Trump nazista?
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Falta uma semana para a eleição municipal, vai ser no domingo que vem. O primeiro turno dela. Falta um mês para a eleição americana, que será em cinco de novembro. E, por conta de a eleição aqui ser tão agitada, a gente não tem falado o suficiente da eleição por lá. Mas é importante. O Donald Trump desta eleição é diferente do Trump da eleição de 2016 e de 2020. Ele está mais claro a respeito de sua natureza.
Vamos começar com a afirmação de que imigrantes do Haiti estavam comendo bichos de estimação, gatos e cachorros, em Springfield, estado de Ohio. Virou meme, piada na internet, vídeo de música. Porque é uma afirmação completamente maluca, tão obviamente mentirosa que não dá para levar a sério. E, no entanto, a gente devia levar a sério. Porque ela mostra um padrão.
A origem da história é uma senhora que perdeu o gato. Ele depois apareceu. Mas um dos sujeitos que soube do gato desaparecido contou, em um grupo de Facebook, sobre os detalhes do sumiço e aí, bem, acrescentou um ponto. O de que ele havia visto o gato sendo preparado por imigrantes haitianos. E que ele tinha ouvido que essas pessoas faziam o mesmo com cachorros. Tudo mentira.
Mas vamos dissecar essa ideia: pegar um grupo de pessoas naturalmente hostilizadas, uma minoria dentro da sociedade, e espalhar histórias de atos bárbaros por parte delas. Ou seja, reforçar a hostilidade contra uma minoria, reforçar os estigmas. Transformá-los numa ameaça.
Trump tem uma solução para os imigrantes. É declarada em inúmeros discursos, não é escondida. Deportação em massa. Ou melhor, a maior deportação em massa jamais realizada nos Estados Unidos. Ele vai além, diz que pretende suspender o direito de nacionalidade após nascimento. Hoje, qualquer pessoa que nasce nos Estados Unidos tem passaporte americano. É cidadã do país. Trump quer acabar com isso.
Não é tão simples, tá? O direito à cidadania é outorgado pela décima quarta emenda. Seria preciso aprovar uma emenda à Constituição, coisa que lá é dificílimo de ocorrer. Mas é o discurso do ex-presidente. Agora, deportação em massa ele, tecnicamente, poderia tentar fazer. Então o que seria a maior deportação já feita na história. Houve grandes deportações de italianos e judeus europeus em 1919. Não temos números precisos, mas foi grande e foi ilegal. Ainda assim, aconteceu. Na década de 1950, houve deportação de mais de um milhão de mexicanos. Ainda se cantam canções doloridas deste período, falando de famílias separadas, uma tragédia de grande porte.
Ou seja, estaríamos falando da deportação forçada de bem mais do que um milhão de pessoas. Vocês imaginam? Polícia por todo país cercando gente, mandando para grandes campos de detenção. Funcionários ficham cada um, checam os papéis. Aí mandam embora. Para onde? Como? De ônibus? De avião? Vocês conseguem imaginar a cena desses grandes campos de detenção, o drama das famílias separadas, os filhos americanos chorando os pais ilegais que lhes foram arrancados?
Mais uma imagem para guardar. A polícia arrancando as pessoas de suas casas e botando em grandes campos de detenção. Vamos chamar assim. Campos de detenção. Poderia ter outro nome, mas vamos ficar com esse.
Uma das afirmações que Donald Trump vem fazendo é de que, se ele perder a eleição, a culpa será dos eleitores judeus. Por quê? Judeus, historicamente, votam no Partido Democrata. Claro, tem uma meia dúzia de republicanos, mas são mais raros. Os três locais com as maiores comunidades judaicas são Nova York, Los Angeles e Flórida e, dos três, duas são cidades democratas no talo. E, na Flórida, a comunidade judaica é justamente composta pela turma que durante muito tempo fez daquele um estado que vez por outra dava vitória para o candidato democrata.
O que é, então, essa ideia de que os eleitores judeus seriam responsáveis pela sua derrota, caso aconteça? Trump não fala que, se ele perder, a culpa será das mulheres, embora Kamala Harris seja favorita entre mulheres. E há muito mais mulheres do que judeus. Ele não diz que a culpa será dos negros, embora haja muito mais negros do que judeus e a população negra vota em peso no Partido Democrata. Ou latinos. Ou descendentes de italianos, embora descendentes de italianos costumem votar nos democratas. Por que pinçar em particular judeus?
