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Eduardo Bolsonaro: ação revolucionária ou devaneio político

Foto: Miguel Schincariol / AFP

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Zero Três parece engajado na missão dupla de se transformar em figura central da direita antissistema no Brasil e garantir para si o monopólio do legado político do pai

O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) é uma figura política controversa. Filho do ex-presidente Jair Bolsonaro, desde algum tempo assume um perfil distinto dos seus irmãos, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), cujas características de ação e fala lhe permitem transitar e dialogar nos bastidores com atores de diversas correntes ideológicas; e o vereador Carlos Bolsonaro (PL-RJ), artífice das estratégias digitais do pai.

Seja por necessidade familiar, seja por necessidade política, Eduardo Bolsonaro foi gradativamente assumindo um posicionamento que vale ser observado com atenção. Sobretudo por duas características: a primeira delas é marcada pelo fato de que o bolsonarismo é um movimento político com traços de empreendimento familiar. E a segunda, conectada com a primeira, que se demonstra na incapacidade deste movimento construir uma estrutura político-partidária própria.

Neste sentido, a dinâmica de uso de legendas de aluguel — uma característica robusta da vida política de Jair Bolsonaro — pode ser vista como uma explicação daquilo que é o comportamento do atual do deputado. Este, que desde março de 2025 reside nos Estados Unidos da América e, segundo suas próprias palavras, atua ativamente em favor da construção de uma alternativa que garanta liberdade ao seu pai com o apoio da Casa Branca.

O fato é que, ao mesmo tempo em que atua em favor de seu pai, parece um tanto quanto claro que este movimento é feito à revelia da dinâmica política que caracteriza o comportamento de Jair Bolsonaro. O ex-presidente parece focado em construir uma saída política para sua posição atual — condenado no Supremo Tribunal Federal (STF) pelos eventos que desencadearam o 8 de janeiro de 2023.

Eduardo parece engajado em uma dinâmica alternativa, cujos dois traços mais aparentes são transformar-se em figura central da direita antissistema no Brasil e, por consequência, garantir para si o monopólio do legado político de seu pai.

Ambos os elementos, verdade seja dita, parecem fundamentalmente importantes para o futuro da família e do bolsonarismo como movimento político.

Afinal, ao mesmo passo em que os processos e o cercamento jurídico-político parecem avançar sobre a figura do ex-presidente, é possível identificar sinais de que membros da direita política nacional, seja ela antissistêmica ou partícipe do status quo político, articulam saídas que envolvam a transformação de Bolsonaro em um cabo eleitoral — mas não necessariamente uma figura política de destaque deste campo político. No atual momento se identifica um número significativo de atores políticos dispostos a assumir um posicionamento estratégico em 2026 que permita à direita avançar em uma dinâmica eleitoral pós-bolsonarista.

Tal movimento se manifesta em diferentes camadas, tais como nas declarações de Valdemar Costa Neto, presidente do PL, de que Bolsonaro havia de fato planejado um golpe; ou nos movimentos do relator do projeto de lei da anistia em se negar a usar tal termo. Ambos despertam no ator objetivo desta reflexão uma percepção de ameaça. E é esta percepção, conforme transcrita pelo mesmo em conversas de Whatsapp tornadas públicas pela Justiça, que dá o tom de que sua leitura envolve não necessariamente uma vitória eleitoral, mas a manutenção do capital político e eleitoral do bolsonarismo no núcleo político-familiar.

Dito isto, quais seriam os elementos de fundo que permitem a Eduardo construir com tamanha convicção este tipo de empreitada? Em primeira camada, é importante observar o fato de que, desde algum tempo, o filho 03 do ex-presidente Bolsonaro se engaja continuamente na importação e adaptação do ideário político da direita antissistema para terras brasileiras. Da importação da Conservative Political Action Conference (CPAC) ao diálogo constante com ideólogos do MAGA, como Steve Bannon, Eduardo Bolsonaro assume protagonismo nesta seara.

A CPAC, movimento iniciado nos EUA em 1974 e realizado no Brasil pela primeira vez em 2019, é um marco visível deste esforço — será tratado aqui como tropicalização, tendo em vista algumas tentativas de adaptação do discurso para a realidade nacional. Porém, o elemento que chama atenção é outro: a capacidade de Eduardo Bolsonaro de embutir em sua narrativa elementos antissistêmicos que se assemelham a outro elemento importante de compreensão da realidade política atual nos Estados Unidos da América, o Projeto 2025.

