Bolsonaro, candidato em 26

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A extrema direita tem um problema. Jair Bolsonaro é imensamente popular, no nível se as eleições fossem hoje, batia de frente com Lula tendo chances de ganhar. Só que Bolsonaro foi tornado inelegível pelo Tribunal Superior Eleitoral. A turma do PL, do seu partido, já começou a testar nomes com pesquisas. Já andou circulando o nome do governador de São Paulo, Tarcisio de Freitas. Da ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro. Mas nenhum desses nomes realmente decola. Ninguém tem o carisma de Bolsonaro.
Se você acha estranha a ideia de atribuir carisma a Bolsonaro, deve ser porque andou por Marte nos últimos anos. Só dois líderes políticos no Brasil são capazes de atrair multidões para as ruas. Nos últimos anos, o que leva multidões maiores é Bolsonaro. O fato é que vivemos aquilo que o jornalista Thomas Traumann e o cientista político Felipe Nunes chamam de calcificação política. As pessoas estão congeladas onde estavam e tem um pedacinho pequeno que pode ir prum lado ou pro outro. É uma polarização afetiva. Não há qualquer indício de que isso vá mudar até 2026.

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Então o Bolsonarismo tem já sua estratégia para as próximas eleições presidenciais. Ela é muito simples. O candidato será Jair Bolsonaro.

Como? Gente, Lula fez isso em 2018. Foi condenado em segunda instância por um tribunal colegiado em janeiro de 2018, a Lei da Ficha Limpa aprovada no governo Dilma afirmava que político condenado por tribunal colegiado não podia se candidatar. O PT sabia que o TSE não aceitaria a candidatura de Lula. Ainda assim, ele pôs Fernando Haddad de vice, uma chapa puro-sangue petista, sabendo que ali na frente Lula precisaria desembarcar. Mas passou um semestre bancando ser candidato.
Em campanha.

Campanha é ilegal antes das convenções? É, claro. E todo candidato faz campanha ainda assim. É só não chamar de campanha. Faz lives, faz eventos, discursos, tudo. É um jogo desenhado.

O registro eleitoral só acontece depois da época das convenções, ou seja, já no segundo semestre. Além disso, não basta simplesmente o TSE rejeitar o registro daquela candidatura. O TSE rejeita, tem recurso ao próprio TSE. Nova rejeição? Recorre-se ao Supremo. Não está claro quantos recursos podem acontecer, mas até lá pode-se criar uma situação em que o nome de Bolsonaro esteja na urna eletrônica.
Agora imagine esta situação num cenário em que Donald Trump seja o presidente dos Estados Unidos. Não vai ter garantia de general americano, não. Não vai ter mão amiga de Joe Biden, não. Vem comigo.

Eu sou Pedro Doria, editor do Meio.

Que ninguém se engane, tá? A extrema direita está trabalhando, e está trabalhando duro. Eles entendem com clareza que contam com aproximadamente metade do eleitorado. Na edição deste sábado do Meio, a repórter Mônica Manir mostrou o sucesso dos partidos bolsonaristas em atrair mais mulheres. É um movimento político mobilizado, feminino, antifeminista. Está falando com a imensa parcela de mulheres da periferia que são religiosas, se preocupam com a família, têm valores conservadores, votaram em Bolsoanro em 2018 e hesitaram em 2022. É um dos movimentos políticos mais importantes do preparo para a eleição deste ano e, principalmente, para 2026. Quer ler? Está no site do Meio. Vai lá. Precisa ser assinante premium, mas isso é uma bobagem de custo. 15 reais, dá um chope. E você acompanha mais a gente. Se você procura um jornalismo que é independente do governo e é radicalmente democrático, é com a gente.

E este aqui? Este é o Ponto de Partida.

Tenho lido com alguma frequência uma ironia a respeito de uma crítica que venho fazendo à esquerda. É que eu estaria dizendo que não pode combater racismo para não deixar a direita triste. Algumas das pessoas que falam isso acreditam no que estão dizendo. Estão tão viciadas num jeito de falar as coisas que sequer cogitam que é possível falar de outra maneira. Outras pessoas, não. Distorcem a crítica por ação política. Não querem ouvir que seu discurso não fura bolha. E o que tudo isso tem a ver com Bolsonaro em 2026? Tudo.

Política sempre foi um jogo no qual comunicação esteve no centro da estratégia. Isso não mudou. Só ficou mais intenso. Muito mais intenso. E por mais que todos os outros atores políticos tenham melhorado no jogo digital, ninguém o joga como a extrema direita. O racismo é forte, no Brasil. A misoginia é forte no Brasil. E o eleitorado de Jair Bolsonaro não é composto por homens brancos apenas. Mulheres são maioria no Brasil, se somamos pretos e pardos o conjunto é também mais de metade da sociedade. Ninguém se elege sem trazer para si parte destes votos.
O bolsonarismo não foge destas questões. O bolsonarismo as enfrenta. O bolsonarismo luta judô. Ele não cria discurso próprio, faz algo muito mais poderoso. Usa a força da esquerda contra ela própria. Retrabalha o discurso que a oposição de esquerda constrói. Esta é sua arma, este é o centro da sua estratégia. Sempre que a esquerda fala, confirma o que o bolsonarismo diz. O truque é esse. A esquerda faz um discurso e o que incontáveis eleitores ouvem é a interpretação bolsonarista daquele discurso. A esquerda não consegue falar sem reforçar a mensagem bolsonarista para quem não é de esquerda.

