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O que muda e quem tenta ocupar o vácuo com a prisão definitiva de Bolsonaro

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Jair Messias Bolsonaro está preso preventivamente e, muitíssimo em breve, definitivamente. A prevenção foi porque seu filho Eduardo tentou interromper o julgamento de golpe do pai, convidando os EUA a interferir no Supremo e no Brasil. Não bastasse, Bolsonaro tentou violar sua tornozeleira eletrônica e seu outro filho, Flávio, convocou uma vigília religiosa em frente ao condomínio onde o ex-presidente cumpria prisão domiciliar, o que poderia causar desordem pública, segundo a polícia e a Justiça.

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A definitiva deve vir depois de esgotados os recursos no julgamento por tentativa de golpe. Bolsonaro está condenado a 27 anos e 3 meses de prisão. Vai começar a cumprir a pena onde Alexandre de Moraes indicar, o que pode acontecer a qualquer instante. E tudo indica que vá ser numa sala especial da Papuda.

Seus advogados querem muito convencer a Justiça de deixar Bolsonaro em regime domiciliar desde o começo. Mas isso é improvável depois do episódio tornozeleira. Por várias razões. A primeira é que, estivesse ele sob o efeito de medicamentos ou de um surto paranóide, ou estivesse ele apenas tramando uma fuga pra uma embaixada e, depois pra outro país, não importa. O fato concreto é que ele violou um equipamento que é a condição básica pra ele ficar preso em casa. Nada garante que ele não vá repetir isso, certo?

Qualquer juiz minimamente cauteloso o manteria numa instalação pública, com policiamento ostensivo e em condições seguras tanto para que ele não fuja quanto para que ele não derreta a própria perna.

Alem disso, o ministro Alexandre de Moraes vem sendo cuidadoso no sentido de garantir acesso absoluto da equipe médica a Bolsonaro ali na sala da Polícia Federal — e o mesmo deve se manter se ele for pra Papuda ou pra qualquer outro lugar.

Emprestando a Bolsonaro a complacência que ele negou aos mais de 700 mil mortos na pandemia, sim, ele tem a saúde precária e merece ter cuidados médicos. É o que qualquer cidadão, condenado ou não, merece. Quem dera todos os brasileiros pudessem ter tido esse cuidado na pandemia e quem dera todos os detentos do Brasil pudessem ter esse nível de atenção.

Mas Xandão determinou que, no caso de uma emergência, seja acionado o Samu, não uma ambulância da rede particular, por exemplo. E, cá entre nós, eu desejo profundamente que esse seja o primeiro passo para a ressocialização do detento Jair Messias Bolsonaro.

Porque que lição maravilhosa seria para ele entender o imenso valor do Sistema Único de Saúde, né? Dos profissionais da rede pública de saúde, muitos dos quais estiveram na linha de frente do enfrentamento da Covid, tendo de atender pessoas que asfixiavam depois de terem ouvido de seu líder, o então presidente da República, que não precisavam usar máscara, que era só uma gripezinha e que cloroquina resolveria tudo.

E tantos outros que tiveram de consolar parentes que viram seus familiares morrer porque o oxigênio não chegava a Manaus e, depois, testemunharam o chefe da nação zombando, imitando a falta de ar.

Agora, se tem uma coisa que nos torna menos selvagens, enquanto sociedade, é entender que justiça não é vingança. É entender que qualquer cidadão, por pior que sejam seus atos, é capaz de, nas condições certas, se recuperar, se arrepender, se reinserir. E todos merecem essa chance.

É por isso que o Brasil não adota a pena de morte nem a prisão perpétua na Constituição de 1988. É por isso que uma parte importante da sociedade civil e do Judiciário lutam por prisões mais humanas, equipadas para produzir essa recuperação em vez de apenas oferecer mão de obra pro crime organizado.

O jornalista Hélio Schwartsman, colunista da Folha, escreveu um artigo sugerindo que o ex-presidente leia Hegel na prisão. Afinal, a cada livro lido, o detento abate quatro dias da pena. O limite é o de 12 livros anuais e 48 dias abatidos. O artigo está ótimo e associa essa leitura de Hegel a uma tentativa de caminho de Bolsonaro rumo à racionalidade.

