A mancha do racismo na NFL

Neste domingo os mundos do esporte e do entretenimento se voltarão para o SoFi Stadium, em Los Angeles, onde ocorrerá o Super Bowl, a final da NFL – liga de futebol americano. O show do intervalo é um dos pontos mais altos do evento, que trará grandes nomes do hip hop americano como Snoop Dogg, Dr. Dre, Eminem, Kendrick Lamar e Mary J. Blige. Artistas negros se apresentando não é novidade. Somente nas últimas edições outros também o fizeram, como The Weeknd, Bruno Mars e Beyoncé. Aliás, 70% dos jogadores também são negros, o que não impede que a NFL tenha sérios problemas de racismo enraizado.

Na semana passada, o técnico Brian Flores processou a NFL por discriminação racial. Após ser demitido do Miami Dolphins, mesmo tendo recordes de vitórias em seus últimos dois anos na equipe, chegando perto dos playoffs nas duas vezes, ele conseguiu uma entrevista de emprego para treinar o New York Giants. Bill Belichick, o mais bem-sucedido técnico da NFL, chegou a parabenizar o treinador pelo novo cargo, mas percebeu que tinha confundido Brian Flores com Brian Daboll, um técnico branco, que assumiu a equipe de Nova York. “Eu acho que eles estão nomeando Daboll. Me desculpe por isso”, disse Belichick, em uma mensagem de texto, cuja impressão foi anexada ao processo.

No momento em que recebeu a mensagem, Flores ainda não tinha feito a entrevista. A suspeita é de que Brian Daboll tenha sido contratado antes que seu xará tivesse a oportunidade de uma conversa com os executivos do Giants. Isso porque a NFL exige que todas as equipes entrevistem pelo menos uma pessoa não branca para o cargo de treinador principal. Não foi a primeira vez que isso aconteceu. Marvin Lewis, ex-técnico do Cincinnati Bengals, disse recentemente que participou de uma entrevista falsa no Carolina Panthers, que já tinha contratado John Fox, um branco, para a posição.

Mais uma chance

John Fox foi um dos técnicos que conseguiram uma terceira chance na principal liga de futebol americano. Técnicos brancos conseguem corriqueiramente uma segunda ou terceira chance de comandar equipes da NFL. Não ocorre o mesmo com treinadores negros. Poucos conseguem uma segunda chance como técnicos principais. Uma análise acadêmica encomendada pela própria NFL em 2019 mostrou que negros são menos propensos a receberem uma nova oportunidade. Uma terceira, então, tem se demonstrado impossível. Até hoje, nenhum conseguiu. O mais próximo disso foi Romeo Crennel, que após treinar duas equipes, foi técnico interino em um terceiro time, mas por apenas uma parte da temporada.

Aliás, até uma única chance tem sido difícil. Dos 32 treinadores principais da liga, apenas um é negro. Mike Tomlin se mantém no posto com um dos maiores percentuais de vitórias entre os treinadores ativos. Mas não é de se estranhar que haja poucos técnicos negros. Um estudo da Georgetown University mostrou que a falta de diversidade nos cargos de coordenação fez com que poucos negros chegassem a serem técnicos principais da NFL. Isso porque os treinadores de posição geralmente são promovidos a coordenadores e depois a treinadores principais. O estudo concluiu que técnicos brancos na liga são 50% mais propensos a serem promovidos para qualquer posição do que alguém das minorias raciais e têm 114% mais chances de serem promovidos a coordenadores. Eles levam nove anos para chegarem a essa posição, enquanto membros não brancos levam 14 anos para alcançarem o mesmo posto.

Boicote velado

Apesar de jogadores negros serem maioria, eles também são mais suscetíveis a boicotes pelos times. São raros os que são contratados para ser quarterbacks, posição estratégica no futebol americano. Um QB precisa ter inteligência estratégica e habilidades para liderar a equipe em campo. Warren Moon foi um dos poucos que chegaram a jogar nessa posição e conta que no futebol americano, as posições “pensantes” eram as que ele não podia jogar.

Outro quarterback negro que ainda aguarda uma nova chance para jogar na NFL é Colin Kaepernick, que tem sido boicotado por todos os times da liga desde que liderou protestos contra violência policial à comunidade negra antes dos jogos, em 2017.