Então se alguém de movimento social saca do bolso um “racismo estrutural”, o garoto de 19 anos que dirige moto de entrega por aplicativo doze horas por dia lê no Zap que a esquerda quer tirar as oportunidades que ele já não tem para entregar para o outro rapaz com a pele mais escura. Esse garoto muitas vezes seria considerado negro. Mas ele não sabe disso, ou não se vê assim, não importa. Alguém começa a falar sobre transfobia, a coisa é transformada em vai ter um homem adulto no banheiro coletivo em que sua filha entra na escola. E essa mensagem bate assim em mulheres que precisam estar ausentes de casa por longas horas, que morrem de medo de perder o controle sobre a segurança de suas crianças em comunidades em que drogas, tráfico, violência policial, gravidez adolescente e abuso sexual são comuns. A esquerda é incapaz de construir um discurso sobre segurança quando estas pessoas mais pobres são vítimas, principalmente, de violência. Violência praticada por toda sorte de gente o tempo todo. Aí, quando a esquerda fala em desarmar, o bolsonarismo fala que você tem o direito de se defender. Fala isso para uma gente que quer exatamente isso. Poder, um dia, se defender.

Armar a população aumenta a insegurança, aumenta a violência. Mas pra entender isso é preciso ler um artigo acadêmico ou a entrevista de um especialista num jornal bacana. Não é óbvio. Educação sexual ajuda a combater abuso infantil. Combate ao racismo diminui violência e não precisa prejudicar as oportunidades do menino que faz entregas. Não adianta nada se a esquerda fala empolado e o bolsonarismo pega aquela empolação incompreensível e transforma em arma contra a esquerda. Só tem um grupo que entende exatamente os dramas que as pessoas estão sentindo e fala na língua delas. É distorcer informação? Muitas vezes é. E funciona.

Desinformação política não é o único problema criado pelas redes sociais. Outro problema é que mudou o perfil dominante da militância de esquerda. Antes, o valor principal estava em botar a mão na massa. Ir pra rua organizar as pessoas. Conversar, conviver com as pessoas. Isso faz com que você caia na real. Não adianta chegar com aquela bagagem teorica inteira e despejar na cabeça de quem está cansado porque a vida é difícil. Você conversando precisa entender o que as pessoas vivem, compreender seus valores, e adequar o que você fala para que elas compreendam. Durante três décadas, quem conseguiu botar massa de gente na rua, aqui no Brasil, foi a esquerda.

Hoje, quem consegue botar massa de gente na rua é o bolsonarismo. Consegue porque sabe falar a língua das pessoas, uma habilidade que a esquerda nas redes perdeu. A direita se faz compreender, a esquerda, não. O que a militância de esquerda aprendeu a fazer nas redes é falar um com o outro e depois parabenizar um ao outro por concordarem entre si. Os que melhor dominam esse jogo ganham muitos seguidores, todos gente já previamente convencida. Não adianta ficar zangado. É assim que funciona.

Mas há outra questão. A direita compartilha também dos valores de uma quantidade crescente de brasileiros. O Brasil está ficando mais conservador. A família está no centro da vida de muita gente, e é uma família hierarquizada. A vontade de crescer por conta própria, de ter seu negócio, é uma ambição que não existia num Brasil anterior à estabilização da moeda e à ascensão social dos anos 1990 e 2000. Hoje existe. A vontade de ter acesso a bens de consumo. Para essas questões, a esquerda tem mesmo dificuldade de apontar soluções. Não são valores de esquerda.
Bem, Jair Bolsonaro não será candidato à presidência. Mas ele pode se organizar para ser candidato até um mês antes do pleito, talvez semanas antes. Quem vai ser o vice? Quem sabe Eduardo Bolsonaro? Ou Michele? Ou Damares Alves? Certamente alguém da mais estrita confiança dele. Se a economia estiver bem, fica mais difícil pro bolsonarismo. A economia ir bem depende de o governo conseguir manter a inflação baixa e gerar crescimento. Da última vez que apostaram em política industrial, que tentaram bancar estaleiros, a inflação explodiu e deu trabalho conter. É difícil, sim, governar. O governo ainda não foi capaz de explicar por que agora será diferente. O presidente Lula venceu a eleição por uma margem desse tamanho de diferença. Com uma vitória de Donald Trump, o bolsonarismo vai estar animado que só. E nessa margenzinha fina dos que penderão entre Lula e Bolsonaro estão pessoas que não são de esquerda.

Eu já sei o que vários de vocês vão comentar. “Ah, então você está ameaçando? Ah, então você está dizendo que tem gente que se o governo não segurar a onda da esquerda vai votar no fascista?” Bem, é exatamente isto que estou dizendo. E não é ameaça. A maioria das pessoas não tem a mais vaga ideia do que é fascismo e essa caracterização é outra que exige ler um paper.

Claro, pode ser que Trump não se eleja. Que Bolsonaro seja preso. Tem chão até lá. Mas fazer política é convencer. Não é falar pra quem já está convencido.

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