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Dois espetáculos que levam a assinatura da atriz, diretora, dramaturga e “transpóloga” Renata Carvalho levam para São Paulo discussões sobre esferas políticas complementares. Antígona Travesti e Diamba propõem encontros de resistência e educação, desafiando a violência estatal e os estigmas sociais.

Segundo Renata, os trabalhos encontram uma intersecção na escolha “de como utilizar essas questões mais sensíveis numa comunicação não violenta, numa não reprodução de estereótipos”. Na prática, ela defende que isso vem da sua maneira de escrever e de como interagir com a plateia. “No Diamba eu estou falando sobre maconha, mas usando da mesma tática e estudo que eu tenho sobre o corpo travesti”, explica. Enquanto Antígona Travesti convoca uma “reunião secreta” para derrubar a tirania, Diamba reconstrói a história do proibicionismo da cannabis no Brasil, desvendando suas origens racistas.

Renata Carvalho emerge no cenário cultural como uma pensadora e ativista cuja “práxis artística é inseparável de um rigoroso projeto intelectual e de uma militância incansável”. Sua autodesignação como “transpóloga”, definida como uma “travesti cientista”, reflete seu papel como sujeito e objeto de pesquisa sobre o corpo trans desde 2007. Ela é fundadora do Movimento Nacional de Artistas Trans (MONART) e do “Manifesto Representatividade Trans”, campanha conta o “transfake” — prática de artistas cisgêneros interpretarem personagens trans.

Seu trabalho ganhou visibilidade nacional com O Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu, peça em que retratava Jesus trans e sofreu com inúmeros episódios de censura conservadora a partir de 2017. Como costuma acontecer em casos de cerceamento da arte, o tiro acabou saindo pela culatra, e Renata se tornou uma voz crucial tanto na dramaturgia quanto no ativismo, trazendo reconhecimento para seu trabalho dentro e fora do país.

Antígona
Encenada em diferentes palcos da cidade, Antígona Travesti fica em cartaz até 30 de novembro. Como é montada como uma reunião secreta, para saber a data, o horário e o local exato do encontro, os interessados devem escrever diretamente para Antígona no Whatsapp. O número para reservar os ingressos é: 11 94067-3441.

A releitura da tragédia grega vai além do texto de Sófocles, e na sua concepção são utilizados também a peça Gota D’Água, escrita por Chico Buarque e Paulo Pontes, e os romances O Parque das Irmãs Magníficas, da argentina Camila Sosa Villada, e Mau Hábito, da espanhola Alana S. Portero.

A trama se passa na megalópole Tebas, onde a protagonista Antígona — “uma traviarca afetuosa e protetora” — cuida de uma ONG para pessoas trans. Após o assassinato brutal de sua filha, Polinice, uma travesti de 23 anos, no centro da cidade, Antígona se revolta contra o decreto do tirano Creonte que proíbe o sepultamento da jovem com suas roupas femininas e seu nome na lápide. A peça se configura como uma “célula de resistência, um espaço de luta contra a tirania de Creonte, um governante religioso de extrema direita”.

Na visão de Renata, Creonte é um “espelho da extrema direita e da violência de Estado”. O próprio Estado de Tebas foi construído para ser qualquer Estado extremista, com Creonte ostentando várias nomeações como presidente, bispo, ditador e general. O texto insere críticas diretas ao discurso conservador brasileiro, com falas como “Tebas acima de tudo, Deus acima de todos”.

Apesar de partir de duas violências, a do próprio assassinato e a da retirada de direitos da população trans, Renata diz optar por uma dramaturgia positiva, recusando a morte como destino final. “A Antígona não morre. Eu não queria mais falar de morte, né? Até troco uma fala por: ‘Eles escolheram a morte, nós a vida. Lutemos por ela com dignidade’”.

Diamba
A segunda peça fica em cartaz até dezembro na Casa Farofa. É inspirada na HQ documental Diamba, Histórias do Proibicionismo no Brasil, de Daniel Paiva. O espetáculo, que conta com Luis Navarro no argumento e no elenco, aborda a história da proibição da maconha no Brasil. A direção de Renata Carvalho tem foco “na positividade e na liberdade individual”.

A escolha estética central foi evitar a reprodução de violências, racismo e prisões, mesmo sabendo que o tema está intrinsecamente ligado a esses fatos. Renata enfatiza que não queria reforçar esse imaginário, “porque a gente só fica reproduzindo essa semiótica perversa e racista, que, de tanto ser reproduzida, vira verdade”. Para exemplificar, ela diz que optou, por exemplo, por não retratar homens negros sendo presos.

A peça atua como uma maneira de reforçar a ideia de que o proibicionismo é uma “grande mentira” ou, em termos atuais, “fake news”. Além da narrativa da proibição em si, Diamba informa sobre a história da planta e seus benefícios, incluindo sua conexão com os povos negro e originários. A trilha original, com elementos de música negra e dos rituais de matriz africana, ajuda a conduzir a narrativa.

Outro elemento central da experiência é o debate pós-espetáculo, “Sempre a gente conta com a presença de um especialista, um médico, um advogado ou um cientista para conversar com a plateia. E tem ainda uma parceria com a VerdeVida Associação, que permite ao público tirar dúvidas e talvez ter acesso ao óleo medicinal se precisar”.

Transversal aos dois trabalhos é o conceito de travaturgia. Uma mescla de estética e militância, definida por Renata como um “olhar de ‘travesti cientista’ sobre a escrita”. Ela o compara à “escrevivência” e diz que ele propõe “um novo olhar, uma nova escrita, um novo jeito de falar sobre nós”. A artista utiliza essa ferramenta para responder artisticamente às questões de sua época, “recorrendo ao teatro, aos clássicos”, mas sempre buscando “mudar as perguntas”.

Seu objetivo estético e político não é apenas a denúncia, mas a transformação do imaginário através de uma abordagem “empática, ética, responsável”. Ao evitar a reprodução da violência e focar na vida em suas peças, Carvalho tem um desejo de ampliar a humanidade para além do palco. E entende sua atuação como esforço para a mudança social, inspirando “vontade de luta, não de morte”. O que não é pouco no país que mais mata pessoas trans.

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