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Os tentáculos de Trump

Foto: Jim Watson/AFP

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Tentativa de intervenção no Brasil para proteger o projeto autoritário global via Bolsonaro traz perigo, mas também oportunidade para o país

Desde o fim da Guerra Fria, os Estados Unidos enfrentam um processo contínuo de erosão de sua hegemonia global, impulsionado pela ascensão de novas potências e pela transformação estrutural da ordem internacional. A consolidação da China como potência econômica, tecnológica e geopolítica, o fortalecimento de alianças como os BRICS e a fragmentação do multilateralismo inauguraram um cenário mais competitivo e instável. Nesse novo contexto, setores da política americana — especialmente a extrema direita representada por Donald Trump e seus aliados — optaram por uma estratégia de reconquista baseada não na cooperação, mas na confrontação.

Essa guinada se manifesta por meio de políticas protecionistas, retórica agressiva contra instituições internacionais e tentativas reiteradas de interferência em processos políticos de outros países. A diplomacia cedeu lugar à intimidação; o multilateralismo, à lógica da imposição unilateral. Sob o slogan “America First”, o nacionalismo trumpista busca restaurar o prestígio americano pela via da disrupção: atacar aliados, sabotar blocos concorrentes e desestabilizar governos não alinhados — sobretudo aqueles que representam alternativas democráticas à sua visão de mundo.

Não é exagero dizer que Donald Trump declarou guerra ao mundo — e que a nova ameaça atômica são os tarifaços. Tarifas comerciais, boicotes diplomáticos, manipulação de plataformas digitais, guerra jurídica e desinformação tornaram-se os instrumentos centrais da nova geopolítica. Trata-se de um conflito difuso, que atinge alvos específicos sem o custo e a visibilidade das intervenções militares tradicionais. Visto como extensão da influência chinesa, o BRICS passou a ser tratado como inimigo da hegemonia americana ameaçada. E, dentro dele, o Brasil ocupa um lugar particular — tornando-se alvo preferencial de Trump.

Na América do Sul, o Brasil tornou-se o principal obstáculo ao projeto imperial da extrema direita norte-americana

Aqui, é preciso destacar o lugar específico das Américas na geopolítica trumpista. Segundo aquilo que se pode chamar de corolário Trump da doutrina de Monroe, o continente deve permanecer sob hegemonia exclusiva dos Estados Unidos. Daí se explica a virulência do novo imperialismo, que chega a reivindicar a anexação da Groenlândia e do Canadá. Na América do Sul, o Brasil tornou-se o principal obstáculo ao projeto imperial da extrema direita norte-americana — ao endurecer sua regulação sobre as big techs e buscar alternativas à ordem financeira dominada pelo dólar.

Para compreender a intensidade do ataque dos Estados Unidos ao Brasil — o único movido exclusivamente por motivações políticas — é preciso considerar as transformações ocorridas aqui nas últimas três décadas. O Brasil deixou de ser uma república das bananas. Consolidou sua democracia. Beneficiou-se, ainda que imperfeitamente, da redução das assimetrias entre os países cêntricos e os periféricos. Tornou-se um dos principais defensores, no Sul Global, de uma ordem internacional multipolar. Hoje, preside os BRICS — bloco que desafia a centralidade do G7 e propõe reformas nas instituições financeiras internacionais. E, sobretudo, superou uma tentativa de ruptura institucional promovida internamente por forças de extrema direita fortemente influenciadas pelo trumpismo.

É por isso que se tornou alvo. Trump é o papa de uma Internacional Neofascista — ou Reacionária — impulsionada ideologicamente por Steve Bannon e composta por aliados como Javier Milei, Viktor Orbán, Santiago Abascal e André Ventura. Essa coalizão informal opera por meio de estratégias coordenadas: mobilização digital — ancorada em plataformas do Vale do Silício —, difusão de teorias conspiratórias, deslegitimação de instituições democráticas e apoio internacional direto a lideranças populistas de perfil autoritário.

No Brasil, o tentáculo dessa Internacional é o movimento político formado em torno da família Bolsonaro. Ele compartilha com seus pares globais não apenas a retórica antiliberal e antissistema, mas a disposição para a ruptura institucional. A aliança informal entre Trump e Bolsonaro — consolidada nos bastidores da extrema direita global, com o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) como elo — ultrapassou a afinidade ideológica e produziu efeitos concretos: trocas de mensagens, articulações digitais e influência direta em processos políticos e eleitorais.

