O sistema espanhol que prometeu proteger mulheres, mas não salvou Lina
VioGén. Esse é o nome de um sistema baseado em algoritmos, usado na Espanha desde 2007 para monitorar casos de violência de gênero contra a mulher. Quando uma vítima chega à delegacia para denunciar um agressor, responde a 35 perguntas que avaliam o tipo de violência sofrida, a frequência, a gravidade, se o agressor tem acesso a armas, entre outros fatores. Com base nas respostas, o sistema define o risco de reincidência — “insignificante”, “baixo”, “médio”, “alto” ou “extremo” — e determina o tipo de acompanhamento policial necessário. A ferramenta, desenvolvida por acadêmicos e pela polícia espanhola, é considerada essencial na gestão de cerca de 10 denúncias diárias em cidades como Málaga. Mas o caso de Lina, morta em janeiro após denunciar o ex-companheiro, coloca em xeque os limites do sistema.
Ela procurou a polícia em Benalmádena, após o ex-companheiro levantar a mão como se fosse agredi-la. A denúncia gerou uma classificação de risco “médio”. Lina pediu uma ordem de restrição, mas o tribunal negou. Pelo protocolo, ela seria reavaliada em até 30 dias. Três semanas depois, foi assassinada. Seu corpo foi encontrado carbonizado em casa, após o local ser incendiado. Se o risco fosse considerado “alto”, o acompanhamento policial teria sido feito em até sete dias. A pergunta que ecoa é: o VioGén falhou com Lina? Críticos apontam que a polícia tem terceirizado parte de suas decisões a esse algoritmo. Em 2014, um estudo apontou que, em 95% dos casos, os agentes aceitaram a classificação feita pelo sistema. A inspetora-chefe Isabel Espejo, da Polícia Nacional de Málaga, admite falhas: “O VioGén não é infalível. Mas o único responsável pela morte de Lina é quem a matou”, diz.
Ainda assim, o caso evidencia um problema maior: não há auditorias independentes do sistema, nem acesso público aos seus dados. Uma proposta da ONG Eticas, que estuda os impactos sociais da tecnologia, foi recusada pelo Ministério do Interior em 2018. Sem outra alternativa, o grupo conduziu uma auditoria externa, com base em dados públicos e entrevistas com sobreviventes. Conclusão: entre 2003 e 2021, ao menos 71 mulheres assassinadas já haviam denunciado seus agressores. A maioria estava classificada no sistema como de risco “insignificante” ou “médio”. “Se não auditamos essas ferramentas, não sabemos se estão protegendo as pessoas certas”, alerta Gemma Galdon, fundadora da Eticas. Apesar das críticas, o governo defende o VioGén. Juan José López-Ossorio, chefe de pesquisa em violência de gênero do Ministério do Interior, diz que mulheres protegidas pela polícia estão mais seguras e que o sistema continua a evoluir. Em breve, a classificação “insignificante” será removida. Mas nada disso muda o desfecho do caso de Lina. Em frente à sua antiga casa, hoje um pequeno memorial improvisado, há flores, velas e uma placa simples: Benalmádena diz não à violência de gênero. Para sua mãe, de 82 anos, fica a dor: “Não há nada mais triste do que perder uma filha de uma forma que poderia ter sido evitada”. (BBC)