Lula desautorizou Haddad?

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No café da manhã com jornalistas, na sexta-feira, o presidente Lula disse que “dificilmente” a meta do déficit fiscal zero será atingida em 2024. “Tudo que a gente puder fazer para cumprir a meta fiscal, a gente vai fazer. O que eu posso te dizer é que ela não precisa ser zero. O país não precisa disso. Eu não vou estabelecer uma meta fiscal que me obrigue a começar o ano fazendo corte de bilhões nas obras que são prioritárias para este país.” A reação do mercado foi imediata. De parte dos políticos também. Assim como da imprensa tradicional. Sabe que eu não canso de me surpreender com a “surpresa” desse pessoal? Duas coisas que foram repetidas incessantemente desde sexta e que, pra mim, simplesmente não fazem sentido. A primeira é que Lula falou isso de improviso. Olha, é notório e sabido que o presidente fala, sim, de improviso, no sentido de que nem sempre consulta alguém antes ou escreve a mensagem que quer passar. Mas deduzir, daí, que sua fala é inconsequente ou impensada soa até como ingenuidade a essa altura.

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Lula fala exatamente isso, que não quer se engessar numa meta fiscal limitadora de suas obras e de seus projetos, desde a campanha.

A impressão que dá com quem se surpreende com isso é daquela pessoa em negação, sabe? Que não quer acreditar nisso. Que queria que fosse diferente. Mas é o que é: Lula nunca prometeu déficit zero e sempre resistiu em falar de contenção de gastos. Aliás, sempre condenou veementemente o teto.

Bem, aí vem a segunda coisa que falaram muito desde sexta. Que ele teria desautorizado Fernando Haddad, seu ministro da Fazenda — esse sim autor da promessa do déficit zero.

É curioso que muitas das mesmas pessoas que dizem isso são aquelas que, ainda que indiretamente, acusaram Haddad de ser “poste” de Lula. Ou seja, de só agir por ordem do chefe, ainda lá em 2018.

Não se trata de ser poste ou não. Haddad nunca escondeu a lealdade a Lula e, agora, na prática, não é mais que um mero funcionário de Lula. Então, deve satisfação ao chefe.

Agora, é razoável imaginar que Haddad e Simone Tebet, diga-se, teriam se comprometido com a tarefa de déficit zero sem que Lula estivesse ciente e tivesse dado o ok?

Não, né?

Juntando as duas suposições, a do improviso e a da desautorização, vamos a mais um fato: Lula teve uma reunião com Haddad instantes antes de se postar diante de dezenas de jornalistas pra um café da manhã.

Cá entre nós, não dá pra imaginar que ele tenha deixado “escapar” a mensagem da dificuldade de se atingir o déficit, por improviso ou por descuido ou mesmo pra queimar seu ministro da Fazenda.

Quer debater se ele deve ou não tentar cumprir a meta? Beleza. Quer conversar sobre as prioridades do governo ou sobre ele ser gastador demais? Vamos nessa.

Quer me dizer que Lula, 78 anos completos naquela mesma sexta, depois de semanas enclausurado no Alvorada, papeou com o dono das contas, Haddad, e botou um monte de repórter diante de si pra falar coisas sobre as quais não havia pensado ou calculado? Aí, não.

Principalmente depois de ele ter usado exatamente da mesma metodologia na disputa com o Banco Central em torno da queda de juros.

Esse é o modus operandi de Lula e me surpreende que alguém ainda se surpreenda.

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A gente viu o primeiro semestre inteiro de Lula batendo forte em Roberto Campos Neto e na ganância dos operadores financeiros, enquanto Haddad e Tebet tentavam, mais diplomaticamente, convencer a política e o mercado de seus mecanismos pra assegurar um equilíbrio fiscal e mais arrecadação.

Em boa medida, esse morde-assopra funcionou. Lula chama pra si o desgaste político maior, que os ministros talvez não tivessem tanta estatura pra aguentar, e vai incutindo na percepção pública a mensagem que quer, enquanto seus “funcionários” trabalham pra viabilizar a coisa.

Haddad foi de questionado a queridinho no primeiro semestre, com aprovação de reforma tributária e tudo. Tebet, que teve gente jurando que estava queimada pelo episódio do Marcio Pochmann, segue firme e com um Censo histórico no bolso pra apresentar de saldo em seu primeiro ano de trabalho. E os juros, seja pela pressão política, seja porque as condições econômicas ficaram mais favoráveis, estão em queda.

Acontece que no meio do caminho tem um Congresso. Um Centrão cuja sede é infinita. Uma Câmara e um Senado em que parte dos parlamentares é incapaz de formular uma frase sobre projetos para o país — mas para quem é possível equacionar dez maneiras diferentes de pedir um cargo, uma verba, uma emenda.

Há meses os analistas políticos insistem: o governo federal tem que negociar com esse Congresso a cada votação. É impossível construir base com esse Centrão movediço, que ficou empoderadíssimo nesse semi-presidencialismo disfarçado de presidencialismo de coalizão.

Pois pra cumprir meta de déficit zero tem um monte de projeto de lei e medida provisória que precisa de aprovação no Congresso.
O preço das aprovações mais recentes: uma Caixa Econômica Federal. Da próxima? Ninguém sabe ainda. No Senado, estão querendo cobrar um Poder Judiciário de taxa.