Eu acho que nem pra diminuir a pena Bolsonaro seria capaz de ler um livro, honestamente. Mas se ele se dispusesse a fazer alguns exames de consciência, a ver algum documentário sobre os mortos por Covid, de repente ouvir um audiobook da Constituição. Não sei. É difícil ter esperança.

O fato é que o Brasil está seguindo em frente, para uma fase sem Jair Bolsonaro como protagonista ou sempre trabalhando pra roubar a cena. Sua família vai seguir tentando mantê-lo no centro das atenções, claro, pra fazer render seu capital eleitoral. Mas as chances de sucesso vão diminuindo a cada dia.

O Centrão está desejoso de se livrar do seu mascote mais inconveniente e substitui-lo por alguém mais controlável. A direita linha dura tradicional está louca pra tomar o poder que sempre considerou ser seu por direito agora que Bolsonaro abriu as portas para um discurso conservador bem mais despudorado. Não estão sobrando muitos políticos dispostos a lutar por Bolsonaro, não.

Jair Bolsonaro cumpriu um baita papel para a classe política à direita do Brasil. Vou me concentrar somente no momento pós-Constituição. Mas a direita viu sua liderança discursiva totalmente desafiada depois da ditadura militar.

É claro que, mesmo na Constituinte, os partidos de direita sempre estiveram plenamente representados na política brasileira. José Sarney foi seu primeiro presidente. Depois, esse grupo elegeu Fernando Collor de Mello. O Congresso sempre foi de uma maioria absoluta de direita.

Mas o que aconteceu desde a eleição de Fernando Henrique Cardoso é que a direita precisou se conformar ao papel de coadjuvante nas chapas presidenciais. E, de uma maneira geral, bancar o discurso conservador passou a soar anacrônico, antiquado, inconveniente.

A direita sempre esteve ali, aqui, acolá, sempre foi a força mais poderosa da política brasileira, elegeu prefeitos, governadores, além dos parlamentares. Travestiu-se de Centrão puramente fisiológico em alguns casos, manteve a firmeza ideológica em alguns poucos outros. Mas foi a centro-esquerda que liderou o Planalto entre 1994 e 2016. É um longo ostracismo para uma força política tão acostumada ao poder.

Jair Bolsonaro se apresentou como a mula de carga capaz de carregar toda a direita para o Planalto novamente, toda ela. A extrema, que ele passou a representar diretamente; a tradicional linha-dura, com o discurso de violência policial; a religiosa, que ele adotou tardiamente mas que o abraçou imediatamente; a do agro, que simpatiza com todas as plataformas citadas até aqui; e o Centrão, que já tem afinidade ideológica natural com muitas dessas pautas e, além de tudo, sabia que Bolsonaro é, principalmente, inábil para fazer gestão e disputas políticas e, portanto, entregaria o controle do orçamento e da formulação de políticas totalmente para o Congresso.

Agora, a mula Bolsonaro não serve mais. O Brasil se reacostumou com o discurso de direita linha dura, então, ninguém precisa mais se esconder atrás de um extremista. A direita religiosa já ocupou espaços suficientes para fazer seu próprio caminho. A do agro topa qualquer uma das anteriores. E o Centrão quer um nome mais previsível, com uma agenda econômica que lhes favoreça ainda mais, mas que dê um ar de verniz, não tão vulgar quanto Bolsonaro.

Caberia à centro-direita o papel de recalibrar o espectro ideológico brasileiro, que pendeu todo pra direita com o bolsonarismo. Eu fui a um evento da centro-direita democrática latino-americana em São Paulo, na sexta-feira, liderado pelo PSD de Gilberto Kassab. Foram dois dias de discussão sobre o futuro desse campo no mundo.

Eles falaram muito mais da ameaça das ditaduras à esquerda, como a de Nicolás Maduro, e do “narcoterrorista” Gustavo Petro do que da ameaça da extrema direita, que foi muito concreta no Brasil. Faz parte. É claro que se sentem mais confortáveis nesse figurino, é onde está a maior parte de sua ideologia.

Acontece que, se não entenderem seu papel de cordão sanitário para o extremismo de direita também, sua disposição de se definir como parte do centro e como democráticos fica bastante enfraquecida. A direita que está se apresentando no pós-bolsonarismo é uma que quer reformular, via PECs, os valores mais progressistas da Constituição de 1988. Ser de centro, à direita ou à esquerda, é se comprometer com a Carta e defendê-la. Mesmo que isso não seja um discurso muito popular nas eleições, né?

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