Ocorre que o roteiro político brasileiro subverteu completamente as expectativas da Internacional Reacionária. Enquanto nos EUA o golpismo foi compensado — com Trump ainda impune após o 6 de janeiro —, aqui a resposta institucional foi contundente. Bolsonaro foi declarado inelegível, e os envolvidos nos atos golpistas de 8 de janeiro estão sendo responsabilizados. A mesma corte que assegurou a lisura das eleições também avança na regulação das big techs. O Brasil tornou-se um péssimo exemplo para o trumpismo global: uma democracia que resistiu e puniu.

A extrema direita bolsonarista, após sua neutralização judicial e política, aposta agora na intervenção estrangeira

Daí a violenta tentativa de reabilitar Bolsonaro por meio de pressão internacional — seja por declarações públicas, seja por tarifas punitivas. Trata-se da maior agressão sofrida pelo Brasil desde o torpedeamento de seus navios mercantes pela Alemanha nazista. A extrema direita bolsonarista, após sua neutralização judicial e política, aposta agora na intervenção estrangeira.

O objetivo da família Bolsonaro e de seus aliados no Partido Liberal é dar continuidade à investida golpista de 2022/2023 por outros meios: pressionar as instituições da República, por via externa, para absolver Bolsonaro e torná-lo novamente elegível — sob ameaça, no limite, de rompimento das relações diplomáticas e comerciais com os Estados Unidos. Paralela e internamente, a extrema direita trabalha para fragilizar as instituições, fomentando mais uma vez um clima de guerra civil e preparando o terreno para nova tentativa de golpe por parte de militares simpatizantes.

Paradoxalmente, a crise criada por essa tentativa de intervenção externa também oferece uma oportunidade. Pode-se dizer que ela representa o acontecimento mais decisivo na redefinição da política brasileira desde as jornadas de 2013. Isso porque escancarou, sem margem para ambiguidade, o projeto da extrema direita: um colonial-fascismo, como já denunciado por Hélio Jaguaribe nos anos 1960 — um autoritarismo dependente, atrelado a interesses estrangeiros e a estruturas oligárquicas locais, sem qualquer projeto real de emancipação nacional.

No campo da direita, o ataque de Trump impõe um dilema inadiável: manter o flerte com a extrema direita golpista, que tem marcado sua atuação desde 2019, ou assumir o compromisso inequívoco com a democracia e a soberania nacional. Desde o fim do regime militar, a direita abandonou a bandeira do nacionalismo — e talvez precise agora lembrar de suas tradições esquecidas. Por ora, ela oscila entre o entreguismo explícito — cujo maior símbolo é o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), com seu boné trumpista — e o silêncio obsequioso, para não dizer covarde e oportunista, de quem aguarda o desfecho para saber que posição eleitoral tomar.

No campo da esquerda, a conjuntura também abre possibilidades. Depois de uma década em que esteve à margem do debate público, ela recuperou, nas semanas recentes, sua pauta tradicional de defesa dos trabalhadores precarizados contra os maus patrões. Agora, soma-se a isso a bandeira histórica da soberania nacional — decisiva em momentos de crise. Reconquista, inclusive, os símbolos nacionais, como a camisa amarela, e desmascara, de uma vez por todas, a lenda grotesca do patriotismo bolsonarista.

E vale lembrar: Trump serviu de cabo eleitoral involuntário da oposição vitoriosa em todos os países que ousou atacar com seu imperialismo truculento. Em toda parte, sua intervenção saiu pela culatra. O que Trump tem conseguido, na prática, é acelerar o declínio relativo dos Estados Unidos: ao abandonar compromissos históricos, desestabilizar a ordem multilateral e hostilizar parceiros, tem levado antigos aliados a buscar novos arranjos, fortalecendo blocos alternativos, diversificando parcerias comerciais e redesenhando alianças militares. Internamente, suas políticas têm gerado inflação e custos crescentes para as empresas americanas — corroendo a própria base material da hegemonia que pretende restaurar.

Essa talvez seja, enfim, a grande oportunidade histórica do Brasil: superar de vez o velho complexo de nação periférica, instável, bananeira — vulnerável às pressões do imperialismo — e afirmar-se, com confiança e clareza, como sempre desejaram seus melhores estadistas: uma nação autônoma, madura e soberana, comprometida com seu próprio desenvolvimento, pacífica no cenário internacional e firme na preservação de sua democracia — qualquer que seja a ideologia de quem ocupe o Palácio do Planalto.


*Cientista político, editor da revista Insight Inteligência e professor do IESP-UERJ

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