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‘Ainda Estou Aqui’ e as direitas em cena no Brasil de hoje

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Aceitação e repercussão do filme escancaram forças políticas que escolheram ser antidemocráticas

O filme Ainda Estou Aqui rompeu várias barreiras de diálogos interditados sobre democracia e política no Brasil, faturou quase R$ 105 milhões de bilheteria no Brasil e levou de volta milhares de jovens aos cinemas para assistir a uma produção nacional sobre um período autoritário no país que nenhum deles viveu. Trouxe um Oscar inédito para o país e foi celebrado pelos quatros cantos como se fosse uma Copa do Mundo. Fala sobre humanidade, sobre resistência, sobre a força de uma mãe e sobre uma família. Foi celebrado por todos, ou quase todos. Muitos políticos e parlamentares da direita brasileira, seja ela extrema ou não, ironizaram, criticaram e ignoraram o filme.

As críticas ao filme não se resumem ao presidente Bolsonaro e seu entorno político. Não se esperava que um político que tem como lema de sua vida pública relativizar a ditadura militar e elogiar os torturadores desse período fosse elogiar um filme sobre o assassinato de Rubens Paiva pelo regime militar no Brasil, mas este apreço pelo autoritarismo contaminou grande parte da direita brasileira na política hoje e isso ficou escancarado à medida que o filme ganhava as ruas, bocas e corações no Brasil e mundo afora.

Presidenciáveis da chamada centro direita e da direita em tese “não bolsonarista”, como Romeu Zema, Ratinho Jr e Tarcísio de Freitas, se calaram diante do Oscar inédito que o filme ganhou e de sua repercussão. Dezenas de parlamentares e políticos do mesmo espectro político teceram críticas, relativizaram a violência do período da ditadura no Brasil e compararam com o que chamam de “presos políticos do 8 de janeiro”. Perderam todos uma oportunidade de seguirem sendo de centro direita e de direita, mas mostrarem seu compromisso com a democracia. Preferiram os possíveis ganhos eleitorais de estarem próximos a Bolsonaro ou ao bolsonarismo no imaginário do eleitor.

Muitos acharam um exagero quando o diretor Walter Salles falou que o filme não poderia ter sido gravado durante os anos do governo Bolsonaro e que o filme era “produto do retorno da democracia no Brasil”.

Quando falamos sobre o governo Bolsonaro, estamos falando de um governo que não apenas atacava a cultura, como se dedicava a desmontar, paulatinamente, todas as suas estruturas estatais de apoio e fomento.

Quando falamos sobre o governo Bolsonaro, estamos falando de um governo que não apenas atacava a cultura, como se dedicava a desmontar, paulatinamente, todas as suas estruturas estatais de apoio e fomento. Assim como fez com os instrumentos de proteção ambiental, de fomento à educação pública, mas isso, alguns dirão, são divergências programáticas, não é ataque à democracia.

O governo Bolsonaro, entre 2018 e 2022, extinguiu o Ministério da Cultura, reduziu o orçamento para a cultura em 63%, fez mudanças no instrumento de incentivo fiscal à cultura — a Lei Rouanet — com a redução do teto de incentivo e a diminuição do cachê dos artistas em 93%.

Nomeou, lembremos bem, como Secretário Especial de Cultura, para o então Ministério “rebaixado”, Roberto Alvim. O Secretário, que ficou pouco tempo no cargo e caiu após fazer um discurso semelhante ao do ministro de Adolf Hitler da Propaganda da Alemanha Nazista, Joseph Goebbels, afirmando que a arte brasileira da próxima década seria “heroica” e “imperativa”. O discurso de Goebbels consta do livro “Joseph Goebbels: Uma biografia”, do historiador alemão Peter Longerich, e a declaração de Alvim foi feita em vídeo postado na página da Secretaria Especial de Cultura no YouTube em janeiro de 2020.

Antes mesmo de Alvim assumir um cargo na Funarte (Fundação Nacional das Artes) e depois a Secretaria Especial, ele havia convocado “artistas de teatro conservadores”, nas suas palavras, a criarem uma “máquina de guerra cultural” e fez manifestações públicas dividindo a arte em “arte de esquerda” e “arte de direita”. Este era o homem da Cultura do então governo Bolsonaro que, não custa lembrar, também chegou a atacar a atriz Fernanda Montenegro dizendo que ela era “sórdida” e “mentirosa”, após ela ter feito críticas contra diversos relatos de censura nas artes em sua gestão.

Além disso, aconteceu tudo que sabemos depois de 2018 e nem precisamos de muitas análises para compreender o quão importante e atual é o filme. Como disse Walter Salles: “filmamos em 2023, sem ter ideia de que tinha havido uma tentativa fracassada de golpe de Estado, um golpe militar no fim de 2022. As notícias foram reveladas enquanto o filme estava sendo lançado e abraçado pelo público. No meio do lançamento do filme, percebemos que, mais do que nunca, era um filme sobre hoje”.

O deslocamento de parte significativa do eleitorado brasileiro, que sempre foi conservador, para a extrema direita já vinha sendo observado em eleições anteriores, mas aprofundou-se nas eleições de 2018. O que assistimos na política brasileira não é uma polarização política de iguais proporções. Como já escrevi neste espaço ao destacar o uso político da religião, estamos falando da radicalização política de um dos polos, do surgimento de um polo de extrema direita. Uma radicalização de caráter intolerante, excludente e que busca impor a sua moral a toda a sociedade.

Muito já se estudou e se escreveu sobre como a direita vem se organizando ou se desorganizando após 2018 e tudo que significou e representou a eleição do presidente Jair Bolsonaro e a formação de seus aliados e a conformação de outros — antigos e novos, de ocasião ou não, porém aliados.

Temos visto políticos oportunistas da direita que estão topando, ou flertando, com doses de anti-democracia. Qual dose é aceitável? Existe dose aceitável de anti-democracia?

Ao mesmo tempo, acreditávamos que isso tudo se resumia a Bolsonaro, sua família de filhos parlamentares e seu entorno político mais próximo. Mas temos visto políticos oportunistas da direita que estão topando, ou flertando, com doses de anti-democracia. Qual dose é aceitável? Existe dose aceitável de anti-democracia?

No Brasil pós 2018 existe e persiste uma direita que segue escolhendo ser antidemocrática, seja porque nunca foi democrática mesmo, seja porque assim pretende seguir tendo viabilidade eleitoral num país que elegeu como presidente um político que, quando deputado, votou pelo impeachment de Dilma Rousseff homenageando o seu torturador no período da ditadura militar no Brasil.


*Ana Carolina Evangelista é cientista política com mestrado em relações internacionais pela PUC-SP e em gestão pública pela FGV-SP. É pesquisadora e diretora-executiva do Instituto de Estudos da Religião (Iser). Faz cobertura eleitoral desde 2018 com colunas na 'piauí' e no 'UOL'.

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