A nova corrida pelo cobre
A cena, por tão comum, se tornou corriqueira nas redes sociais e, volta e meia, salta das telas dos celulares para os telejornais da TV aberta. Alguém, na calada da noite, é flagrado pendurado em um poste tentando roubar fios de eletricidade, cabos de telefone ou qualquer coisa que carregue cobre em seu interior. Para muita gente, trata-se de apenas mais um passo rumo à barbárie intrínseca a desigualdade social que o Brasil parece ser incapaz de reduzir. Afinal, é preciso estar em estado desesperador de miséria para alguém achar uma boa ideia pendurar-se em fios por onde transitam mais de 13 mil volts de eletricidade.
As cenas que ganham as redes brasileiras quase sempre vêm do Rio ou de São Paulo, mas se repetem por todo o país e em muitos outros lugares mundo afora. Engana-se quem pensa que se trata de algo exclusivo de partes menos desenvolvidas do planeta, como a África, a América do Sul ou a imensidão de pobreza que faz da Índia o país mais populoso do mundo. Os roubos de cabos elétricos têm se tornado cada vez mais frequentes também onde impera a riqueza, como nos Estados Unidos, em países da União Europeia — Espanha, França e Alemanha também sofrem com os roubos — e até mesmo na rica Inglaterra.
Essa corrida — e muitas vezes mortal — pelos cabos de eletricidade tem pouco a ver com o PIB de cada país. É, na verdade, um dos principais reflexos de um mundo que luta desesperadamente para reduzir o consumo de combustíveis fósseis e eletrificar tudo na vida: dos carros a uma simplória escova de dentes. Para alimentar as baterias que armazenam energia para que tantos motores elétricos funcionem ao mesmo tempo, o mundo precisa espalhar milhares de quilômetros de cabos de cobre para levar a eletricidade produzida nas usinas até as cidades. O crescimento acelerado do processo de transição energética, no entanto, está encontrando gargalos importantes. E um dos principais deles está justamente na capacidade de extrair, minerar e refinar o cobre.
Não é de se estranhar que o desequilíbrio entre a oferta e a demanda do mineral que alimenta as artérias da eletrificação esteja gerando uma inflação sem precedentes no preço do cobre. Há 20 anos, uma tonelada desse minério custava pouco mais de um terço dos quase US$ 10 mil cobrados hoje. O avanço nos preços se acelerou especialmente nos últimos cinco anos, com a explosão das vendas de carros elétricos e o crescimento exponencial na produção de energia por meio de placas solares e turbinas eólicas — que precisam de vastas quantidades de cobre para funcionar. E a tendência é de que o preço do metal avance outros 50% na próxima década. Um relatório do banco americano Goldman Sachs estima que, em 2035, a tonelada do mineral chegue a US$ 15 mil.
Com uma valorização tão acentuada, passou a ser lucrativo para muita gente se aventurar por galerias subterrâneas, pendurar-se em postes ou invadir linhas de trens e metrôs para roubar fios recheados de cobre. Em São Paulo, os casos se tornaram um problema tão grande que a concessionária que atende a região metropolitana decidiu trocar todas as tampas que dão acesso às galerias subterrâneas nas regiões centrais da cidade. Das tradicionais tampas de ferro, São Paulo passou a usar tampas de concreto, mais pesadas, que só podem ser levantadas com pequenos guindastes. Ainda assim, os furtos continuam. Só no ano passado, a Polícia Civil apreendeu 88 toneladas de fios de cobre sem procedência em desmanches e ferros-velhos da Grande São Paulo.
A operadora de telefonia Vivo, por exemplo, teve, só em São Paulo, 840 quilômetros de fios roubados em 2023. Um levantamento feito pela Associação Brasileira de Conscientização para os Perigos da Eletricidade (Abracopel), entidade ligada aos fabricantes do setor, aponta que, em dez anos, os furtos e roubos de cabos cresceram 280% no país e causaram um prejuízo de mais de R$ 1 bilhão. Pior: nessa última década, também dispararam os números de acidentes elétricos por sobrecarga e das mortes relacionadas a eles. De acordo com a associação, o número de acidentes cresceu 348% em 10 anos, enquanto as mortes subiram 318%, passando de 16 óbitos em 2013 para 67 em 2023. A explicação, segundo a Abracopel, é que muitas empresas estão produzindo fios com menor quantidade de cobre por conta do aumento dos preços.
