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Você conhece as bolhas brasileiras?

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A edição deste Sábado do Meio, aquela que os assinantes premium recebem por email no fim de semana, é uma entrevista que fiz com o Felipe Nunes, da Quaest Pesquisas, na semana passada. Os assinantes podem assistir a entrevista inteira, também, no nosso streaming. Mas eu queria trazer um pouco da conversa para cá. Para a nossa conversa cotidiana. Pelo seguinte: essa é a maior pesquisa de valores jamais feita no Brasil. Dez mil entrevistas, mais de uma hora e meia de questionário. Essa pesquisa gigantesca, o Brasil no Espelho, é tema do livro que o Felipe acaba de lançar. E muitas das perguntas que nos fazemos cotidianamente estão respondidas lá.
Por exemplo: bolhas existem. E vamos dar a real aqui. São nove bolhas no Brasil. São grupos fechados, que compartilham de valores bastante específicos, e têm resistência a falar com quem é muito diferente. Estas nove bolhas se dividem da seguinte forma: três estão fechadas com Lula. No total, representam 41% do eleitorado. Quatro estão fechadas com a direita. Representam 49% do eleitorado. E tem duas que podem ir para um lado ou para o outro, 10%. Mas calma. Isso quer dizer que a direita tem uma vantagem? Claro que sim. Mas, primeiro, o brasileiro não é tão coerente assim. Então há traições, gente numa bolha que, apesar de comungar de valores, vota no outro lado. E tem gente que não vota. Então a vantagem da direita existe, mas ela não define a eleição. A eleição do ano que vem deve ser apertada.
Mas antes de entrarmos no detalhe sobre o que é cada bolha, vamos falar de ser brasileiro. Porque há alguns traços que todos nós compartilhamos. O primeiro é bem triste. Somos uma das sociedades com menor índice de confiança interpessoal do mundo. A gente simplesmente não confia um no outro. Sabe, democracias liberais dependem de dois elementos. Um é a capacidade de autonomia individual. As pessoas poderem fazer suas escolhas para sua vida. Governo não dá pitaco, família não dá pitaco, cada adulto faz suas escolhas e se responsabiliza por elas. Mas, simultaneamente, um senso forte de comunidade. A ideia de que estamos juntos nesse barco, precisamos nos respeitar uns aos outros e entrar em acordos para colaborarmos. É assim que negócios nascem e a economia cresce, é assim que construímos um lugar bacana no qual moramos os vizinhos. É um sentir: hashtag tamo junto. Não tem isso no Brasil. A gente não confia no outro.
Isso tem consequências institucionais. Não importa se você é de direita ou de esquerda, o brasileiro quer um Estado forte e quer muita regra. Muita proibição. É um Estado forte para controlar que o outro não esteja quebrando as muitas regras. O tipo de governo que temos, o tipo de lei que fazemos, está diretamente ligado ao fato de que a gente não confia.
Aí tem outro elemento interessante. O brasileiro entende muito pouco de Brasil, entende muito pouco de economia, mas não percebe isso. Ele acha que entende muito. A turma da Quaest perguntou sobre PIB, sobre segurança, sobre inflação, quem respondeu errou quase tudo. Mas errou tendo a certeza de que estava certo. O que isso quer dizer? Que põe dois sujeitos num debate, um de um lado, o outro do outro, ninguém vai ceder, os dois vão ter certeza de que estão certos, e ambos têm muito pouca informação real. O Felipe chama isso de a “ilusão do conhecimento”.
Agora, sabe o que é interessante? Mulheres e homens são bem diferentes. Não é que as mulheres tenham mais informação. Não têm. Mas elas reconhecem quando não sabem. Nós homens? Nenhuma surpresa, né? Mulheres são, também, a força que empurra por transformações na sociedade. Se há mudanças, no Brasil, é por causa delas. A maioria dos homens são conservadores.
E, sim, isso vale para a esquerda, também. A direita brasileira é bem homogênea. 70% dela é conservadora. Mas a esquerda, bem, metade da esquerda é conservadora a respeito de gênero, põe a família como núcleo moral, defende autoridade do pai, tem uma visão de mundo em que a providência de Deus tem um papel imenso. São pessoas que votam em Lula sem piscar mas não compram discurso de diversidade. Progressistas, a turma identitária, eles são 11% dos brasileiros. É uma super-minoria. Talvez muitos de vocês já saibam disso, mas vamos dar a real para quem não sabe. O Lulismo é conservador nos costumes.
Vamos falar das bolhas brasileiras? Vem comigo.
