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A aldeia mais global, mais rápida e mais rasa

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No início dos anos 1960, o teórico da comunicação canadense Marshall McLuhan (1911-1980) cunhou o conceito de “aldeia global”, refinado no livro A Galáxia de Gutenberg: A Formação do Homem Tipográfico, de 1962. Na obra, McLuhan descreve como os meios eletrônicos (especialmente o rádio e a televisão, que se popularizavam) estavam encurtando as distâncias e reconectando as pessoas em uma espécie de “aldeia” planetária — um retorno à comunicação tribal, mas em escala global. “O meio é a mensagem”, escreveu o pensador.

Seis décadas depois, seu neto, Andrew McLuhan, preserva a contribuição do avô para o pensamento da comunicação por meio do Instituto McLuhan, fundado em 2017. Desde então, outros meios eletrônicos, a começar pelas redes sociais, um tanto mais rápidas que o rádio ou a televisão, vêm agindo sobre a sociedade, e ainda não temos uma ideia precisa do impacto da inteligência artificial. Em visita ao Brasil, Andrew McLuhan conversou com o Meio sobre os desafios impostos por essas novas tecnologias à experiência humana.

Os Estados Unidos mudaram muito de 2017 para cá. Como o McLuhan Institute tem trabalhado essas mudanças e para onde acha que estamos indo?

Os Estados Unidos são um caso interessante porque são um país, uma sociedade democrática fundada em um momento da História em que a comunicação era lenta. Naquele tempo [o fim do século 18] fazia sentido uma comunidade designar uma pessoa para levar seus interesses até Washington, porque, se você estivesse do outro lado do país, levaria meses para chegar lá. Mas, embora o tempo tenha mudado — e muito —, o estilo da democracia deles mudou muito pouco. Acho que o que vemos agora é uma tensão interessante entre a História e as novas configurações da sociedade: o que era adequado há 250 anos já não é mais. Então há uma certa dissonância na mente das pessoas. E o que é triste, de certa forma, é que muitos ainda agem como se os princípios do passado continuassem valendo.

Pode dar um exemplo?

Na política, costumava-se dar muita atenção às pesquisas de opinião — mas elas estão cada vez menos confiáveis, certo? As pessoas podem dizer que vão fazer algo e, na hora de votar, fazem outra coisa. Outro fator importante é que a razão e a racionalidade não têm mais o mesmo papel que tinham. Acho interessante observar que essa foi a principal diferença entre os partidos Republicano e Democrata na tentativa de vencer as eleições. O Partido Democrata enfatizou muito a ideia de que eles eram a escolha inteligente, lógica — afinal, parecia óbvio que o outro lado era louco, imprevisível e irracional. E eles pensavam: “Como poderíamos perder? Qualquer pessoa razoável vai perceber isso.” Mas o que não entenderam é que as pessoas não tomam mais decisões baseadas apenas em lógica. É mais emocional agora. E as pessoas tendem mais a votar contra alguém do que a favor de alguém. Ou seja, muitas vezes não é votar no Trump, é votar contra o outro partido.

O que provoca esse comportamento?

A política mudou muito à medida que nos afastamos de uma era mais letrada. E acho que a tendência vai continuar nessa direção. Agora, com a chegada da IA, isso se intensifica ainda mais, porque já era difícil distinguir o que é real e o que não é — e agora é quase impossível. E podemos até chegar ao ponto em que não apenas é impossível saber, mas também deixa de importar. Trump gosta de falar em “fake news”. Mas basta dizer que algo é real para que pareça real, ou dizer que é falso para que pareça não ser. Em termos democráticos, isso é extremamente perigoso. E esses elementos não se misturam bem. Não sei muito bem o que fazer com isso, na verdade.

Estamos falando dos EUA, mas tudo isso se aplica também a outros países, não? Inclusive ao Brasil.

Ao Brasil, claro. Essa é a natureza do nosso mundo hoje. Meu avô, Marshall McLuhan, falava sobre a “aldeia global”. Há 300 anos, uma carta levava duas semanas para chegar ao Brasil e mais duas para voltar. Agora, poderíamos estar tendo essa conversa por telefone ou Zoom. O tempo e o espaço se encolheram a ponto de se tornarem quase irrelevantes.

E isso nos dá menos tempo para pensar.

Houve um intelectual francês chamado Alphonse de Lamartine [1790-1869] que, quando o jornal era novidade, dizia que “o livro chega tarde demais”. Ele queria dizer que, no tempo em que se escreve, edita, diagrama e publica um livro, a notícia já aconteceu. Na era dos jornais — e, mais ainda, da internet —, as coisas acontecem em um instante. O livro demora demais. Então, como meio de comunicação “vital”, ele não serve. Mas a força do livro está justamente na lentidão. Por ser um processo demorado, ele exige cuidado, exige certeza — porque você não pode simplesmente “deletar o tweet” ou editar depois. Uma vez impresso, está feito. São dois formatos diferentes: um prioriza a velocidade (não necessariamente a precisão), o outro prioriza a exatidão, mas leva mais tempo. E isso nos obriga a pensar: que tipo de sociedade queremos? Se queremos uma sociedade que valoriza a verdade e o acerto, precisamos repensar a relação com a velocidade.

Como você vê a sociedade de hoje moldada pelas redes sociais e pela IA? Pensamos menos?