É como se judeus, em especial, precisassem dar um teste a mais de lealdade ao país. Eles, em particular, precisam provar seu patriotismo. Outros grupos, não.
Em agosto de 2017, na cidade de Charlottesville, na Virgínia, um grande protesto marcou o primeiro governo Donald Trump. Um grupo de neonazistas carregando tochas passou em desfile pelas ruas gritando “Judeus não vão nos substituir”. Entre os supremacistas brancos de lá e os da Europa, uma das teorias malucas é de que está para acontecer uma grande substituição. Pessoas vindas de outros lugares, não arianas, substituiriam a população local. Sangue e terra, é isto que forma a nação. O sangue do povo original do lugar e a terra onde vive.
Quem não é daquela terra, não compartilha aquele sangue, não pertence ao local e deve ser retirado. Extirpado. É daí que vem o grito “Judeus não vão nos substituir”.
O mito original nazista é o da facada pelas costas. Eles diziam que a Alemanha estava vencendo a Primeira Guerra Mundial, mas judeus ricos muito poderosos forçaram a mão de um governo alemão corrupto e os fizeram se render aos aliados. Esta seria a facada pelas costas, a grande traição. Isto que fazia de judeus pessoas de quem se devia desconfiar. Judeus precisavam, por definição, provar lealdade pois, por definição, eram naturalmente propensos a deslealdade. Judeus, historicamente, são aqueles errantes. Os que nunca pertencem a lugar nenhum. Essa ideia, o de que são sempre estrangeiros, não importa em que terra estejam, é a natureza essencial do antissemitismo.
Mas não precisamos ficar apenas neles. Os haitianos e a história completamente inventada, abjetamente racista, de que estão comendo os cachorros e os gatos das pessoas. Os bárbaros, os incivilizados, os que não se adequam. Assim como a fantasia de, vamos chamar pelo nome claramente, agora é hora, a fantasia de erguer grandes campos de concentração para onde jogar todos os estrangeiros.
O discurso de Donald Trump, nesta eleição de 2024, é nazista.
Se tem uma coisa à qual tenho horror é lançar estas palavras, “nazista”, “fascista”, impunemente. Certas palavras a gente tem de tratar com muito respeito pelo peso que carregam. Golpe de Estado é outra. Golpe de Estado é uma coisa muito específica que começa com a ruptura da Constituição para depor o governante eleito. Fascista não é todo mundo de direita, mesmo na extrema direita há mais não-fascistas do que fascistas. E o nazismo é o pior tipo de fascismo. Talvez, no campo da direita, a palavra mais forte de se usar.
Em 2020, o historiador americano Robert Paxton, autor de Anatomia do Fascismo, chamou Donald Trump de fascista. Ele escreveu isso logo após a invasão do Capitólio por causa da invasão do Capitólio. Ao tentar fazer a ruptura constitucional por um método violento, com a invasão do Congresso, com milícias organizadas, ali Paxton viu o que faltava para fechar a definição. Trump ele classificou como fascista. Paxton não é só um dos maiores especialistas vivos em fascismo. Até os anos noventa ele ainda era convocado por tribunais franceses, alemães, europeus quando velhos fascistas do tempo da Segunda Guerra estavam sendo julgados. Precisavam de, ora, um especialista em fascismo.
Mas o nazismo dá este passo a mais. Tem ainda mais forte, ainda mais acirrado, esse discurso xenófobo. Este discurso da terra e sangue. Essa coisa pesada, horrível, de espalhar mentiras, teorias conspiratórias, sobre os grupos mais frágeis da sociedade, de estigmatizar. De mover uma campanha contra quem precisa de mais ajuda. Isso os nazistas faziam. Aí tem esse componente adicional: a ideia de que judeus, judeus em particular, precisam provar seu patriotismo. É inacreditável. E termina com, ora, com campos de concentração para imigrantes que, no futuro, serão deportados.
Ninguém está afirmando, aqui, que os campos de concentração se tornarão campos de extermínio. Não é isso. É que a estrutura de discurso que Donald Trump está usando é nazista. Não era assim, mas nesta eleição se tornou. E esta leitura não é minha. É de Timothy Snyder, autor de Sobre a Tirania, doutor por Oxford, professor de Yale. Um dos mais respeitados historiadores americanos, ora, das tiranias. Em particular das tiranias fascistas e comunistas.
Timothy Snyder, de Yale. Robert Paxton, de Columbia. É o que pensam sobre Donald Trump.