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Bancada Cristã, a base de fiéis e a pauta climática

Às vésperas da COP30, quais são as percepções da população cristã sobre questões ambientais e climáticas?

Falar de meio ambiente no Brasil é, cada vez mais, falar também de religião. O debate sobre as mudanças climáticas, frequentemente enquadrado como um tema técnico ou científico, tem encontrado ressonância — e, em muitos casos, novas formas de engajamento — entre fiéis de diferentes crenças e espiritualidades. Mas, como a religião vem sendo utilizada e mobilizada também para a radicalização política, é especialmente entre católicos e evangélicos que se tenta polarizar uma pauta ainda não polarizada na base de fiéis. Como mostram os dados.

Uma pesquisa intitulada Cristianismos e Narrativas Climáticas, realizada pelo Instituto de Estudos da Religião (ISER) e publicada no ano passado, mostra que a fé e as práticas religiosas são dimensões centrais para compreender como a população brasileira elabora sentidos sobre natureza, criação e responsabilidade ambiental e que, diferentemente do que muitas lideranças religiosas na política tentam demonstrar o contrário, as percepções sobre essas questões nas pessoas não adere a leituras fatalistas religiosas e acompanham as leituras da população em geral.

Os resultados ajudam a desconstruir estereótipos persistentes, especialmente sobre o público evangélico. Entre os participantes da pesquisa na Marcha para Jesus, evento de maior visibilidade entre evangélicos no país, a maioria reconhece que as mudanças climáticas são resultado da ação humana — e acredita que suas igrejas devem abordar o tema. Em um contexto em que o discurso religioso é frequentemente retratado como alheio ou até contrário à agenda ambiental, esses dados revelam nuances importantes: há, dentro das igrejas, debates e sensibilidades em transformação.

Essa investigação foi coordenada por Jacqueline Moraes Teixeira, Lorena Mochel e Eduardo Santos e combinou diferentes métodos de análise: de um lado, questionários estruturados aplicados em campo nas Marcha para Jesus em três capitais: São Paulo, Rio de Janeiro e Recife; de outro, o acompanhamento das narrativas sobre religião e meio ambiente nas redes sociais — Instagram, Facebook, TikTok, YouTube e X (antigo Twitter). As entrevistas foram realizadas, até o momento, apenas com o público evangélico. A pesquisa ouviu 673 participantes, com maioria feminina (61%) e negra (62%), dos quais 91% se declararam evangélicos. Está em campo, até o final deste ano, uma etapa de entrevistas com o segmento católico, em seus eventos mais emblemáticos de rua como o Cirio de Nazaré, em Belém (PA), e procissões durante a Semana Santa em algumas capitais selecionadas.

Ao cruzar esses universos — o das ruas e o das redes —, o estudo revela como repertórios religiosos circulam, ganham novas interpretações e, muitas vezes, disputam o sentido mesmo do que significa “cuidar da criação”. Mais do que medir opiniões, trata-se de compreender o papel das igrejas e de seus fiéis na construção simbólica e política das narrativas sobre o clima no Brasil.

Muitos atribuem a crise ambiental ao mau uso do livre-arbítrio, concedido por Deus à humanidade

As mudanças climáticas são uma realidade incontestável — e, para boa parte dos evangélicos ouvidos, não cabe atribuí-las a Deus, mas à ação humana. Esse é um dos achados mais expressivos da pesquisa. As posições negacionistas sobre o aquecimento global não prosperam entre os fiéis. Pelo contrário, muitos atribuem a crise ambiental ao mau uso do livre-arbítrio, concedido por Deus à humanidade — um modo de expressar, em linguagem teológica, a noção de responsabilidade coletiva pelos danos causados ao planeta.

Ainda que o reconhecimento da gravidade do problema seja quase consensual, seis em cada dez afirmam que suas igrejas não possuem ações específicas voltadas à questão ambiental — o que também sugere uma distância entre convicção pessoal e prática institucional.

Mesmo assim, o interesse pelo tema é evidente: a ampla maioria considera importante que as igrejas abordem o cuidado com o meio ambiente, com índices altíssimos de concordância entre as mulheres (98%) e os homens (93%) entrevistados. Segundo o estudo, há, contudo, “um certo desconhecimento relacionado às categorias ‘clima’ ou ‘questões climáticas’”, o que indica que o vocabulário mais técnico da agenda ambiental nem sempre ressoa entre fiéis, enquanto expressões como “meio ambiente” ou “cuidado com a criação” encontram maior adesão simbólica e afetiva.

Como explica a antropóloga Jacqueline Moraes Teixeira, trata-se de um público que frequenta a igreja ao menos duas vezes por semana e demonstra altíssimo engajamento comunitário. É nesse ambiente — mais relacional e cotidiano do que ideológico — que podem emergir novas formas de engajamento com o tema ambiental, fundadas não apenas na ciência, mas também na fé e no senso de responsabilidade ética diante da criação.

Quando perguntados sobre ações ambientais em suas igrejas, muitos entrevistados mencionaram iniciativas como a distribuição de sopa para pessoas em situação de rua — práticas que, embora não estejam diretamente ligadas ao campo ambiental, revelam como a ideia de “cuidado com o meio ambiente” pode ganhar significados próprios dentro das comunidades de fé. Como observam as pesquisadoras, isso sugere que, para grande parte dos fiéis, o cuidado com a criação se expressa em gestos concretos de solidariedade e acolhimento, mesmo quando não correspondem ao que especialistas em meio ambiente esperariam encontrar.