Exatamente. Quando meu avô dizia que “o meio é a mensagem”, ele explicava que a mensagem é a mudança de escala, ritmo e padrão que um novo meio introduz em nossas vidas. E, claro, a velocidade é uma dessas mudanças. A escala é outra: em termos da qualidade de vida, do cotidiano, ela importa muito — porque nós, humanos, temos limites físicos, e às vezes esquecemos disso. A internet faz parecer que somos ilimitados, porque podemos “viajar” à velocidade da luz. Mas isso não é o mesmo que estar lá. Há um conceito chamado “número de Dunbar”, que é a quantidade de relacionamentos significativos que uma pessoa consegue manter — algo em torno de 100. Não é muito. Mas quantos “amigos” você tem no Facebook ou no LinkedIn? Centenas, milhares. Há uma espécie de equação nisso: quanto mais rápido você vai, menos profundidade tem. E profundidade significa conexão e significado. Você não pode conhecer mil pessoas da mesma forma que conhece dez. Esse é o impacto das redes sociais: superficialidade. E isso não é sustentável para o ser humano, não é algo que nos nutra. E agora, com a IA, isso está se intensificando. As pessoas estão substituindo amigos por máquinas. Muita gente passa horas conversando com o ChatGPT.

Até fazendo terapia…

“Terapia”, “amizade”. Existe até um novo dispositivo chamado Friend, um pingente com IA que escuta você falar e depois envia mensagens de texto. Isso muda radicalmente as relações humanas, e não tenho certeza de quão saudável isso é. Acho que vamos descobrir.

E em relação à saúde mental? Para onde estamos indo com tudo isso?

É difícil manter os pés no chão quando se está se movendo tão rápido. Eu costumo dar o exemplo: há várias formas de ir de um lugar a outro — a pé, de bicicleta, de carro ou de avião. Cada uma é mais rápida, mas também mais distante da experiência. Eu moro em uma cidade pequena; posso ir a pé ao correio em cinco minutos, ou de carro no mesmo tempo. Mas, andando, sinto o cheiro do café e do pão, encontro pessoas, vejo as árvores… De carro, apenas chego lá. Às vezes o que importa é só “chegar”, mas, na vida, o que realmente nos dá significado são essas experiências sensoriais e relacionais. Mais uma vez: sacrificamos profundidade pela velocidade. E estamos indo tão longe nesse extremo que em algum momento vamos bater numa parede e precisar voltar. Caso contrário, o que significa ser humano?

Você acha que essa “parede” está próxima?

É difícil imaginar que não esteja. Estamos nos afastando tanto da experiência humana tradicional que quase viramos outra coisa. As pessoas passam de 12 a 18 horas por dia olhando para telas. Parece alarmante para mim — talvez não para os mais jovens, que já veem isso como normal. Mas, pense: o que é olhar para uma tela? É basicamente encarar um pedaço de vidro. Há um vídeo viral de uma mulher em uma fila de café “rolando” em um pedaço de plástico transparente no formato de um celular. E o engraçado é que, embora pareça ridículo, não é muito diferente do que já fazemos. Ficou tão natural que é desconfortável não fazer isso. Virou um hábito — muito rápido.

Qual seria a melhor forma de informar as pessoas?

Pergunta difícil! O desafio é alcançar as pessoas onde elas estão — e trabalhar dentro dessas limitações. É difícil, porque às vezes você quer levá-las a outro lugar, mas elas não querem ir. E é sempre mais fácil avançar tecnologicamente do que voltar atrás. Mas talvez haja coisas que possamos fazer — e isso se conecta à saúde mental. Por exemplo, ler no papel é cognitivamente diferente de ler em uma tela. Na tela, a luz vem de dentro; no papel, vem de fora. E isso muda o comportamento dos olhos e da mente. Na tela, pulamos e escaneamos o texto. No papel, seguimos o fluxo. E isso treina a mente a ser mais lógica, lenta e conectada. Eu recomendo aos meus alunos: se estiverem ansiosos ou com dificuldade de concentração, leiam no papel e escrevam à mão. Falar, eu consigo cerca de 120 palavras por minuto; digitar, 80; escrever à mão, 40. E, ao desacelerar a mão, você desacelera a mente. É uma forma de terapia. Quinze minutos por dia escrevendo já fazem diferença em poucas semanas.

Existe alguma maneira de regular as redes sociais ou a IA sem ferir a liberdade de expressão?

Na verdade, acho que as novas tecnologias podem ser um grande benefício para a democracia. Pense no conceito: “governo do povo”. A democracia representativa — em que elegemos alguém para nos representar — fazia sentido quando distância e velocidade eram fatores importantes. Hoje, não mais. Agora todos podemos expressar nossas opiniões diretamente, quase em tempo real. Isso é, em essência, mais democrático. O problema é outro: liberdade de expressão, anonimato e responsabilidade. O anonimato protege denunciantes, mas também permite comportamentos nocivos sem consequência. Precisamos encontrar o equilíbrio entre proteger e responsabilizar. E ainda não conseguimos.

Como podemos construir um futuro melhor?

A primeira coisa é perguntar: o que você valoriza? Como indivíduo, como família, como empresa. Faça uma lista — de verdade, escreva à mão — e veja se suas tecnologias e seu trabalho estão alinhados com esses valores. Se sim, ótimo. Se não, é hora de repensar. O mesmo vale para novas tecnologias como a IA: antes de adotar, pergunte-se: “isso está de acordo com meus valores? Melhora o que considero importante? Ou atrapalha?” E assim podemos refletir e melhorar.

Sendo bem otimista, talvez as pessoas percebam se estão sendo as mesmas online e offline, porque às vezes alguém é muito gentil pessoalmente, mas horrível nos comentários do YouTube, por exemplo. (Risos)

Mas isso acontece porque o “você” online é só uma fração de quem você é de verdade — e nem sempre a melhor fração. O que valorizamos como humanos é a experiência completa, e isso não acontece na tela do celular que seguramos por dez horas por dia. Se quisermos ser honestos, precisamos reconhecer isso — e, mesmo que não seja o caminho mais fácil, é o mais humano.

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