Racismo científico

O racismo na NFL também tem buscado amparo na ciência para se sustentar. A liga adotou, ao longo dos anos, a normação racial, uma prática controversa em neuropsicologia, no qual, negros teriam resultados piores que brancos em testes de cognição. Essa norma impediu que milhares de ex-jogadores negros tivessem atestado o diagnóstico de demência e outras doenças relacionadas a concussões, problemas comuns em quem pratica esportes de auto impacto, como o futebol americano. Isso fez com que esses atletas não tivessem acesso a indenizações pagas pela liga para esses casos.

Uma viúva de um jogador chegou a ouvir de um médico que se seu marido fosse branco, ele seria diagnosticado com demência e teria acesso a um pagamento de seis dígitos. São muitos os casos semelhantes, e a falta de acesso a essas indenizações impede que ex-atletas tenham tratamentos médicos pagos pela liga.

No ano passado, a NFL e os advogados que representam mais de 20 mil ex-jogadores chegaram a um acordo provisório de remover a normação racial na avaliação de indenizações. Com isso, cerca de 1,4 mil jogadores poderão remarcar seus testes cognitivos para buscar acesso aos pagamentos a que têm direito.

O Super Bowl deste ano terá tudo para entregar uma grande festa com momentos memoráveis, mas o passado e o presente de discriminação racial na principal liga de futebol americano poderão assombrar sua reputação no futuro.

Neste domingo os mundos do esporte e do entretenimento se voltarão para o SoFi Stadium, em Los Angeles, onde ocorrerá o Super Bowl, a final da NFL – liga de futebol americano. O show do intervalo é um dos pontos mais altos do evento, que trará grandes nomes do hip hop americano como Snoop Dogg, Dr. Dre, Eminem, Kendrick Lamar e Mary J. Blige. Artistas negros se apresentando não é novidade. Somente nas últimas edições outros também o fizeram, como The Weeknd, Bruno Mars e Beyoncé. Aliás, 70% dos jogadores também são negros, o que não impede que a NFL tenha sérios problemas de racismo enraizado.

Na semana passada, o técnico Brian Flores processou a NFL por discriminação racial. Após ser demitido do Miami Dolphins, mesmo tendo recordes de vitórias em seus últimos dois anos na equipe, chegando perto dos playoffs nas duas vezes, ele conseguiu uma entrevista de emprego para treinar o New York Giants. Bill Belichick, o mais bem-sucedido técnico da NFL, chegou a parabenizar o treinador pelo novo cargo, mas percebeu que tinha confundido Brian Flores com Brian Daboll, um técnico branco, que assumiu a equipe de Nova York. “Eu acho que eles estão nomeando Daboll. Me desculpe por isso”, disse Belichick, em uma mensagem de texto, cuja impressão foi anexada ao processo.

No momento em que recebeu a mensagem, Flores ainda não tinha feito a entrevista. A suspeita é de que Brian Daboll tenha sido contratado antes que seu xará tivesse a oportunidade de uma conversa com os executivos do Giants. Isso porque a NFL exige que todas as equipes entrevistem pelo menos uma pessoa não branca para o cargo de treinador principal. Não foi a primeira vez que isso aconteceu. Marvin Lewis, ex-técnico do Cincinnati Bengals, disse recentemente que participou de uma entrevista falsa no Carolina Panthers, que já tinha contratado John Fox, um branco, para a posição.

Mais uma chance

John Fox foi um dos técnicos que conseguiram uma terceira chance na principal liga de futebol americano. Técnicos brancos conseguem corriqueiramente uma segunda ou terceira chance de comandar equipes da NFL. Não ocorre o mesmo com treinadores negros. Poucos conseguem uma segunda chance como técnicos principais. Uma análise acadêmica encomendada pela própria NFL em 2019 mostrou que negros são menos propensos a receberem uma nova oportunidade. Uma terceira, então, tem se demonstrado impossível. Até hoje, nenhum conseguiu. O mais próximo disso foi Romeo Crennel, que após treinar duas equipes, foi técnico interino em um terceiro time, mas por apenas uma parte da temporada.

