Donald Trump é fascista?

Receba notícias todo dia no seu e-mail.

Assine agora. É grátis.

Nesta noite começa a eleição presidencial americana. É isso que as primárias são, já. Em cada estado, um por um, os dois partidos, Republicano e Democrata, vão decidir quem é seu candidato para brigar pela Casa Branca na primeira terça-feira de novembro. O que as pesquisas dizem hoje é que o presidente Joe Biden vai novamente enfrentar o ex-presidente Donald Trump. Que ninguém se engane. Uma vitória de Trump não é apenas um problema para os Estados Unidos. Ele fortalece os movimentos de extrema direita em todo mundo.

PUBLICIDADE

Aliás, vocês viram essa imagem na Itália, não é? Um bando de homens, camisas pretas, fazendo a saudação romana. Esse gesto, que em geral atribuímos aos nazistas, foi adotado pela primeira vez pelos camisas pretas fascistas italianos. Ele remetia a um cumprimento utilizado num período do Império Romano e fascistas em geral celebram o passado glorioso que imaginam que seu país teve. Essa imagem italiana tem menos de um mês. Ela não é diferente do que a passeata Unite the Right que aconteceu em Charlotesville, no estado da Virgínia, há pouco mais de seis anos.

Donald Trump é fascista, tá? Eu levo essa palavra muito a sério. Não acho que todo mundo que se põe muito na direita é fascista. Não acho, aliás, sequer que todo mundo de extrema direita seja fascista. Uma das coisas que a gente vai fazer hoje é justamente passar pela definição de fascismo comparando ela com o comportamento de Trump. Mas, antes, é importante lembrar um dado. Não está certo que Trump será o candidato do Partido Republicano. É o cenário mais provável, mas ele tem fragilidades importantes. Se ele for o candidato, também não é dado que vencerá a eleição. Mas que ninguém se engane. Tem chances, e não são poucas.

Todo ano eleitoral começa com as duas disputas primeiro no estado de Iowa, depois no de New Hampshire. Ao longo deste semestre, cada estado decide qual seu candidato preferido dos dois partidos. Em geral, o presidente que está no primeiro mandato sempre tem garantida sua indicação. A briga fica só no outro partido. Cada estado tem um número de delegados proporcional à sua população e, no fim do processo, os votos destes delegados são somados e o vencedor é definido.

Iowa, New Hapshire e a Carolina do Sul, onde acontece a terceira primária, não são estados particularmente relevantes eleitoralmente. Ninguém ganha ou perde a eleição presidencial porque se deu mal num deles. Mas eles têm algumas características que os fazem ser muito interessantes para iniciar as primárias.

Os dois primeiros são estados fundamentalmente pequenos. Isso quer dizer que os candidatos a presidente fazem campanha como se fossem candidatos a prefeito. Gastam meses antes de janeiro chegar indo aos dois, caminham na rua apertando mãos, entram em pequenos restaurantes, sentam à mesa, conversam com as pessoas. Os ginásios das escolas se enchem para sessões de pergunta e resposta diretamente. É provavelmente o período de campanha eleitoral mais puro que há e os candidatos investem pesado nessa campanha porque quem sai nas duas primeiras posições em geral entra numa curva ascendente.

Iowa é um estado de economia bastante rural no meio-oeste. Estado de caubóis, mesmo, muitas fazendas extensas. Conservador, muito religioso. New Hampshire não podia ser mais diferente. É uma das treze colônias originais que fizeram a independência americana, parte da Nova Inglaterra, e portanto bastante progressista. Parecidos no tamanho, muito distintos no perfil. Em um desses dois estados, candidatos da esquerda à direita encontrarão eleitores de todo tipo. Aí, na Carolina do Sul, há um imenso eleitorado negro. Junte os três é tem uma versão em micro-escala de todo perfil demográfico dos Estados Unidos.

Anota aí no calendário. Hoje, dia 15 de janeiro, é o caucus de Iowa. Na terça-feira que vem, dia 23, ocorrem as primárias de New Hampshire. Aí pula duas semanas e, na terça dia 6 de fevereiro, nós estaremos perante o Carnaval e a Carolina do Sul encara suas primárias. Estas três eleições são fundamentais para Donald Trump. São elas que vão definir se seu caminho para ser candidato à presidência será fácil ou difícil. Vem comigo.
Eu sou Pedro Doria, editor do Meio.

Ano novo e temos muitos planos para 2024. Ser assinante premium vai ficar muito mais interessante e eu estou doido para contar pra vocês dos nossos planos. Eu, se fosse vocês, assinava agora, fazia logo o plano anual, porque vem coisa boa. Além do mais, existe uma briga contra a desinformação na internet. Assinar o Meio é tomar lado nessa briga. E, olha, realmente falo sério a este respeito.

E este aqui? Este é o Ponto de Partida.

Em abril de 2023, mais ou menos um ano atrás, uma pesquisa da rede de TV NBC ouviu que 24% dos americanos estão solidamente com Donald Trump. É o que eles chamam de MAGA Republicans, este MAGA vem do slogan do ex-presidente. Faça da América Grande Novamente. Make America Great Again. A maioria das pesquisas antes e mesmo as mais recentes dão sempre números por aí. Um quarto dos americanos são trumpistas. Parece pouco, não é?