Tal documento, construído pelo think tank conservador americano Heritage Foundation, é uma espécie de roadmap para a transformação profunda das instituições do país. Em uma leitura mais ceticista do documento, é possível concordar com a assertiva de que seu objetivo final seria a construção de uma presidência imperial nos Estados Unidos da América. Essa seria a única maneira, segundo os produtores do documento, de efetivamente barrar os avanços de um progressismo político que se alastrou pela sociedade e comprometeria os valores tradicionais que fizeram dos Estados Unidos um baluarte das liberdades individuais.

O fato de que artífices importantes do documento assumiram funções de destaque na administração Trump, por sua vez, permite compreender — parafraseando Celso Rocha de Barros, em prefácio ao livro O Projeto, de David A. Graham — a velocidade e o apetite com que as mudanças foram empreendidas nos Estados Unidos em menos de um ano do novo governo. Do DOGE, sob a liderança de Elon Musk, às transformações profundas no Departamento de Comércio e à mudança de nome do Departamento de Estado para Departamento de Guerra, identifica-se, portanto, uma dinâmica de desconstrução de institucionalidade americana conforme observada desde o final da Segunda Guerra Mundial até o presente.

E como tais dinâmicas se encaixam naquilo que Eduardo Bolsonaro vislumbra?

Em primeira camada, é possível estabelecer a hipótese de que o bolsonarismo se enquadra como a versão brasileira dos movimentos antissistêmicos de direita que têm balançado democracias liberais ao redor do planeta. Neste sentido, diferentemente de forças políticas de esquerda que, globalmente, foram se colocando como defensoras de um determinado status quo político, a direita foi assumindo uma faceta revolucionária.

A negação das regras do jogo, a rejeição aos resultados do jogo político, e sempre que possível, o constrangimento dos concorrentes, seja por retórica agressiva, movimentos massivos de redes sociais, ou mesmo por meios que possam insuflar violência, se tornaram instrumentos de ação de um movimento revolucionário. O próprio uso por Eduardo de expressões como “o regime” para designar o governo brasileiro é marcador de uma tentativa clara de não reconhecimento da ordem conforme posta.

O que leva à segunda camada daquilo que se reflete, e que, basicamente, se alimenta da premissa de que, ao observar os esforços de sua família de se adaptar ao jogo político — seja pela construção de acordos, coalizões ou mesmo candidaturas —, Eduardo parece se lançar sobre uma dinâmica em que a normalização do bolsonarismo abriria espaço para um novo modelo de discurso antissistêmico. Este, cuja amostra foi dada pela candidatura de Pablo Marçal à prefeitura de São Paulo, tiraria da organização político-familiar uma espécie de monopólio em termos de arregimentação popular.

Ato contínuo desta dinâmica, a assunção de uma posição de franco questionamento à ordem e aos atores políticos tradicionais é que Eduardo assume uma posição que, conforme suas palavras, o leva para uma encruzilhada onde há apenas “cem por cento de vitória ou cem por cento de derrota”. O cenário resulta em um processo que o torna uma persona non grata em vários setores da política nacional sem os quais é efetivamente complexo avançar em qualquer tipo de projeto de poder.

Nesse contexto, reside um elemento importante da postura, fala e ações de um ator político que, ao mesmo tempo que se vê retratado por críticos como uma figura caricata — “o embaichapeiro”, “o bananinha” —, assumiu protagonismo retórico e imagético na maior crise diplomática que o país enfrenta no início do século 21. Afinal, a proximidade de Eduardo — em parceria com Paulo Figueiredo — de Steve Bannon, Marco Rubio e outros assessores da Casa Branca, o tornou até o presente momento o principal intérprete da situação política brasileira para o governo Trump com resultados que foram alardeados pelo próprio e seus apoiadores como sendo fruto de suas ações.

O fato é que, mesmo que Trump tenha feito um gesto de potencial proximidade em direção ao Brasil na Assembleia Geral da ONU, o processo de transformação da governança e das institucionalidades nos EUA dão uma vantagem relacional a Eduardo Bolsonaro. O ponto desafiador para ele, e para o sistema político como um todo, é compreender se tais movimentos representam um risco aos marcadores que delimitam o sistema político desde 1988, ou se, efetivamente, se trata apenas de um devaneio de um ator político com ambições maiores que sua capacidade de transformação da realidade ao seu redor.


*Sócio fundador da consultoria de análise de risco político Dharma (www.dharmapolitics.com.br). É historiador de formação, mestre em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília e foi professor visitante na University of Florida (2010). Atualmente é professor da Fundação Dom Cabral.

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