Aliás, até uma única chance tem sido difícil. Dos 32 treinadores principais da liga, apenas um é negro. Mike Tomlin se mantém no posto com um dos maiores percentuais de vitórias entre os treinadores ativos. Mas não é de se estranhar que haja poucos técnicos negros. Um estudo da Georgetown University mostrou que a falta de diversidade nos cargos de coordenação fez com que poucos negros chegassem a serem técnicos principais da NFL. Isso porque os treinadores de posição geralmente são promovidos a coordenadores e depois a treinadores principais. O estudo concluiu que técnicos brancos na liga são 50% mais propensos a serem promovidos para qualquer posição do que alguém das minorias raciais e têm 114% mais chances de serem promovidos a coordenadores. Eles levam nove anos para chegarem a essa posição, enquanto membros não brancos levam 14 anos para alcançarem o mesmo posto.

Boicote velado

Apesar de jogadores negros serem maioria, eles também são mais suscetíveis a boicotes pelos times. São raros os que são contratados para ser quarterbacks, posição estratégica no futebol americano. Um QB precisa ter inteligência estratégica e habilidades para liderar a equipe em campo. Warren Moon foi um dos poucos que chegaram a jogar nessa posição e conta que no futebol americano, as posições “pensantes” eram as que ele não podia jogar.

Outro quarterback negro que ainda aguarda uma nova chance para jogar na NFL é Colin Kaepernick, que tem sido boicotado por todos os times da liga desde que liderou protestos contra violência policial à comunidade negra antes dos jogos, em 2017.

Racismo científico

O racismo na NFL também tem buscado amparo na ciência para se sustentar. A liga adotou, ao longo dos anos, a normação racial, uma prática controversa em neuropsicologia, no qual, negros teriam resultados piores que brancos em testes de cognição. Essa norma impediu que milhares de ex-jogadores negros tivessem atestado o diagnóstico de demência e outras doenças relacionadas a concussões, problemas comuns em quem pratica esportes de auto impacto, como o futebol americano. Isso fez com que esses atletas não tivessem acesso a indenizações pagas pela liga para esses casos.

Uma viúva de um jogador chegou a ouvir de um médico que se seu marido fosse branco, ele seria diagnosticado com demência e teria acesso a um pagamento de seis dígitos. São muitos os casos semelhantes, e a falta de acesso a essas indenizações impede que ex-atletas tenham tratamentos médicos pagos pela liga.

No ano passado, a NFL e os advogados que representam mais de 20 mil ex-jogadores chegaram a um acordo provisório de remover a normação racial na avaliação de indenizações. Com isso, cerca de 1,4 mil jogadores poderão remarcar seus testes cognitivos para buscar acesso aos pagamentos a que têm direito.

O Super Bowl deste ano terá tudo para entregar uma grande festa com momentos memoráveis, mas o passado e o presente de discriminação racial na principal liga de futebol americano poderão assombrar sua reputação no futuro.

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O que querem os evangélicos

27/03/24 • 11:00

A cada nova sondagem de popularidade do governo Lula, conforme sua aprovação cai, a pressão por uma comunicação mais efetiva aumenta. Um segmento em particular vem consistentemente reduzindo sua nota para o petista: o evangélico. E, novamente, cobra-se o presidente e seus articuladores para que a conversa com esse campo seja mais fluida e permanente. Acontece que há alguns erros nas premissas dessa cobrança. O primeiro é acreditar que quando se fala com um líder evangélico, se fala com todos os fiéis. Nada poderia ser mais distante da realidade. “É inerente ao campo evangélico a fragmentação, a subdivisão”, explica Carô Evangelista, cientista política e diretora executiva do Instituto de Estudos da Religião, o Iser. Uma parcela expressiva dos evangélicos se declara “sem denominação”, justamente porque trafega entre uma igreja e outra, sem vínculo formal. Em seguida, no Censo de 2010, vem a categoria “outros”, que engloba milhares de denominações independentes. Alcançar esses pastores de igrejas pequenas e médias seria um dos caminhos possíveis de penetração na rede de comunicação antiprogressista que se formou nesse campo.

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