Mas leva em consideração o seguinte. Na maioria dos estados, quem vota nas primárias são os afiliados aos partidos. Mesmo nos estados em que isso não ocorre, quem vota nesse período pré-eleitoral é o público mais engajado no debate político. Em Iowa, por exemplo, 40% dos eleitores republicanos se identificam como MAGA. Mesmo não sendo maioria, os republicanos trumpistas são os mais engajados no partido. E, nacionalmente, apenas 20% dos afiliados ao partido consideram Trump um candidato muito problemático.

Quer dizer, nacionalmente ele só é visto por um quarto da população de forma positiva. Mas este um quarto vota em peso nas primárias republicanas e só isso já dá a Donald Trump uma vantagem gigantesca. Dentre os republicanos, só um quinto não quer Trump de jeito nenhum.
O caucus de Iowa não deve trazer surpresas. Donald Trump ganha com folga. Mas existe uma pré-candidata, a ex-embaixadora na ONU Nikki Haley, que está fazendo uma campanha ao centro e já aparece como segundo lugar nas pesquisas nacionais do partido. O ponto é o seguinte: e se Nikki Haley vence, e vence bem, as primárias de New Hampshire? Hoje, a média das pesquisas do Five Thirty Eight, que é especializado em fazer essas contas, bota Trump com 43% e Haley com 30% lá. A virada é possível. Não é absurda. Se ela aparece bem, novamente, pode ser impulsionada bastante duas semanas depois, na Carolina do Sul?

Isto não quer dizer que Trump pode perder. De forma alguma. Mas isto pode querer dizer que ele vai demorar a ganhar. Março é um mês com muitas primárias, incluindo algumas bastante grandes na Super Terça-Feira, no dia 5. Se Donald Trump não houver aberto uma distância grande, aí ele pode ter problemas. Ocorre que há vários processos na Justiça correndo contra ele e há um único número das pesquisas que assusta sua campanha. Um quarto de seus eleitores, aquela base leal, diz que ele não pode ser candidato do partido se tiver uma condenação na Justiça.

E este é o ponto. Donald Trump precisa ganhar rápido a nomeação do partido, já estar tão distante de Haley em meados de março que não importa o que a Justiça decidir, já não dá tempo de outra candidata crescer. É o cenário mais provável, tá? Ele é franco favorito. Mas… Mas temos de esperar.

Sabe, fascismo não é uma ideologia. QUando escrevi meu livro sobre fascismo brasileiro nos anos trinta, essa foi a coisa que mais me chamou atenção. A maioria das pessoas acha que fascismo é uma ideologia. Se fosse, era bastante mais fácil identificar. Justamente porque fascismo é difícil de enxergar quando estamos no meio do furacão, muitos dos seus historiadores preferem dizer que fascismo é um tipo de movimento político que existiu entre as décadas de 1920 e 40 e depois pode ser parecido mas devia ter outro nome. Só que aí a gente vê cenas como essa italiana e vai dizer o quê?

Fascimo não é definido por um conjunto de ideias. Não há uma agenda central no fascismo. É mais primitivo do que isso. Fascismo é um jeito ritualizado de fazer política, tem algumas características, e tudo começa com o líder. Um líder forte, carismático. Todo movimento fascista se organiza no entorno de uma única pessoa e essa pessoa tem sempre um discurso patriótico. Sempre se veste com as cores do país e afirma representar da forma mais pura os valores daquela nação. Só ele representa, ninguém mais.

A partir daí, há um componente importante de violência. Todo líder fascista estimula seus seguidores a pegar em armas se necessário para defender sua visão de país. Por isso mesmo, o fascismo é muito masculino. Assim como o fascismo é tribal. Os movimentos fascistas têm sempre algum jeito particular de se vestir. Pode ser a camisa preta italiana, o uniforme cáqui nazista, pode ser a camisa da Seleção brasileira ou o boné vermelho que tem escrito Make America Great Again. Mas o integrante do movimento fascista quer vestir sua identidade política.

Em um de seus discursos mais recentes, Donald Trump afirmou que as levas de imigrantes estão envenenando o sangue americano. Trump não usa este tipo de discurso à toa. Ele sabe o que está dizendo. Ele sabe que tipo de valores está despertando. Existem as pessoas de sangue puro e as com o sangue contaminado. Sangue e terra não era o slogan nazista à toa. Os pesquisadores do instituto YouGov perguntaram aos americanos, agora mesmo em janeiro, se eles concordam com esta ideia. A de que imigrantes envenenam o sangue americano. Quase 50% dos entrevistados disseram que sim. Quase 80% dos eleitores republicanos disseram que sim.

Um dos principais estudiosos desse negócio é o cientista político Robert Paxton. Está bem velhinho, já. 92 anos. Professor aposentado da Universidade de Columbia e autor de um grande livro publicado aqui no Brasil, A Anatomia do Fascismo. Em 2020, ele escreveu um artigo na revista Time logo após o ataque trumpista ao Capitólio em 6 de janeiro. Trump estava a dias de deixar de ser o presidente e o Paxton escreveu que havia hesitado em classificá-lo como fascista, mesmo com os elementos se somando um ao outro, até aquele ataque. A partir dali, não tinha como não dizer.

A esquerda abusou tanto da palavra fascista, usou essa palavra pra chamar tanta gente, que quando um fascista de fato aparece as pessoas ficam com medo de chamá-lo pelo nome. Ficam em dúvida se o termo é correto. As eleições presidenciais americanas estão começando. O mundo será muito pior se eles voltarem a colocar um fascista na presidência. Porque é isso que Trump é.

Encontrou algum problema no site? Entre em contato.