Vamos da esquerda para a direita. Os três conjuntos de brasileiros que votam em Lula majoritariamente são, primeiro, os militantes de esquerda. Representam 7% do eleitorado. Imagina um sindicalista, uma pessoa de muitos dos movimentos sociais como MST. Pessoas de partido, fundamentalmente. Aí tem a classe dos dependentes do Estado. São 23% de nós. É gente para quem programas sociais são fundamentais. Os brasileiros mais pobres. Os serviços públicos, para eles, o Bolsa Família, um Jovem Aprendiz, tudo faz diferença gigante no mês. Cada dia é uma batalha, é sair de casa e matar um leão para trazer comida. Eleitores fidelíssimos de Lula. E, sim, conservadores. Como muitos dos militantes. Aí os progressistas. 11%. Já falamos deles. Alto nível educacional, em geral renda mais alta, muitos fazem parte da elite econômica embora tenham profunda dificuldade de reconhecê-lo. Esses não têm nada de conservadores. No total, 41% do eleitorado brasileiro e vão de Lula.
Agora, à direita. Conservadores cristãos. 27% do eleitorado. Não são todos evangélicos, há católicos no grupo, mas é uma gente conservadora que se aproxima muito de considerar que as leis da nação deveriam se aproximar de valores religiosos. O Agro. 13%. Não são só os grandes fazendeiros, mas é este mundo no interior de São Paulo, Paraná e Santa Catarina, do Centro Oeste, que orbita o agronegócio, a cultura do sertanejo. Empresários, 6%. O nome explica. Não entram na conta só os grandes, não, mas também médios e pequenos. É gente que emprega, que gera PIB, que produz, e que acha que o Estado atrapalha mais do que ajuda na economia. E, por fim, extrema direita. 3%. É a menor de todas as bolhas. Esse é o pessoal que realmente preferia um regime autoritário. Não é muita gente, é a menor das bolhas, mas não custa lembrar. São seis milhões de pessoas. Total, 49% do eleitorado.
E os outros dez? As duas bolhas que estão em disputa são muito diferentes com exceção do tamanho. Cada uma representa 5% do eleitorado. Um grupo é o dos empreendedores individuais. São homens, são jovens, tiveram uma educação melhor. Seus pais eram pobres. Muitos tiveram educação superior. E são frustradíssimos. Porque estudaram em faculdades públicas novas ou nas muitas particulares onde tiveram uma educação muito ruim. Fizeram faculdade, saíram com um canudo, mas não são uma mão de obra realmente qualificada. Então dirigem Uber. Isso dá uma frustração, a crença de que educação faz você crescer foi rompida. É como se o país não permitisse que eles cresçam. E essa turma tem uma gana de crescer.
Olha que complicado, esse grupo. Votaram em Lula, em 2022. Os de São Paulo votaram em Pablo Marçal, em 2024. Por que votaram em Lula? Porque não tiveram qualquer ganho no governo Bolsonaro. É um público que não está nem aí para se o candidato é de direita ou de esquerda. Vota pensando na economia, pode votar em qualquer um, e só pensa em crescer na vida. Agora, vem cá, não confia no Estado, tá? Acha que o Estado atrapalha. Lula se deu muito mal com esse público quando tentou regular quem trabalha por aplicativo. Não querem que se metam na vida deles. A popularidade de Lula não passa de 50% principalmente por causa desses caras e, sim, são principalmente homens. Mas dá para reconquistá-los. Tem de ver se o PT vai ser capaz de criar um discurso para eles. Se criar, eles vão prestar atenção.
E aí, por fim, os liberais sociais. Classe média tradicional, ávidos leitores, liberais na economia, progressistas nos costumes e defensores de um Estado de bem-estar social. Acham o PT, Lula e a esquerda em geral um desastre na economia. Tomaram horror da política externa deste governo Lula. Querem votar na direita. Querem não precisar votar na esquerda. Mas esse grupo tem um detalhes. De todas as nove bolhas, é a única que põe a democracia como o valor máximo. Se a direita vier com alguém com muita cara de bolsonarista, não leva o voto desse pessoal.
Os dois, empreendedores individuais e liberais sociais, votaram em Lula em 2022. Preferiam não, mas votaram, por razões distintas. Um pela economia, o outro pela democracia. São, na leitura de Felipe Nunes, os dois grupos que definirão o próximo presidente da República. Quando Tarcísio fala que o Brasil precisa trocar o CEO, os empreendedores gostam. Quando Tarcísio defende a anistia, os liberais sociais tomam asco. Quando Lula trata Putin de um jeito e Netanyahu do outro, os liberais sociais não gostam. Mas pé de meia pega bem.
A eleição já começou, pessoal.

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