Entre aqueles que identificam ações ambientais específicas em suas igrejas, aparecem com frequência referências à reciclagem, coleta de lixo e hortas comunitárias. A preocupação, portanto, não se concentra apenas em temas distantes, como a Amazônia ou o desmatamento, mas se manifesta em práticas cotidianas e locais — iniciativas que aproximam o discurso ambiental da realidade concreta das comunidades.

Os dados também revelam como a teologia contribui para moldar percepções sobre a crise climática. Quase metade dos entrevistados (43%) concorda totalmente — e outros 19% parcialmente — com a afirmação de que “as mudanças climáticas são reflexo do pecado do homem na Terra”. Essa formulação traduz, em linguagem religiosa, a ideia de culpa e responsabilidade moral da humanidade pelos desequilíbrios ambientais.

Mas o olhar teológico também introduz ambivalências. Quando questionados se desastres como secas e enchentes estariam relacionados à volta de Jesus, 54% concordaram total ou parcialmente. Essa sobreposição entre crença escatológica e leitura ambiental sugere que, entre parte dos fiéis, a crise climática é compreendida tanto como consequência do pecado humano quanto como sinal dos tempos — um alerta espiritual mais do que uma questão política ou científica.

Em suma, o estudo mostra que as noções de fé e meio ambiente se entrelaçam de maneiras complexas. O engajamento religioso com o tema não se dá apenas por adesão à agenda climática global, mas por uma gramática moral própria, que traduz o cuidado com a Terra em termos de pecado, redenção e solidariedade. É justamente nessa intersecção — entre ética, espiritualidade e prática comunitária — que emergem as possibilidades mais ricas de diálogo entre religião e clima no Brasil.

Mas e a bancada evangélica e as grandes lideranças desse segmento? Estariam alinhadas a essa preocupação ambiental vista na base?

Essa nunca foi uma pauta defendida ou barrada prioritariamente pela bancada evangélica. Mas hoje é uma bancada, em sua maioria, bolsonarista e de oposição ao Executivo. Nesse sentido, alia-se aos interesses da bancada do agronegócio no que diz respeito a pautas de flexibilização da legislação ambiental, anistia a desmatadores, redução da demarcação de terras indígenas e etc. Assim como também tem se aliado à bancada da segurança pública em pautas mais armamentistas e punitivistas. São as bases de uma bancada de oposição, por vezes definida como extrema-direita ou nova direita no Congresso hoje: forças da segurança pública, agronegócio e lideranças religiosas conservadoras.

As lideranças da Bancada Cristã — aqui somando evangélicos e católicos — publicamente, não têm no centro de seus posicionamentos falas negacionistas climáticas, mas tampouco prioritárias na defesa ambiental e no reconhecimento da ação humana nas mudanças climáticas. A não ser em posicionamentos, e ações concretas por meio das Igrejas, em solidariedade e pela mobilização social em casos de tragédias ambientais e climáticas, por exemplo. É a forma de se manterem conectados com suas bases eleitorais, e a vida concreta de seus fiéis, apesar de estarem apoiando flexibilizações de proteção ambiental por meio de seus mandatos legislativos.

A posição das lideranças religiosas sobre meio ambiente não é de rejeição explícita, e sim de omissão estratégica

Embora as bases evangélicas demonstrem receptividade à pauta ambiental, as grandes lideranças religiosas nacionais ainda não assumem o tema como prioridade. Como observa o sociólogo Renan William dos Santos, autor de uma tese de doutorado na USP sobre orientações cristãs para a conduta ecológica, em entrevista para a jornalista da Folha de SP Anna Virginia Balloussier: “elas se alinham com a base no sentido de que raramente você vai encontrá-las se opondo abertamente ao cuidado do meio ambiente”.

A questão, porém, não é de rejeição explícita, e sim de omissão estratégica. Santos provoca: “Afinal, se a noção de cuidar do meio ambiente é vista positivamente tanto pela massa de fiéis regulares quanto pela maioria dos pastores, por que o tema ainda é tão marginal entre os evangélicos?”.

A resposta, segundo o pesquisador, está nas alianças políticas e econômicas que estruturam o campo religioso contemporâneo no Brasil. Ele explica que “dadas as articulações que existem entre o campo religioso e o campo político no contexto brasileiro — leia-se, o estreitamento da aliança com o setor do agronegócio e outras frentes de desregulamentação governamental —, direcionar recursos institucionais necessários para alavancar a pauta nos espaços religiosos não é interessante para essas lideranças”.

Em outras palavras, o cálculo político fala mais alto. Como resume Santos, “se por um lado haveria um custo alto em contrariar a massa de fiéis com a adoção de posturas críticas à agenda ambiental, por outro, haveria um custo tão grande quanto em contrariar o interesse de aliados políticos e econômicos ao se alavancar institucionalmente iniciativas eco religiosas coletivas”.

O resultado é um equilíbrio instável: lideranças que reconhecem o valor simbólico do “cuidado com a criação”, mas que evitam transformar esse discurso em ação concreta, optando por um silêncio que preserva relações políticas e evita disputas internas.


*Ana Carolina Evangelista é cientista política com mestrado em relações internacionais pela PUC-SP e em gestão pública pela FGV-SP. É pesquisadora e diretora-executiva do Instituto de Estudos da Religião (Iser). Faz cobertura eleitoral desde 2018 com colunas na 'piauí' e no 'UOL'.

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