Pra fechar a meta, talvez a gente tenha que leiloar a democracia toda. Tem que ver se quer manter isso aí, viu?

No governo federal hoje, há duas correntes principais sobre a meta. Os que enxergam que dá pra mudar e se comprometer com déficit de 0,5% em 2024, mas com bastante certeza de que até 2026 haverá superávit. Esse pessoal entende que o custo pra segurar em déficit zero já no ano que vem é alto demais pro benefício que apresenta. Custo em termos de políticas públicas e de pedágio que o Congresso quer cobrar.

Outra corrente, que é a do Haddad, é que se o governo abre mão do déficit zero agora perde-se parte do clima de compromisso criado até aqui. E vai ter parlamentar mediano que, em agosto do ano que vem, em pleno ano eleitoral, vai dizer “ah, vamos abrir mão do déficit de novo, galera” e a coisa pode desandar.

Dois argumentos bastante razoáveis e defensáveis.

Só que nessa conta entram também as eleições municipais de 2024, tá? Deputado e senador querem dinheiro pra eleger prefeito. Dinheiro de emenda. E não querem aumentar imposto em ano eleitoral. Percebe como fica difícil?

E Lula também conta com o PAC pra fazer prefeitos de seu campo político, é óbvio. Ou vocês acham que o bolsonarismo tá quietinho, esperando a derrota? Ao contrário. Eles estão se preparando pra fazer muitos, mas muitos prefeitos. A guerra vai ser pesada. E vai custar caro. Democracia custa caro.

Isso quer dizer que “socorro, meu deus, acabou equilíbrio fiscal, o apocalipse está próximo”?

Tem gente que pelo visto acha que sim. O que Haddad disse ontem é que não. Ele falou: “Meu papel é buscar o equilíbrio fiscal, e eu farei isso enquanto estiver no cargo. Ponto. Sabe por quê? Não é por pressão no mercado financeiro; não é porque eu sou ortodoxo. É porque o Brasil, depois de 10 anos, precisa voltar a olhar para as contas públicas”.

É exatamente isso que Haddad pensa, viu? A gente já fez aqui no Meio um perfil do pensamento econômico do ministro e ele não alterou isso em uma vírgula.

Ele transmite isso de forma bastante mal humorada? Sim. Haddad não gosta de dar entrevista, não é fã de jornalista, nunca foi. Há quem diga que esse é um cacoete de professor — foi um professor que me disse isso, antes que me xinguem.

Mas tirando as indelicadezas do ministro, que é altamente recomendável que ele não cometa, o recado aí é o seguinte: eu penso assim, vou trabalhar assim e minha permanência no cargo depende disso. Fazer esse tipo de pressão é parte do jogo político pra emplacar uma visão também.

O desemprego caiu. O país está crescendo mais do que o esperado. Lula sabe que depende de uma economia funcional pra seguir governando. É plausível que Lula esteja simplesmente fritando Haddad? Só pra agradar Rui Costa, ministro da Casa Civil?
Eu realmente acho que não. O que eu enxergo é método. Lula gosta de rinha de ministro, pra depois arbitrar como soberano. O que acontece agora é Lula pedindo pra Gleisi Hoffmann falar o que a esquerda quer ouvir e ele, presidente de frente ampla, não pode dizer o tempo todo. Ao mesmo tempo, é Lula dizendo “deixa eu já avisar que talvez a meta não vá ser cumprida integralmente, aguentar o tranco da gritaria do mercado e fazer a articulação política pra que isso seja absorvido pelo Congresso o quanto antes”. Hoje, ele reuniu Haddad e lideranças da Câmara pra negociar.

Parte do mercado, da política e da imprensa quer discordar disso? Acha o PAC, o PT, o desenvolvimentismo, tudo o fim da picada? Do jogo. Mas a essa altura dizer que Lula improvisa e queima Haddad, não dá.

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O liberalismo ausente

15/05/24 • 11:09

Nas primeiras semanas de 2009, o cientista político inglês Timothy Garton Ash publicou no New York Times um artigo sobre o discurso de posse de Barack Obama como presidente dos Estados Unidos. “Faltava apenas”, ele escreveu, “o nome adequado para a filosofia política que ele descrevia: liberalismo.” A palavra liberalismo, sob pesado ataque do governo Ronald Reagan duas décadas antes, passou a representar para boa parte dos americanos uma ideia de governo inchado e incapaz de operar. Na Europa continental e América Latina, segue Ash, a palavra tomou o caminho contrário, representando a ideia de um mercado desregulado em que o poder do dinheiro se impõe a um Estado fraco. Não basta, sequer, chamar a coisa só de liberal. É preciso chamá-la neoliberal. Desde final dos anos 1970, já são quarenta anos de um trabalho de redefinição forçada do que é liberalismo, uma filosofia política de três séculos e meio pela qual transitaram algumas dezenas de filósofos e economistas de primeiro time. O sentido do termo se perdeu de tal forma no debate público, que mesmo muitos dos que se dizem liberais não parecem entender que conjunto de ideias representam.

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