto de outros candidatos de direita?
Porque não se esqueçam de uma coisa: pesquisas eleitorais a um ano e meio da eleição tratam, essencialmente, de recall. Medem quais nomes são lembrados. Isso é útil para saber de que nível um candidato parte para concorrer a uma eleição. É inútil para quem é lembrado e não vai concorrer.
Então vem comigo, vamos analisar.
Eu sou Pedro Doria, editor do Meio.
Rapidinho, dois segundos doutro assunto antes de voltarmos. Nós não estamos conversando sobre Israel e Palestina. Nos dividimos em grupos, cada um do seu lado xingando o outro. Pois é. É sempre assim nas redes. Usamos palavras fortes, tratamos o lado do qual não gostamos como a pior gente que existe. Às vezes, fazemos parecer que este conflito nasceu no 7 de outubro de 2023. Ou em 1967. Ou, mesmo, em 1948. É muito mais antigo do que isso.
Estive por dez dias, em Israel, em fevereiro deste ano. Conversei com políticos árabes e judeus, com ativistas árabes e judeus, com gente nas ruas. Fui do norte ao sul do país. Ao voltar pro Brasil, mergulhei nos livros. O resultado deste trabalho ficou pronto agora. No próximo dia 10 de julho estreiam no streaming do Meio três episódios especiais do Ponto de Partida, a série. Está lá a história e também a política. No todo, no conjunto os três filmes são um clamor pela paz. Uma defesa da solução de dois estados, um para cada povo. Não há outra solução que não essa.
Você quer entender o que acontece naquele canto do mundo, numa versão sem heróis ou vilões? Assine o Meio Premium. Baixe nosso app. No dia 10, na sua televisão, no seu celular, tablet ou computador.
E este aqui? Este é o Ponto de Partida.
O que Lula tem a ver com a queixa de Donald Trump? Nada. O presidente brasileiro não tinha que dar qualquer resposta. O Judiciário é um poder independente, é ele que tomará decisões sobre Bolsonaro, Lula não dá pitaco no assunto. Logo, não é com ele. Não é com ele se Bolsonaro for considerado inocente, não é com ele se for culpado. Vi muita gente preocupada com o envolvimento de Steve Bannon. Isso não quer dizer muito, tá?
Donald Trump tem uma base grande e em conflito constante. Tem um grupo populista de um lado, que Bannon representa. É a turma pró-tarifas, que deseja os EUA fechados para dentro, sem guerras no exterior. Estão em oposição constante com os libertários como Elon Musk, que querem livre comércio, imigrantes qualificados. Há também a turma religiosa ultraconservadora, como há os falcões neoconservadores no Senado e no Departamento de Estado, que tiveram sua grande vitória no ataque ao Irã. Esses grupos às vezes estão em trégua, às vezes estão em conflito entre si. E todos disputam a atenção de Trump. Porque atenção e Trump são um problema, tá? Ele fica entediado muito rápido, quer mudar de assunto, está sempre em busca de um brinquedo novo.
Bannon é meio que um Mussolini moderno. É de extrema-direita, está em casa com gente de classe média baixa, a classe trabalhadora americana. E, estrategicamente, pensa como a esquerda internacionalista. Mussolini era assim, também. Então Bannon gosta da coisa do movimento internacional da classe trabalhadora reacionária. Ele faz força, sim, para que Trump lembre de Bolsonaro. E Eduardo Bolsonaro depende imensamente de Bannon para ter os ouvidos de Trump. Só que nem sempre Bannon está forte na Casa Branca. Neste momento, não está. Há quantos meses o filho Zero Três está tentando arrancar qualquer coisa de Trump? Pois é. Conseguiu agora. Um tuíte. Pode conseguir mais? Claro. Mas não é certo. E um tuíte é uma coisa, sanções internacionais, pressão pública, outra coisa. Por isso que Lula fez mal em responder a Trump. Ignora. Melhor coisa. Pra Trump não se sentir desafiado. Deixa ele esquecer do troço.
Aí a gente vem pro Brasil. Bolsonaro precisa estar no comando de um movimento e reuniu doze mil pessoas na Avenida Paulista, no último domingo. Gente, vamos deixar uma coisa clara: político é que nem tubarão. Sente o cheiro de sangue no mar. E, no domingo, tinha sangue no mar. Bolsonaro está doente, não pode ficar circulando pelo Brasil, não tem como agitar seu movimento. E está com os dias de liberdade contados. Ele está em seu momento mais fraco desde 2018 e tende a ficar mais fraco com o passar do tempo.
Por que, neste momento, todos os filhos do ex-presidente estão reclamando de Nikolas Ferreira? Crise de ciúmes? Também. Mas tem um cheiro de rei morto, rei posto. Bolsonaro sai do ar, a marca com seu sobrenome se enfraquece, vai ter uma guerra civil dentro da direita. Vai ter gente puxando pro lado duro, vai ter gente puxando pro centro. Nikolas obviamente é um potencial herdeiro. E todo mundo em Brasília já percebeu.
Então quem é que pode manter o movimento bolsonarista vivo? Bem, por paradoxal que pareça, a esquerda. Se a esquerda for pra campanha dizendo que todo mundo é Bolsonaro, não é só que a estratégia é ruim. O eleitor vai fazer o julgamento dele se um candidato tem jeito de Bolsonaro ou se não tem. A estratégia é tentadora, porque anima muito a militância de esquerda, mas não traz eleitor novo. Mas, além disso, faz outra coisa. Mantem o bolsonarismo com o discurso de que a direita de verdade, a única oposição possível à esquerda, é seu movimento.
O melhor para o Brasil, hoje, é deixar esse pesadelo morrer. Não incita Trump a falar do assunto, não dá ouvidos pra turma berrando no Twitter, deixa a coisa ir embora. Deixa o movimento morrer lentamente, em silêncio, esquecido por todos. A gente merece isso. Vai ser bom quando a febre passar e pudermos, todos, voltarmos a conviver nos almoços de domingo, jantares de Natal. Vai ser bom quando desavença política voltar a ser só motivo de implicância no churrasco dos amigos.