O problema é global. Na Espanha, em maio deste ano, cerca de 16 mil passageiros da linha que liga Madri a Sevilha ficaram sem transporte ferroviário de alta velocidade por um dia porque ladrões roubaram parte da fiação que alimenta o sistema de segurança da rede. Na Inglaterra, as igrejas históricas do país — muitas vezes cobertas por telhados de cobre — estão montando sistemas especiais de segurança para evitar que ladrões levem embora as coberturas. No Chile, o maior produtor de cobre do mundo, a polícia montou forças-tarefa para impedir que bandidos invadam os trens de carga e roubem as lâminas de cobre que seguem rumo aos portos do país.
Promessa bíblica
Tudo isso está acontecendo porque a demanda cresce de forma acelerada, e a oferta tem tido muita dificuldade para atendê-la. O cobre é um minério extremamente útil à humanidade desde o início das civilizações. Escavações no Iraque mostram que ele já era usado há 10 mil anos. Cerca de 3.300 anos antes da Era Cristã, humanos em diferentes partes do mundo começaram a misturar cobre com um novo metal: o estanho. Nascia a Era do Bronze, fundamental para a expansão das cidades em todo o planeta. O cobre é até citado na Bíblia como sinônimo de fartura e bonança. Em Deuteronômio 8:9, lê-se sobre a promessa divina de Canaã: “Terra onde comerás o pão sem escassez, e nada te faltará nela, cujas pedras são ferro e de cujos montes cavarás o cobre.”
Com a descoberta da eletricidade, o cobre cumpriu as profecias e se transformou em elemento fundamental para o desenvolvimento econômico e a melhoria da qualidade de vida no mundo. Por meio dele, chegou a luz, a geladeira, o ar-condicionado e tudo mais que depende da energia elétrica. Mas, ano a ano, tem se tornado mais difícil extraí-lo da natureza. Enquanto há 100 anos as minas encontravam minério com concentração de até 5% de cobre, hoje raramente se encontram regiões com mais de 1% de concentração. Ou seja, na melhor das hipóteses, para se extrair um quilo de cobre puro, é preciso minerar mil quilos de terra. Não à toa, o estrago ambiental é gigantesco. As minas de cobre devastam tudo por onde passam e estão se tornando cada vez maiores.
E isso não é tudo. O processo de refino para se chegar a um cobre com 95% de pureza envolve o uso de produtos químicos extremamente poluentes, como arsênico, chumbo e mercúrio. Não raro, os grandes depósitos de rejeito produzem chuva ácida e contaminam tudo por onde passam. Para cada tonelada de cobre extraída, são emitidas cerca de cinco toneladas de gás carbônico e consumidos aproximadamente 100 mil litros de água.
Um estudo da Standard & Poor’s estima que o consumo de cobre no mundo vai dobrar nos próximos 10 anos. De acordo com as previsões da S&P, o planeta precisará passar das 25 milhões de toneladas produzidas em 2025 para pouco menos de 50 milhões de toneladas em 2035. A estimativa da agência de rating é que dificilmente essa demanda será atendida — e há grandes riscos de que a disputa pelo cobre cause desestabilizações geopolíticas no mundo.
O crescimento da demanda por cobre não está ligado apenas à transmissão de energia, seu papel principal hoje. Boa parte dos novos equipamentos que permitirão uma transição dos combustíveis fósseis para a produção de energia renovável consome imensas quantidades do metal em seus motores. Pegue um carro elétrico, por exemplo: um veículo de porte médio carrega, entre seus componentes, quase 150 kg de cobre. Um ônibus ou um caminhão pode consumir até 400kg. A produção de energia solar ou eólica é outro exemplo. A cada megawatt produzido por uma fazenda solar, são necessárias cerca de 4,6 toneladas de cobre para a fabricação das placas responsáveis por transformar os raios do sol em energia elétrica. Nas usinas eólicas, o consumo é ainda maior: para cada megawatt, o sistema consome 4,7 toneladas de cobre. E tudo isso antes de a energia entrar nos sistemas de distribuição.
Há um mundo novo vindo aí — provavelmente menos poluente, menos agressivo e, espera-se, mais justo. Tem sido assim ao longo da história. As inovações tecnológicas têm melhorado a vida de todos, dos mais ricos aos mais pobres. Mas, como tudo, a um preço muitas vezes salgado.