Paul McCartney encerra turnê enlouquecendo a plateia no Maracanã

Receba notícias todo dia no seu e-mail.

Assine agora. É grátis.

Existem shows e existem celebrações. O que Paul McCartney fez na noite de sábado no Maracanã pertence à segunda categoria. O encerramento da Got Back Tour transformou o estádio carioca num misto de templo e máquina do tempo, dotando o público de uma sensação quase religiosa e o levando para uma viagem com várias escalas até o longínquo 1958. A própria plateia, que deixou pouquíssimos espaços vazios nas arquibancadas e pistas, refletia essa viagem. Milhares de veteranos do histórico show de 1990 no mesmo local, jovens adultos que nasceram bem depois, crianças levadas por pais ciosos do dever de educar musicalmente os filhos e muitos que se lembravam de quando as canções tocadas no palco eram novidades. Todos ali em honra de um senhorzinho de 81 anos que, com três amigos, mudou a cultura mundial.

PUBLICIDADE

Exatamente esse clima de celebração nos leva, público e críticos, a relevar os claros sinais do peso que a idade impõe ao ídolo. Sua voz – o “instrumento” afetado pelo tempo – já não é a mesma, há alguns desafinos que não estavam ali há 33 anos. Para alguns acordes mais complexos no baixo, ele precisava levantar seu característico Hofner e olhar as cordas de cima. E daí? Aos primeiros acordes Can’t Buy Me Love estava decretada a festa, com milhares de pessoas cantando em uníssono. Também estava claro que qualquer limitação imposta pela idade seria amenizada pela banda impecável que o acompanha, com destaque para o baterista-figuraça Abe Laboriel Jr., que, além de arrasar nas baquetas, fez o principal vocal de apoio em quase todas as canções e ainda serviu de alívio cômico.

Paul “Wix” Wickens (teclados), Rusty Anderson (guitarra), Paul McCartney, Brian Ray (guitarra) e Abe Laboriel Jr (bateria).

O repertório foi escolhido como se desse um recado: “Sim, eu sei que vocês vieram ouvir Beatles, mas eu fiz outras coisas boas também”. Antes que voltasse ao cancioneiro dos Fab Four, McCartney emendou duas canções do Wings, banda que manteve com a esposa Linda (que morreu em 1998) entre 1971 e 81, e a mistura das diversas fases se manteve ao longo da apresentação. Afinal, Wings também teve seus clássicos, como Band On The Run e Live And Let Die, recebidas com entusiasmo pelo público.

Dominando o palco como poucos, Paul contou com uma cola para se comunicar com a plateia em “carioquês”, com frases como “Qual é, cariocas?” e “A-há, u-hu, o Maraca é nosso”. Claro que o linguajar foi coisa da produção e que o recurso não é novidade, especialmente para ele. Em 1990, ali mesmo, Paul apresentou a esposa, que integrava a banda, como “Linda, minha ‘catinha’”. A atual, Nancy Shevell, não subiu ao palco, mas ganhou uma declaração de amor do marido com My Valentine, que ele compôs para ela.

Não foi a única homenagem. Here Today, que McCartney gravou com Michael Jackson em 1982, foi dedicada a John Lennon, assassinado em 1980. O parceiro e amigo ainda “participou” de um dueto virtual em I’ve Got A Feeling, primeira canção do bis. Denny Lane, guitarrista do Moody Blues e do Wings que morreu no último dia 5, foi relembrado com Jet. E, num momento inusitado, Paul sacou um ukulele (tipo um cavaquinho havaiano) para iniciar uma versão peculiar de Something, clássico composto por George Harrison. A plateia cantava do jeito original, e não foi sem certo alívio que a banda entrou e resgatou a canção na forma como foi gravada no disco Abbey Road.

De longe o músico mais completo dos Beatles, McCartney revezou-se entre baixo, guitarra, piano, o citado ukulele e até um bandolim. E levou a plateia a um passado remoto ao relembrar In Spite Of All The Danger, sua primeira gravação, feita em 1958 pelos Quarrymen, banda de skiffle com Lennon e Harrison. A viagem continuou com Love Me Do e culminou com o cantor sozinho com seu violão executando Blackbird sobre um palco elevado transformado em telão.

E houve um componente fundamental. A plateia (devidamente guiada pela produção). Além de cantar junto praticamente tudo, aos primeiro acordes de Obla Di Obla Da, o público ergueu balões da ar que haviam sido distribuídos e os iluminou com os celulares, colorindo o Maracanã. “Parece uma coisa da Disney”, brincou McCartney, sem deixar claro se gostou ou não da ideia. E na obrigatória Hey Jude, encerrando o “repertório oficial”, os fãs levantaram folhas de papel com o emblemático “na na” impresso.

Para um homem de 81 anos, já estaria de bom tamanho. Mas McCartney e a banda voltaram para o mencionado bis beatlemaníaco, que incluiu ainda I Saw Her Standing There, Sgt. Pepper (reprise), Helter Skelter, Golden Slumbers/Carry That Weight e The End, corretamente escolhida para encerrar a festa. Após um animador “até a próxima”, Paul se despediu Rio da forma mais carioca possível: “Fui!”.

Foi, foi maravilhoso.

E se o leitor perdeu o show, não se desespere. Ele está disponível na Disney+.

Encontrou algum problema no site? Entre em contato.